Tiago Velasco é escritor, autor de Petaluma (Ed. Oito e Meio).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Minha semana de trabalho segue o fluxo das demandas que me chegam. Não costumo ter trabalho fixo, apenas freelances, então eu reajo ao que me chega, entre fazer revisão, copidesque, leitura crítica, curadorias, ghostwriting, produção de textos em geral e ministrar cursos e oficinas de escrita literária/criativa. O que faço é analisar os meus prazos e organizar dentro do que tenho que entregar primeiro. Fora os trabalhos remunerados, sempre estou lendo algo, pensando em artigos acadêmicos para escrever, escrevendo um conto ou outro, criando oficinas novas.
Essas atividades são feitas ao longo de todos os dias da semana. Nem sempre folgo nos fins de semana, mas me permito, quando dá, folgar durante a semana, enfim, novamente eu organizo isso de acordo com o volume de trabalho que tenho e com os prazos. Procuro seguir horários comerciais, mas sem rigidez. Se não precisar entregar nada de manhã ou se não tiver uma reunião, me permito começar a trabalhar um pouco mais tarde, 10h, 10h30.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
De modo geral eu escrevo contos. Só escrevi um romance, que foi a minha tese de doutorado. Nos contos, eu procuro começar quando tenho um final. Fico matutando a ideia um tempo, penso onde quero chegar, penso em um ou dois momentos que considero importantes no meio do conto. Quando tenho uma estrutura desse tipo na cabeça, começo a escrever de fato. O que eu preciso é saber em que lugar quero chegar, preciso desse norte. Poe falava sobre não escrever a partir de incidentes, mas criar os incidentes que servissem ao efeito que se quisesse com o conto. É mais ou menos assim que eu lido também.
Acho que é mais difícil escrever a última frase, mas não sei ao certo, talvez porque eu tenha certo fetiche com finais. Meus alunos das oficinas já sabem que, invariavelmente, sugiro cortar o final dos contos que eles produzem. Gosto de finais que deixam em aberto, que não explicam demais, que fazem o leitor ficar pensando e agindo sobre o texto por horas depois da leitura. A primeira frase precisa fisgar o leitor e fazer a história andar. Ela pode ser meio esquisita ou até meio banal, mas o leitor deve ler a primeira frase e querer ler a segunda. Em geral, escrevo uma frase quase qualquer, porque, nesse primeiro momento, ela serve mais a mim – para eu continuar a escrever – do que ao leitor. Depois que ela me botou em ação, posso retornar para melhorá-la.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu não costumo ter um projeto de livro de contos para fazer. Eu escrevo os contos à medida que as ideias surgem e, depois de ter alguns que conversam de alguma forma, eu começo a entender que vai virar um livro. Mas deixo a coisa no fluxo dela, sem forçar nada.
Quando começou a quarentena, comecei a fazer, pela primeira vez, um livro de contos curtos meio experimental. Pelo tamanho e formato, um tanto mecânico, seria fácil fazer um ou dois por dia. E, de fato, comecei assim. Fiz 14 e parei. Tenho que retomar. O que eu quero dizer é que, realmente, eu deixo as coisas rolarem. Se eu tivesse disciplina, escreveria bem mais. Mas será que tem como escoar? Não é tão fácil publicar. Ao menos, não é fácil para mim. Conseguir uma editora é sempre um parto.
Agora, preciso de certo silêncio para escrever. Não ouço música. Fico olhando para o computador escrevendo. Nesta quarentena finalmente pude ter um escritório. Me mudei para um apartamento maior, justamente porque a clausura em um quarto e sala estava sendo sufocante para mim e para a minha mulher. Então, agora eu tenho um escritório, e ela, um ateliê. E isso é bem positivo para as nossas produções.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
A melhor forma de lidar com a tentação é ceder a ela. Acho que foi o Oscar Wilde que disse isso. Não tenho certeza, li num imã de geladeira de uma lojinha dessas metida a cool. Ou seja, eu procrastino mesmo. E não me culpo. Acho que é uma forma de lidar com a situação, me ambientar a ela, tatear até o momento em que parece que estou confortável e as coisas saem. Se eu estiver travado no meio de um texto, eu paro. Leio outras coisas, vejo filmes, faço exercício, lavo louça, qualquer coisa que faça eu não pensar naquilo. Acho que dar uma respirada pode ser positivo. Mas isso só acontece em projetos longos. Agora, o prazo ajuda também. Ter que entregar algo é eficaz nesse sentido.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Mais trabalho foi a tese, que é o meu romance. Deu trabalho tanto enquanto tese quanto na adaptação para virar romance, tive que cortar algo como 30% do texto. É um livro relativamente longo, sobretudo para os parâmetros atuais, em que os romances estão cada vez mais curtos, no geral. É também o meu maior orgulho. Gostei bastante do resultado. Acho que escrevo melhor depois do processo pelo qual passei escrevendo ele.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Cortázar falava que o tema bom é aquele que cativa o autor, que faz ele sentir vontade de escrever. É assim. Aquilo que me parece bacana, interessante, é o que faz eu escrever. Acontece que, em geral, o que me motiva é teoria. Então eu me encanto por certas teorias, certas reflexões e penso como isso pode virar história. Nem sempre tem um enredo tradicional.
O leitor ideal é sempre uma figura retórica do autor, a não ser que se queira escrever histórias comerciais, como best sellers, novelas, filmes mais comerciais ou algo contratado. Fora essas situações que envolvem claramente um aspecto comercial e financeiro, não há motivo, para mim, pensar num leitor diferente de mim mesmo. Não vendo livro a ponto de conseguir ganhar dinheiro, então escrevo aquilo que me satisfaz. E se me satisfaz, imagino que irá satisfazer outros leitores que, de alguma forma, têm gostos e interesses semelhantes aos meus.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu acho essencial termos leitores beta, mas é algo muito mais difícil do que parece. Não pode ser a mãe, o pai, os irmãos. É preciso que sejam bons leitores, rigorosos, e que entendam a característica desse autor. Felizmente, nos últimos três anos, tenho dois deles. Fazem críticas bacanas, me ajudam a melhorar os textos, mas sempre dentro da minha forma de escrever, dentro do meu projeto estético. São duas pessoas em que confio muito na avaliação. Isso me deu uma segurança muito maior sobre a minha própria produção.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Me lembro de quando comecei a escrever, eu tinha uns 20 anos, mais ou menos. A recepção começou a ser boa, professores da faculdade, alguns sites de literatura me publicaram, um chefe que já havia sido editor de editoras importantes dando feedbacks positivos… E isso fez eu continuar a escrever. Mas só consegui falar que era escritor mesmo quando entrei no doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, algo que coincidiu com o lançamento do meu segundo livro de contos. A minha orientadora adorou o livro e me convenceu a fazer a tese no formato romanesco. Aí acreditei que eu devia continuar me dedicando à escrita.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Ah, acho que nunca foi uma obsessão. Comecei, como muitos, copiando autores de que eu gostava quando era mais novo, sobretudo o Rubem Fonseca. Com o passar do tempo, lendo outras coisas, novos autores e desenvolvendo uma forma de ler mais sofisticada, fiquei mais atento ao estilo de cada um, às soluções, aos temas. Certamente isso fez eu mudar a forma de escrever, as histórias que queria contar. Acho que o meu estilo se concentra em manter a simplicidade em mais alto nível. Fico obcecado por escrever de forma simples, objetiva, direta, curta, minimalista. Às vezes procuro a quase ausência de estilo, me relacionando mais com as ideias da arte conceitual e da arte minimalista na literatura. Gosto de uma coisa meio cerebral, me preocupo quase nada com o lirismo das frases.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Ih, adoro recomendar Marrom e Amarelo, do Paulo Scott; Diário da Queda, do Michel Laub; Desonra, do Coetzee; A Marca Humana, do Phillip Roth; Os Anões, da Veronica Stigger; e Histórias Reais, da Sophie Calle. Reforço, sempre que posso, o meu amor por Vidas Secas, do Graciliano Ramos, cujo capítulo sobre a Baleia é, por mais clichê que seja, a melhor coisa que já li na vida.