Tiago Rabelo é escritor, professor e graduando em História pela Universidade Estadual do Piauí.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Considero-me um sujeito inquieto em todas as partes do dia. E meu acordar é prova disso porque, de verdade, não sei se acordo quando acordo. Somente, sinto o peso do cansaço, do sono, e levanto-me confuso, buscando as razões do dia. A verdade é que não tenho rotina fixa, não tenho uma regularidade de sono e não tenho sono regular, com diárias e horários devidamente descritos. Explico. Há dias, por exemplo, que durmo já beirando as 3 horas da manhã tendo que despertar as 6 horas pra experimentar a fala as 7 horas já em sala de aula. Isso em três dias da semana. Nos demais dias, não tendo que me apresentar em qualquer tipo de compromisso nesse primeiro raiar, me dou o prazer de levantar entre 8 h e 9 h da manhã. Ou seja, são 3 h ou 6 h de sono por dia. Creio que isso não seja suficiente. Mas independente dessa variação, que certamente, me causa danos tanto físicos quanto mentais, o rito do levantar é quase sempre o mesmo-sempre: Levanto-me, arrumo-me, pego um café, vou pro mundo ou levanto-me, arrumo-me, pego um café e vou me noticiar mesclando o liquido quente com o que há de jornalismo nas mídias junto com a poesia do dia nos sites, blogs e revistas literárias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual. Aliás, não tenho preparações, não tenho ritmo, não tenho rito propriamente dito. Meu modo de trabalhar é outro. É duro e confuso. Utilizo a ato de escrever diariamente como uma forma de me exercitar e como mania de externar a leitura que faço das palavras e das coisas. Então, não tenho também formalidades. Estando eu não rua, sempre algum rabisco é feito (em cadernetas, blocos de notas, mensagens de texto destinadas a mim mesmo): alguma frase, alguma ideia, algum verso, alguma sensação. Nada de tamanha relevância que mereça texto, mas sou crente de que em determinados momentos aquilo terá valor pra mim, dentro do trabalho ardiloso de processar, dividir, direcionar, corrigir, revisar. Portanto, meus registros se fazem texto quando decido atribuir valor a eles. Se for pra decidir um horário pra isso ocorrer, que seja numa tarde de horário vago (coisa rara de acontecer) que é quando estou desligado das dores do mundo; e do peso que é viver – distraído das lutas e dos afazeres. Mas geralmente é na parte da noite meu horário de trabalho – não por decisão minha, claro -, porque a poesia tem a pecha de perambular pela noite – feito visagem, quimera, sonho. E sou refém disso. Penso que o fluxo é menor no relinchar do crepúsculo, fato que as ideias se processam melhor. Nesses momentos é que percebo, a partir de releituras do material que eu já tenho – de antes, casando com os mais recentes, os rumos que minha poesia está tomando. Foi assim no meu projeto de iniciante, As Vozes desse Rio(2018), tem sido assim no mais recente, Um Sopro no Olho do Vento, que provavelmente sairá no ano subsequente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha meta diária é não deixar nada escapar (continuo falando de ideias); nenhum pensamento por mais rasteiro que este seja. Peguei o vicio de repetir por varias vezes pra mim mesmo os processos dos projetos que idealizo – um modo de comunicação interna (converso comigo mesmo o tempo todo). Então posso afirmar que escrevo o tempo todo, não importa o local. Sigo empilhando fragmentos, amontoando formatos, arquitetando temáticas nesses locais diversos – repetindo o repetido. Resumidamente, gosto muito de um verso do Demetrios Galvão que diz, “na varanda (…) rabiscando pequenos infinitos”. Primeiro: eu vivo na varanda do mundo. Minha casa, inclusive, é um pouco disso. Minha casa fica na rabeira minha cidade (Teresina-PI); casa de beirada de rio de interior com infância, flores, mosquitos, água, sol, vento e riso. Ouço de lá estórias de gente simples. Vejo no barulho do rastro dos passantes coisas da poesia. Segundo, aprendi com as leituras históricas e de filosofia que a melhor forma de se processar as imagens e os conceitos que nos chegam é submetendo-os ao papel, caso de ressignificação. Razão pela qual necessito estar concentrado em todos os períodos do dia. Razão do oficio.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita parte dessa confusão. Ou seja, um encontro inicialmente confuso. Minha sorte é que eu consigo projetar rapidamente ideias-chave sob palavras-chave que são os signos que tento buscar e estudar. Podemos definir isso como uma compilação das notas sobrepostas à uma logica discursiva já decidida previamente. Diante disso, todo meu pensar e meu agir derivam desses signos, dessas metáforas. É o instante em que as temáticas clarificam os modos destinando os rumos da pesquisa. Então são estas as etapas: 1) escrita 2) pesquisa 3) escrita. A primeira é previa, rasa e intuitiva. A segunda é analise, reflexão e destinação; é quando penso os seguintes questionamentos: O que é possível discutir diante do que já tenho? O quanto de linguística, representação e linguagem tenho e o quanto mais necessito? Quais autores e quais campos do saber podem me ajudar para a sequência da construção? Diante do que já tenho, o que deve ser aprofundado? Quais textos estão aparentemente bons? Quais carecem de continuidade? Quais não se encaixam nas ideias-chave? Ou seja, a fase de problematizações que toda pesquisa necessita. A terceira etapa é a etapa da revisão; é hora de juntar todas as peças unificando o todo para definir a ordem e a cronologia do discurso; aparar as arestas; sequenciar a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Fora toda essa inquietação em relação ao dia a dia, vivo de pausas e de procuras. Sou preguiçoso e não sou nenhum pouco ambicioso no sentido de lançar coisa nova o tempo todo. Me dou bem com o ócio embora o fato de, às vezes, passar uma semana ou duas sem mover olhar sobre o arquivo, no meu entender, faça mal para o texto. Enfim, se eu estiver me sentindo bem, está tudo bem. Porém não sou dado a abandonar o enredo. Aliás, ele está sempre comigo: corpo-presente. Talvez a quantidade enorme de releituras que faço me permita tê-lo cravado na mente e no coração tanto em ordem quanto em desordem. E outra, só me dou com projetos longos (tipo, de 01 ano que no projeto-poesia, pra mim, é bastante tempo). Portanto, por me conhecer bem, lanço até 01 ano para terminar e mais 06 meses pra lançar. Assim fiz n’As Vozes desse Rioe tudo correu como o planejado. E tenho feito o mesmo pr’Um Sopro no Olho do Vento. Estou na terceira etapa desse novo trabalho me restando justamente 1/3 do periodo. Posso dizer que estou dentro do prazo mesmo mantendo-o no modo stand by justo agora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Me parece que existem dois modos de se revisar no gênero que integro, o gênero poesia. Antes você revisa durante o processo de confecção do poema (poema por poema) para validá-lo. O outro modo é o processo de revisão e composição de obra – a etapa 03, a mais demorada e viciante – esse segundo jeito de revisar é o período da dedicação integral, por isso é necessário bastante fôlego para se poder ir repetidas vezes, incontavelmente. O que quero dizer é que não existe quantidade somada de revisão. – Não faço ideia! Acho que reviso até me cansar, até esgotar o fôlego e desistir. Publico ciente de que imperfeições irão existir no meu texto, pois a cada retornar, percebo uma fissura, que dirá uma vírgula que duplicaria o verso; um artigo definido sobrando que provocará mau-olhado; uma palavra à mais ou uma à menos. Espero que isso mude no transcorrer dos anos, visto que ainda considero-me iniciante-iniciado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Utilizo a tecnologia para me policiar do Mundo, pra saber os rumos que nosso Estado está tomando (e ultimamente não está indo muito bem, não!). Uso-a também para averiguar o cenário, para observar o que está sendo lançado; o que os amigos estão publicando e onde estão publicando. Até porque me encontrei na escrita quando comecei a verificar a literatura contemporânea. No mais, distração e divulgação de minhas publicações que, vez ou outra, saem em revistas, jornais e blogs. Costumo publicar também as resenhas criticas dos filmes e álbuns de música que vejo e escuto. Por mais que eu considere de fundamental importância o papel das mídias sociais hoje em dia, tento permanecer o máximo de tempo fora delas na expectativa de aproveitar melhor o mundo daqui de fora olhando as pessoas de fora da bolha. Confesso que tem sido difícil por conta da intensidade dos acontecimentos e das tragédias desse pleito – do corrente ano -, mas mesmo assim eu tento. Isso revela que, por não ter uma tela o tempo inteiro rente a minha tela, diante da minha fronte, meu primeiro registro não é no computador. Domino a arte milenar de “rabiscar pequenos infinitos” nos bloquinhos de notas com uma caneta bic mesmo. Essa é a arma!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
O olhar do poeta tem que ser um olhar sensível, então acho que não existe método e/ou métrica. E ainda enfatizo a necessidade de apurar o “olho menino”, digo, ativar um olhar – o lado curioso do olho – curioso, e não somente o olho do menino, mas também um dedo do menino, para apreciar as coisas e tocar nas coisas que se mostram poéticas e vivas. Quando penso “de onde vêm as ideias?”, reporto-me as vivências e leituras literárias, cientificas e de Mundo que faço, que sinto. Para que isso continue acontecendo – como tem sido – basta-me continuar observando essas leituras: Integrar Mundo, Ciência e Literatura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei se tenho tanta maturidade para lançar questão sobre o processo de escrita ao longo dos anos. Mas digo que a literatura tem sim muito de mudo real ou de reações de mundo. A literatura abarcar a reações humanas e sociais. Sempre foi assim ao longo dos anos. Diria pra mim, diante disso, apenas uma coisa: vai doer um pouco, mas é um bom caminho. Justifico que essa afetividade da fala só existir assim porque encaro o fazer do oficio com dor, com incômodo. É exaustivo lembrar que eu alugo sono pra escrita. Um trabalho solitário e silencioso que pouca gente percebe e valoriza. Afinal, escrever nunca foi meu projeto de vida e essa minha nova condição de escritor talvez ainda seja um tanto insignificante, mas a considero como uma profissão proveitosa e libertadora, além de ser uma oferta ao Mundo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que pretendo escrever foge da poesia quanto estrutura, pois é pra ser um romance; uma prosa que beira a poesia com um discurso médico no meio de uma doença rara, pouco conhecida, chamada patologia muscular. E esse submeter o enredo sobre a passagem de meu irmão na terra, portador da patologia, que nos deixou há mais de 12 anos. Uma história de vida que me inspira ainda. Foram 14 anos de muito aprendizado, vivências e dores; lições que marcaram a minha existência. Acredito que mais gente mereça vê-la ficcionada. Quero que as pessoas se surpreendam com o enredo (A infância é a melhor época que temos!). Para isso, tenho um conto bem bonito em arquivo. Porém, é um projeto distante por requerer muito estudo, empenho e dedicação. Esse é o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe.