Tiago Germano é escritor, autor de “Demônios Domésticos”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sou desorganizado e preguiçoso. Isso não mudou muito da última entrevista pra cá (risos). Mas tento organizar meus dias de trabalho de acordo com as demandas, sempre preferindo me dedicar a um único projeto de cada vez. Como isso nem sempre é possível, já que o processo de edição de um livro geralmente se interpola ao de escritura de um novo – quando não à revisão e leitura crítica dos livros de outros autores, já que trabalho profissionalmente com isso -, minha única regra é: escrever pelo menos uma página por dia do projeto em curso.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
A escrita de três romances, dois livros de contos e um de crônicas, me ensinou que isso depende do gênero ou, mais importante ainda, da natureza do projeto. Sou menos programático quando estou escrevendo narrativas curtas, e muito mais quando estou escrevendo longas. Mas meu último romance, em relação aos dois primeiros, quase não foi planejado – talvez por se tratar de uma ficção histórica, cujo alicerce narrativo já está preparado. Quanto à primeira ou à última frase, gosto da ideia de escrevê-las juntas – o que facilita alcançar um efeito de circularidade que muito me atrai nas obras literárias. Assis Brasil costuma dizer que ninguém se lembra do final de um romance, ao passo que todos se lembram do início. Acho uma injustiça com romances com finais potentes, a exemplo de O Grande Gatsby (1925), de Fitzgerald, cuja última frase muita gente sabe até de cor. Mas entendo o que ele quer dizer: a primeira frase pode comprometer todo um romance, pois pode fazer o leitor abandoná-lo imediatamente. Na última, este jogo já foi ganho, e você pode se dar ao luxo até de chutar a bola pra lateral do campo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
O processo de escrita de um romance é longo, então é difícil que a própria rotina não vá também se transformando ao longo do trabalho. Mas tento manter uma certa constância, já que percebo que isso interfere também na solidez do projeto. Silêncio é um privilégio no Brasil, um país em que as pessoas têm um senso de comunidade bastante atrofiado, como temos visto durante a pandemia, diante questões maiores até que a da política da boa vizinhança. Então eu trabalho com música e fones de ouvido, que abafam os ruídos da rua. Só os tiro quando estou escrevendo crônicas: um cronista não pode se dar ao luxo de fechar as janelas ou tapar os ouvidos. Seu escritório é o banco da praça, e ele tem que estar atento a tudo o que ocorre ao seu redor.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Minha técnica se chama raiva. Quando me sinto propenso a procrastinar, abro o noticiário político e dificilmente consigo ficar mais de meia hora sem voltar para a ficção, que segundo Javier Marías é o único mundo no qual um escritor pode achar suportável viver.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Acho que o primeiro romance, A Mulher Faminta (2018), foi o que mais me deu trabalho para ser escrito. Demorou sete anos, pois como cronista e contista eu tinha uma ideia bastante rudimentar do romance como gênero. É um romance também rudimentar, claro, e não me orgulho tanto dele. Acho que o escritor sempre se orgulha mais do que está escrevendo no momento, e aquela ficção histórica que mencionei, ainda inédita, é talvez hoje o meu maior motivo de orgulho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Eu acho que são os temas que escolhem os escritores. Quanto ao leitor ideal, tento não pensar nele enquanto estou escrevendo, mas sei que um livro está bom quando minha esposa Débora Ferraz diz que está. Ela é uma escritora muito melhor do que eu.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Acho que nunca me sinto completamente à vontade, nem quando o livro está pronto. Mas é só neste ponto que recorro a leitores mais perspicazes, como a própria Débora.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu estava lendo Dois Irmãos (2000), do Milton Hatoum, jogado no chão, no pergolado da casa de uma tia. O livro me fazia sombra, e num trecho em que Hatoum falava do sol de Manaus eu emergi das páginas e não consegui enxergar o sol sobre a minha cabeça. Minha vista escureceu e tive uma epifania: eu já não pertencia mais a este mundo. Eu estava habitando o mundo da ficção que, repetindo a frase maravilhosa de Javier Marías, é o único que um escritor pode achar suportável viver. Quanto ao que eu gostaria de ter ouvido quando comecei, penso numa outra frase ótima de E.L. Doctorow: “Planejar não é escrever. Traçar o projeto de um livro não é escrever. Pesquisar não é escrever. Falar com as pessoas sobre o que você está fazendo, nada disso é escrever. Escrever é escrever.”
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Quando um escritor diz que desenvolveu um estilo próprio ele está a um passo de morrer como escritor. Se eu disse anteriormente que o tema procura o autor, é o tema também que encontra o estilo. Neste sentido, Fernando Sabino foi uma grande influência para minhas crônicas e contos. Meu primeiro romance não existiria se não tivesse lido Alan Pauls, e o segundo, se não tivesse lido Coetzee. A ficção histórica é uma ousadia recente, bastante influenciada pelo trabalho do Samir Machado de Machado.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
“Manual da Faxineira” (2017), da Lucia Berlin.