Tiago Ferro é escritor, autor de O pai da menina morta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa corrido. Sem nenhum contato com leitura ou escrita. O objetivo é tomar café, me aprontar e chegar com a minha filha de seis anos na porta da escola dela antes das oito da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nenhum ritual e nenhum horário específico. Mas diria que de manhã é tudo mais difícil.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, nenhuma meta. Escrevo onde dá e como dá. Quando eu noto que não vai sair nada, eu simplesmente me afasto de qualquer tentativa de escrever. E sigo lendo despreocupado. Já quando as ideias estão prontas (e quando estão a gente simplesmente sabe), eu costumo escrever mentalmente longos trechos, o que é aflitivo porque sempre parece que algo vai se perder (o que de fato deve acontecer…). Nesse ponto é preciso sentar e escrever com certa urgência. E é aí que eu produzo mais e também muito rapidamente. O pai da menina morta foi escrito em aproximadamente três meses.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No caso do romance O pai da menina morta, eu praticamente não pesquisei nada. Não li livros com temática semelhante, nem me aprofundei em qualquer teoria que pudesse se relacionar ao conteúdo. O que foi acionado de referências de alguma forma já eram minhas e foram aparecendo naturalmente no tecido narrativo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu entendo a escrita ficcional como um fim e não um meio. Portanto não há nenhum tipo de ansiedade quando não há nada para escrever. Eu não me cobro de forma alguma. Se o momento da escrita é prazeroso (por causa da euforia de descobrir a forma), também é exaustivo. Então eu prefiro observar e quando existir de fato esse impulso de dar forma aos vazios, ao que não está dito, de estabelecer perguntas que escapem ao senso comum, aí então eu escrevo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Há dois ou três leitores de confiança, digamos assim. Eu sei que, apesar de amigos, eles vão sempre fazer uma leitura crítica, implacável. Eu reviso até o último momento e mexo até o fim. Depois de pronto eu não leio mais porque sei que eu vou querer alterar uma palavrinha aqui e outra ali. Está publicado, não me pertence mais. É do leitor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nunca escrevo à mão. No computador, no celular, às vezes eu gravo áudios na rua para não perder uma ideia. Eu uso um aplicativo de notas que sincroniza o celular, o laptop e o computador da editora. Com isso eu posso começar um trecho na rua, completar no trabalho, revisar em casa etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não faço ideia. Para falar a verdade eu nem entendo muito bem a expressão ser criativo. Os mecanismos mentais que vão acionando memórias, desejos, referências na hora de escrever são para mim absolutamente misteriosos. Falar em intenção é falar de uma parte muito pequena do processo. É também assumir que o autor tem a chave interpretativa definitiva da sua própria obra. O que de alguma maneira amorteceria o papel da crítica que para mim é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Escrever uma tese acadêmica e um romance são experiências obviamente diferentes. Mas o momento da escrita guarda algumas semelhanças. Uma certa perda de controle ao dar forma literária às ideias. Depois as revisões ajustam um pouco o que há de caótico no processo, e no caso da tese mais ainda. O romance pode ser caótico. Não diria nada ao escritor do passado. Cada momento da vida tem a sua graça.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São muitos projetos e também vários deles que vão se mostrando desimportantes antes mesmo de serem realizados. Ainda há muito para ler do que já foi publicado para me preocupar também com o que ainda não existe. Mas eu invejo intelectuais que dominam cinco, seis idiomas e assim têm acesso a um campo literário muito mais amplo e rico.