Thiago Medeiros é escritor, autor de “Claro é o mundo à minha volta” (Patuá).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina específica sobre literatura, a menos que esteja envolvido em algum projeto que envolva prosa. São manhãs comuns, divididas entre o mestrado e os cuidados com minha filha. Não há nada muito surpreendente na vida de escritores e escritoras.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A maior parte do trabalho é noturna. Caso esteja escrevendo prosa, costumo fazer os primeiros esboços pela manhã, para serem revisados à noite. Tudo, literalmente tudo que escrevo é escrito à mão. Poemas ou prosa. Computador, para mim, sempre teve formato de algo pronto. Também é uma forma de forçar revisões. Tenho vários cadernos sempre por perto. Todos os meus textos passam por um processo de ao menos quatro revisões. O primeiro esboço, nos cadernos escritos em nanquim, é revisado por uma caneta vermelha. Ao passar para o computador, já vou fazendo novas alterações. Faço uma revisão ao final. No caso de prosa, ainda imprimo tudo ao final para uma nova revisão, bem como sempre leio tudo em voz alta para perceber sonoridade e ritmo. A bem da verdade, enquanto não estiver publicado, qualquer texto é passível de lapidação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não possuo metas diárias de escrita, embora sempre separe um período do dia para estar em contato com literatura e criação. Costumo ser mais disciplinado – sou um poço de indisciplina – quando escrevo em prosa. Cada texto tem seu ritmo próprio, e isso não se trata de aguardar que inspiração caia do céu. Tem mais a ver com o dia-a-dia mesmo, o cotidiano doméstico e profissional.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre tive dificuldades com começos. É a parte mais difícil de qualquer coisa. Costumo me cercar de palavras ao escrever. Mantenho sempre vários dicionários – de símbolos, analógico, de sinônimos e afins – por perto, bem como livros que possam tratar do assunto em pauta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou muito ansioso. Percebi que escrever, no meu caso, é uma ansiedade em si e isso não é uma metáfora. Por uma época tive que tomar antidepressivos e ansiolíticos. Os remédios me tiravam todo o potencial criativo. Então melhorei muito ao aceitar que a ansiedade faz parte do meu processo, diria até que é a real motivadora dele.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho uma série de leitores e leitoras beta. Em sua maior parte, pessoas que também escrevem. Literatura, como qualquer outra arte, não se faz só. Aprendi isso na convivência com meu grande amigo e mestre Raimundo Carrero. Frequentei a oficina ministrada por ele durante três anos, parei quando me tornei pai, por questões financeiras. Lá aprendi a necessidade da troca, a necessidade do retorno de outros e outras. Não é se submeter à vontade pura de quem lê, mas perceber pontos fortes e fracos do próprio texto a partir da reação das pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo é escrito à mão. Computadores são para os momentos finais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Estar atento ao mundo, isso é importante. A maior parte das minhas ideias vieram de frases soltas, observação de comportamentos. Literatura é para quem tem olhos e ouvidos feridos ao e pelo mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Controlei mais a ansiedade, bem como deixei de me preocupar com quantidade para focar em qualidade. Se voltasse no tempo apenas diria, calma. Vai sair, criatura.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma ideia para romance que ainda não comecei, embora esteja sempre anotando e me lembrando da sua latência – diria que está mais para algo em latejo que para algo latente. Ao mesmo tempo que tento manter a ansiedade sob controle, em todas as suas oscilações, ela me exige uma velocidade que ainda não posso oferecer a este projeto. Mas está aqui. Latente e latejante – mais latejante que em latência, acredite. Um livro interessante seria minha autobiografia depois de morto, no estilo Brás Cubas. Meu julgamento final, de eu para mim mesmo. Provavelmente escreverei esse livro quando isso tudo acabar, tendo felizmente apenas um leitor – eu mesmo, novamente e mais uma vez, devidamente encarcerado em algum sarcófago caruaruense. A vida é feita majoritariamente de tédio, o qual apenas cada pessoa pode conhecer. Não acredito em biografias. Todas elas escondem a ausência dos olhos do mundo sobre alguém e que houve muito mais horas, minutos e segundos, na vida de uma pessoa que acontecimentos extraordinários. Isso muda tudo. É nesse lapso de tédio que residem todos os eus, não nas lembranças revividas em páginas.