Thiago Iacocca é escritor, roteirista e documentarista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não gosto de rotina, não gosto de me sentir engessado numa lógica, num paradigma indiciário que acaba nos definindo. Porém, tento sempre buscar uma disciplina dentro do caos que o exercício criativo significa para mim. Então, por tudo isso, meus dias nunca são iguais, muitas vezes me programo para algo, mas a narrativa do dia se direciona em outros sentidos, o que é bom por um lado, mas perigoso por outro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu ritual é aceitar que preciso escrever, sentar e deixar fluir. Quando eu me coloco à disposição da escrita, seja lá em que momento do dia ou em que estado de espírito eu me encontre, se eu me permitir escrever costumo ser bem produtivo. E gosto sempre de escutar música enquanto escrevo, principalmente brasileira, muitas vezes contribui com o processo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Eu até gostaria de ser mais profícuo, me ressinto quando passo períodos sem escrever, mas acabei aceitando que tenho picos criativos que podem durar dias, semanas, mas depois entro em fases mais minguantes. Acho que a rotina que tenho, por trabalhar no mercado audiovisual, me impede de encontrar mais espaços de escrita no dia a dia. Essa é uma meta que espero alcançar, pois o desejo de dar vida a mais livros e filmes é grande.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não faço muitas notas. Quando faço, dificilmente volto a elas com o objetivo de utilizá-las objetivamente, servem mais para fixar uma ideia que me surgiu e que eventualmente aparece quando estou escrevendo. Então acho que posso dizer que é algo intuitivo, é uma escrita que evolui durante o processo. Eu sento e crio dançando conforme a música, deixo a escrita me levar, inclusive por caminhos que me surpreendem. A pesquisa pra mim são as impressões que vou acumulando andando na rua, subindo no ônibus, conversando com amigos queridos… A vida real, os delírios da rotina, o brilho que se esconde no aparentemente ordinário são a matéria-prima do meu trabalho. A subjetividade é o recurso narrativo que mais me interessa. O desafio é jogar com ela para que o leitor capture um pouco dessas intenções, transitar na fronteira entre o meu desejo como escritor e a interpretação individual do sujeito que vai ler o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bem, acho que são elementos que fazem parte da mitologia do escritor e que devem ser assimilados sem fatalismo ou romancismo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu releio meus textos, edito, mostro para outras pessoas, mas depois que escrevo não sou tão apegado como deveria. Muitas vezes já pensei que poderia ter um carinho extra, trabalhar mais meus textos, estou melhorando isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Atualmente estou usando mais o computador mesmo. Já escrevi muito em caderninhos e tal, mas cada vez mais uso o computador e até o celular. Há um istmo interno nessa questão para mim, pois eu gostaria de usar menos a tecnologia, mas a praticidade, inclusive para pesquisar durante a escrita, é uma realidade, um conforto com o qual me acostumei.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que todos temos um poder criativo, dar vazão a isso é que exige uma espécie de desprendimento, uma assunção dessa condição. E é preciso encontrar as ferramentas e plataformas que deem segurança para a criatividade fluir. No meu caso, como já disse, bebo na fonte disso que chamamos de “real”. Meus textos são reflexos da minha relação com o mundo em que estou inserido, da minha vontade de interpretar os cenários, os “personagens” com quem convivo, provocar reflexões sobre essa experiência complexa e fascinante que é a vida. Estou tentando…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não mudou muito. Acho que gostaria de ter escrito mais, com certeza. Tive alguns hiatos que me incomodam, pois projetos importantes para mim ficaram em segundo plano e já não sei mais se vou me encontrar neles, me identificar com o que está escrito e retomar o fôlego. Então fica a sensação de uma potência que não se realiza. Por isso, eu diria para mim mesmo: “escreva mais ou vai ficar cindido entre desejos e realizações, vai olhar para a carne viva e ficar sem reação…”. Por outro lado, para alívio do meu “eu jovem”, estou prestes a lançar um novo livro que contará com textos que escrevi há quase 20 anos e que resgatei, contos quase perdidos que estou trabalhando em cima e que serão acompanhados de textos atuais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São muitos projetos que gostaria de fazer, muitos mesmo. As ideias surgem, mas é difícil dar conta de iniciar um novo livro ou filme. Acho que esse é um mal comum aos escritores, porque escrever um bom livro toma muito tempo. Agora, o livro que gostaria de ler e ainda não existe não saberia dizer. Acho que não tenho mais fetiche com literatura, quero ler o que já existe e ainda não me dispus. Gosto de escrever porque preciso, então só quero ler o que já há.