Thiago Henrique Mota é doutorando em História em regime de cotutela entre a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Lisboa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Ao acordar, geralmente tomo café, suco, como dois ovos e fico um tempo olhando a vida da janela. Às vezes, malho de manhã, em casa mesmo (com auxílio de um aplicativo). Noutros dias, pulo essa parte. Depois, leio notícias, antes de começar a trabalhar no que interessa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu melhor horário para trabalhar é à noite. Posso ficar o dia todo sentado em frente ao computador e apenas começar a trabalhar quando escurece, sobretudo quando estou em fase de escrita. A leitura rende bem durante o dia. Não tenho rituais, mas sempre uso a desculpa de que não vou conseguir escrever se não fizer um café pra botar do lado. Vai ver, um ritual é só uma desculpa bem consolidada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro anotar ideias todos os dias, salvar referências, fazer algum fichamento… mesmo que não esteja na fase de escrita. Não trabalho com metas diárias: para mim, elas acabam por virar uma fonte de ansiedade e inibem o processo criativo. A escrita propriamente dita, ou seja, o trabalho no texto final, acontece em períodos concentrados. Às vezes, atravesso madrugadas escrevendo, das 20h às 8h, durante dias. Depois, fico esgotado e passo dias sem escrever. Para mim, o trabalho funciona melhor neste horário porque consigo entrar num fluxo de ideias que se torna impossível durante o dia: muito barulho, pessoas, tarefas a cumprir, coisas acontecendo nas redes sociais… as madrugadas são mais calmas e me ajudam a manter o foco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita é minha melhor forma de expressão. Penso que, ao escrever, consigo organizar minhas ideias e comunicá-las de forma mais clara. Isso nem sempre é fácil e, às vezes, gasto horas para escrever um parágrafo que me pareça minimamente decente. Passar da pesquisa à escrita é difícil. É muito cômodo ficar lendo: a leitura exige pouco esforço e nos dá a sensação de não estar à toa. Já a escrita, exige muito mais pela mesma sensação. Então, é tentador ficar lendo. Geralmente, passo à escrita quando consigo formular uma linha de pensamento e argumentação coerente, ainda que não necessariamente completa. Escrevendo, percebo novas demandas que me ajudam a otimizar a fase de leitura. Assim, intercalo períodos de escrita e leitura. Do contrário, ficaria (como já fiquei) lendo artigos interessantíssimos, mas que não me ajudam no que preciso. Ao decidir escrever, começo fazendo um mapa do texto, com títulos e subtítulos. Depois, vou colocando as informações nestas seções e marcando lugares de notas e referências. Quando acontece de entrar num fluxo de ideias no meio deste processo, sigo escrevendo. Se chego num ponto em que preciso de alguma referência que não esteja à mão, marco de amarelo e sigo o rumo da ideia inicial. Depois, volto realinhando o texto, modificando os títulos, subtítulos, criando novas seções, preenchendo as lacunas… Os pontos amarelos costumam indicar as leituras que ainda preciso fazer, mas não estavam claras antes de iniciar a escrita. Então, reinicio o processo. Gosto de pensar que este é um método de “escrever em camadas”: são várias demãos de texto até chegar ao resultado final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinação é um problema. Às vezes, me pego lavando louça ou aspirando a casa para evitar a escrita. Mas, na maior parte das vezes, são as redes sociais que me pegam mesmo. Isso geralmente acontece durante o dia, quando me disperso mais facilmente. Para concentrar-me, procuro fixar a atenção por cinco minutos na tela do Word. Mesmo que não saia muita coisa neste processo, fixar o olhar na tela e balbuciar pelos dedos me ajuda a desligar a mente de outras coisas e focar. Depois disso, o rendimento costuma melhorar… Geralmente, a expectativa quanto à aceitação do texto não é algo que me incomoda. Busco concentrar esforços na elaboração de uma pesquisa coerente e consistente: uma linha de raciocínio clara e bem documentada. Discordâncias sempre existirão e serão resolvidas no debate. Sobre trabalhos longos: têm lá suas dores e suas delícias. Um trabalho relevante geralmente é longo. Para mim, é mais aceitável dividi-lo em porções menores. À medida que trabalho na tese, busco ir submetendo artigos a revistas especializadas e conceituadas. Isso me ajuda a ter dimensão de cada parte da pesquisa e a receber feedbacks importantes ao longo do processo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Três vezes. Duas entre o final da escrita e o “tempo de repouso”. Quando acho que o texto está bom, deixo-o guardado uns quinze dias. Depois, faço a última revisão, no material impresso. Às vezes, peço para amigos e minha esposa lerem. A leitura de alguém não especialista no tema ajuda muito, pois me diz onde o texto não está claro e o que não é óbvio, já que meu entendimento do assunto torna minha escrita muito viciada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço brainstorming à mão, elencando tópicos, escrevendo frases soltas, criando organogramas, imaginando sequências de pautas… é um processo livre. Também anoto ideias avulsas, que surgem ao longo do dia ou da noite, num caderninho especial: coisas a ler, críticas ao que li, alguma coisa que alguém disse… Isso tudo faz parte de um período que considero como pré-escrita. Ao decidir iniciar o texto, passo a trabalhar no computador. Escrevo, leio, reviso. Imprimo. Leio, reviso, salvo. Deixo de molho. Depois imprimo, leio, corrijo, modifico e envio.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Para estimular minhas ideias, parto do princípio do que tudo é possível. Ao não me prender a um determinado paradigma, permito-me observar meu objeto de estudo com olhar de estranhamento e, daí, tiro minhas primeiras conclusões. Depois, confronto essas ideias iniciais com os estudos já consolidados do tema e busco refiná-las, favorecendo o diálogo. Também acho importante ter um rol de leituras diversificado. Por isso, busco referências de outras áreas, o mesmo problema analisado a partir de diferentes lugares sociais/institucionais, o mesmo tema na história de sociedades distintas… Isso me ajuda a ter insights que não seriam possíveis se me limitasse à bibliografia específica.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua dissertação?
Amadureci, tanto como leitor quanto como pesquisador e escritor. O mais importante, ao longo do tempo, foi aprender a ler. Acompanhar uma ideia ao longo de um texto; notar metodologias e objetivos, mesmo que implícitos; e perceber vinculações teóricas, institucionais e sociais foram pontos importantes em meu aprendizado. Penso que, após aprender a ler de forma ativa, passei a organizar melhor minhas ideias. E mais: busco sempre escrever de forma clara e direta. Uma frase com mais de três linhas é inadmissível! Recomendo a todos a leitura de Arthur Schopenhauer, A Arte de Escrever. Suas críticas e contraexemplos, apesar de densos, são muito instrutivos. Sobre o que já escrevi, penso que são textos datados: fazem parte de um momento, no quadro do conhecimento constituído, e marcam um período de minha vida. Há muito que, hoje, eu poderia acrescentar em Portugueses e Muçulmanos na Senegâmbia, por exemplo. Mas entendo que foi um livro escrito quando eu tinha 24 anos, sobre tema pouco conhecido no Brasil. As limitações deste trabalho também marcam meu amadurecimento enquanto pesquisador. Hoje, se pudesse dar um conselho ao Thiago daquela época, diria: “faça fichas de leitura de absolutamente tudo que você ler. Você vai precisar delas!”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Agora, estou focado no projeto #acabaratese! Tenho muitas ideias de pesquisa, gosto de temas que me desafiem tanto intelectualmente quanto em termos de experiências: ir a arquivos que desconheço, em países fora do circuito badalado; estabelecer relações com pesquisadores inovadores; investir em leituras que abordem partes do mundo secundadas no debate cotidiano, jornalístico e acadêmico brasileiro; pensar relações pouco exploradas pelas teorias ortodoxas… Seguir por caminhos desconhecidos é sempre um risco. Mas, por outro lado, são esses que valem a pena: as estradas conhecidas só levam até onde alguém já esteve. Sobre livros a ler, tenho uma longa agenda a cumprir, de clássicos a publicações recentes. São livros que ainda não existem na minha biblioteca!