Thiago Blumenthal é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo sempre bem cedo e tento dar conta das minhas leituras, preparações de aula eventuais ou cursos, e um pouco da escrita durante a manhã. Contudo, é durante a noite, próximo da madrugada (e às vezes madrugada adentro), que costumo botar no papel tudo para a pesquisa de pós-doc que estou começando a desenvolver pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É também durante a noite e madrugada que bato os meus artigos que saem quinzenalmente no Estado da Arte, do Estadão. Manhãs e altas horas da noite são períodos muito produtivos para mim, o que resulta em um problema: durmo sempre pouco. Tento repor o sono no sábado. Ah, e claro que a rotina é alterada de acordo com a programação da semana, por questões profissionais e pessoais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse, a noite é muito boa para escrever, ainda que eu não tenha nenhum ritual específico, nem necessariamente um horário específico. Costuma ser bem tarde. Simplesmente fone de ouvido e tentar extrair o máximo da página em branco. Escrever é um trabalho, e o trabalho não é algo necessariamente prazeroso. Muitas vezes é sofrimento e frustração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para a minha pesquisa, como se trata de pós-doc e não demanda uma dissertação ou uma tese, tento não impor metas, algo que eu fazia durante meu mestrado e doutorado. Apenas colocar no papel todas as minhas observações a partir das leituras associadas ao meu objeto de estudo, que é ligado à neurolinguística e lida justamente com o que eu chamo de consciência da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha escrita é sempre dura e fragmentada, muitas vezes em tópicos mais ou menos organizados para depois serem editados. Como fui editor, tanto com livros como no jornalismo, descobri que funciono muito bem quando eu edito a mim mesmo a partir de uma espiral de ideias e frases anotadas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca é fácil, mas é menos difícil que alguns anos atrás. A idade nos deixa mais frios com o próprio texto. É um distanciamento positivo por um lado, mas perde-se a paixão pelo texto também. Acho que foi Borges que disse que mais importante do que a gente escreve é o que a gente lê. Adotei isso com o passar dos anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca, nunca reviso. Edito as frases, reelaboro, cuido do estilo, tento colocar no texto tudo o que sou e tem a minha cara. Mas depois que faço isso e me dou por relativamente contente não leio mais. A revisão é um processo muito posterior – no caso dos meus textos do Estadão, confio no cuidado dos meus excelentes editores; já no caso da pesquisa acadêmica, vou revisar tudo em conjunto com o supervisor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sei como é escrever à mão. Sempre escrevo diretamente no laptop. Muitas vezes, já na cama para dormir, esboço algumas notas no meu celular, no escuro. Nada de papel. Mesmo minhas leituras hoje se dão via eletrônica (Kindle, Google Books etc), inclusive por questões de acesso. Livros que levariam meses para chegar às minhas mãos em versão impressa agora consigo em questão de segundos através dessas novas tecnologias. Noventa por cento das minhas leituras estão em formato epub.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de pensadores e pesquisadores que as tiveram antes de mim, por mais originais que possam ser minhas inferências. Outras ideias vêm da ficção, da literatura e do cinema, que me ensinam muito – inclusive a escrever. Raramente tiro algo da minha própria vida, ou do meu cotidiano, para escrever (profissionalmente). Talvez se eu escrevesse ficcionalmente aí eu usaria minha vida, mas não é o caso pois não me meto com ficção. Uso minha vida (e a recrio narrativamente) em psicanálise, já é o suficiente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi a me editar, isso foi fundamental. Transformar algo cru em um texto concreto, claro e esteticamente aceitável e prazeroso. Nesse sentido o jornalismo foi fundamental, mais até do que a universidade e a vida acadêmica, que infelizmente não nos preparam para isso. Devo muito ao jornalismo – saber manipular o meu texto, a bibliografia com a qual lidei, e as minhas ideias, tudo isso deu maior coesão à minha tese de doutorado. Na dissertação do mestrado, defendida há muitos anos, eu ainda não tinha essa experiência do jornalismo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto que gostaria de levar adiante é o de passar um tempo (um ou dois anos) no Oriente sem escrever absolutamente nada e traficando armas. Quanto ao livro que gostaria de ler seria qualquer um que não fosse escrito por mim mesmo. O que me interessa é o que o outro pensa, não o que eu penso.