Thais Steimbach é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho e estou justamente neste processo de criar uma com a minha nova rotina familiar que veio com a pandemia. Muito recentemente eu decidi me dedicar à escrita, fazer disso uma carreira, mesmo que desde muito pequena eu só me via como escritora, como contadora de histórias. Mas não havia condições nem incentivo para abraçar esse caminho. Estudei, me formei e me especializei em outra área, que também exigia criatividade, mas condicionada ao horário comercial. Das oito às dezoito continua a não ser o meu melhor horário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu me sinto bem escrevendo ou antes do sol nascer ou bem depois que ele já se foi. Eu preciso de silêncio ao redor e música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Períodos concentrados. Eu preciso amadurecer as idéias antes de me sentar para escrevê-las. Não chamo de inspiração, porque tenho um olhar bem poético sobre todas as coisas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar. Tem sempre alguma coisa por sair, tenho palavras sendo gestadas o tempo todo. Se estou com uma história, ou parte dela, bem alinhavada na minha cabeça, rapidamente isso se torna urgente e eu tenho que me sentar e escrevê-la. Meu corpo inteiro dá sinais e me obriga a escrever. Fico completamente desfocada de todas as outras demandas, irritada, não quero conversar com ninguém, intestino preso, pele oleosa e crises de insônia. Os sintomas vão passando conforme a história fica pronta. Sei que está pronta quando eu volto a sonhar quando durmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Estou aprendendo a lidar com o medo de ser um fracasso, de não ser boa, de não ter leitores e tudo isso conversando com escritoras e outras mulheres inspiradoras que tive o prazer de conhecer desde que resolvi me arriscar. Estou bem no início deste processo de deixar de me sabotar e procurando olhar para o lado positivo de que eu finalmente estou dando os primeiros passos em controlar a ansiedade, a síndrome de impostora e tudo isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os poemas eu apresento a uma lista restrita de conhecidos há algum tempo. Eles foram meus únicos leitores por muitos anos, quando meus ex-colegas de trabalho não faziam ideia que eu escrevia ou que eu gostava tanto de literatura. A minha afinidade com escrever contos é de pouco mais de um ano. Foi um estilo que de certa forma eu desprezei em mim e não levava a sério junto com a poesia, pois eu me cobrava para estrear com um generoso romance, daqueles de muitas páginas. Me descobrir neste estilo, ser lida e apreciada foi uma surpresa agradável e tem sido motivador.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu não sei rimar com letras que não sejam minhas! Todos meus poemas nasceram em folhas de papel e poucos sofrem alterações quando vão para o computador. Quando era adolescente, me arrisquei a escrever para o teatro e escrevia muito em cadernos reservados para isso. Um amigo passava para o word quando eu terminada. Hoje em dia, com exceção da poesia, é tudo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Música para mim é essencial como tomar água. Eu ouço música o dia todo e bebo muita água, todas as pessoas que já conviveram comigo são testemunhas. Na minha família não tem músicos, mas eu cresci gostando de como meus pais cantarolavam no dia a dia. Gosto de pensar que sou eclética, mas tenho preferencias de ritmos e cantores. Também sou cinéfila e participo de clubes de cinema com frequência. Já fiz alguns cursos da História da Arte e eu admiro muito a arte tanto que ocupa os museus quanto as que interagem com as ruas. Porém, para mim é indispensável ouvir pessoas, as histórias delas ou inventadas, sejam conhecidas ou não, pessoalmente ou produzidas em livros, e maturar as narrativas dentro de mim. E por isso me concentro mais em ler do que em escrever. Sinto um prazer genuíno nessa escuta, mesmo quando a faço no lugar de leitora. Acho que foi por isso que criei e sou mediadora de um grupo de leituras na minha cidade, o Leia Mulheres, um projeto capitaneado por duas mulheres de São Paulo e que hoje já conta com grupos em mais de 130 cidades pelo Brasil afora. Eu me envolvo com a jornada de leitura e gosto de compartilhar isso, de ouvir como aquele mesmo livro afetou ou não as outras pessoas que leram ao mesmo tempo que eu. Enfim tenho uma grande necessidade de absorver histórias olhando no olho, ao ler ou procurar em músicas para alimentar meus processos criativos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A maturidade da escrita. No meu caso, está diretamente ligada a me sentir mais confortável com as minhas vivências. Quando eu era adolescente, eu evitava contar histórias em primeira pessoa e, lendo o que sobrou daquele material hoje, me parece tudo sem sentimento ou tudo muito teatral. Era uma mistura de relatos, desejo de dividir reflexões tentando ser impessoal, não sei explicar. Hoje eu consigo falar com mais propriedade das vivências que quero despertar no leitor e não tenho mais essa angústia se ele vai ou não associar com a minha vida privada. Se eu pudesse voltar, diria a mim mesma para parar de ser medrosa, comparativa e lembrar que Clarice, Hilda e todos os escritores não têm pleno controle sobre as próprias narrativas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou amadurecendo o meu tão sonhado romance. Gostaria muito de escrever séries, acho um formato muito interessante de contar histórias. Todos os meses eu encontro um livro que gostaria de ter lido antes e fico feliz por ele existir. Assim como eu sou incapaz de eleger um livro favorito, porque são muitos e a lista é atualizada constantemente, também me recuso a acreditar que ainda está por vir o “livro que vai mudar a minha vida”. Muitos deles irão. As histórias vivas, ressignificadas junto com os dias, não acha?