Tereza Yamashita é escritora de livros infantis que adora brincar com as palavras (literatura), o papel (origami) e o barro (cerâmica).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O meu dia a dia é bem comum. Gosto de acordar cedo. Antes eu ia para o meu estúdio, mas hoje eu alugo esse espaço, pra manter minha filha em Curitiba. Ela estuda medicina na UFPR, e, apesar de estudar em uma faculdade federal, os gastos ainda são grandes. De manhã, eu costumava ser recebida pelo meu gato Sansão (infelizmente ele virou uma estrela de dezoito pontas, digo, dezoito anos), ele era uma de minhas fontes de inspiração. Gatos, cães e outros animais divertidos sempre aparecem em minhas histórias infantis. Até criei a Giraflor, minha personagem mais conhecida.
Atualmente escrevo e trabalho no apartamento em que eu moro. Graças ao origami e à cerâmica (meus hobbies prediletos) aprendi a observar os detalhes, e acredito que todos que quiserem trabalhar com criação precisam estar sempre atentos às cores, às luzes e às situações do dia a dia: ser um bom observador. Quando as ideias surgem, anoto numa caderneta ou fotografo. Para um escritor, qualquer fato pode servir de inspiração. Pra mim é assim: uma palavra diferente, um objeto estranho, uma história triste ou divertida que me contam na rua, na padaria ou no mercado… Um céu avermelhado, uma sombra na calçada. Mas, antes de escrever, o importante é ler muito e de tudo: gibis, revistas, jornais e todo tipo de livro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Ler, eu prefiro que seja no período da manhã. Com um bom café e a cabeça fresca, leio mais rápido e assimilo melhor o conteúdo. Não sou muito disciplinada para a leitura e para a escrita, infelizmente. Como disse na resposta anterior, sou movida pelas emoções. Gosto de contar histórias que emocionem as pessoas, que façam alguma diferença em sua vida. Sempre gosto de reunir nos meus trabalhos as três atividades pelas quais tenho fascínio: adoro brincar com o papel (origami), o barro (cerâmica) e as palavras (literatura). Até agora já escrevi três livros com o tema do origami: Poemanimais, Mãos mágicas e A cidade das dobraduras. Sempre digo que eu tento plantar a sementinha dessa arte no coração das pessoas.
Em 2013 publiquei o livro Mãos mágicas, pela SESI-SP Editora, e com ele ganhei o 58º Prêmio Jabuti, na categoria Livro Digital. Na história acompanhamos a aventura dos irmãos Quadradinha de Papel e Fininho de Papel, e o espírito do origami está por toda parte. A técnica permite transformar o papel em mil coisas: animais, flores e objetos do cotidiano. Gosto de pensar que o ser humano, da mesma forma, também pode se transformar, se dobrar, se desdobrar, modificar, crescer, evoluir, aprender a conviver com medos e frustrações, e também a perceber que a vida pode ser bem divertida, com muita arte.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A literatura sempre fez parte da minha vida. Quando criança, meu pai lia muito, tínhamos muitos livros e gibis em casa. Na adolescência, eu era tímida e adorava meus diários, onde escrevia e desenhava, pena que não guardei nenhum! Depois de adulta, sempre trabalhei com criação, ilustração, mas em publicidade… E depois que minha filha nasceu (hoje ela tem vinte e cinco anos), passei a ler muitos livros infantis e a trabalhar na área editorial. Fui designer gráfica e diagramadora de livros didáticos na Editora do Brasil, de 1996 a 98. Depois trabalhei como autônoma e como microempresária pra várias editoras, principalmente para a editora Saraiva (me especializei em livros didáticos e paradidáticos), fazendo capas e projetos gráficos.
Só em 2005 comecei a escrever. Então, ainda me considero uma iniciante, tenho só quatro livros publicados, que digo que são meus livros solos. Antes dos três livros que eu já mencionei aqui, em 2007 recebi uma bolsa do Programa de Ação Cultural (ProAC) pra escrever o livro Troca de pele, lançado pela editora Hedra em 2009.
Além dos livros solos, já escrevi outros em coautoria. Não sei se vocês perceberam, mas eu sou um pouco indisciplinada, rs, ora escrevo pra caramba ora escrevo muito pouco, depende da situação e da motivação. Para a bolsa eu me disciplinei, tinha que entregar relatórios e havia um prazo para a entrega do texto. Como escrevo mais infantis, os textos são mais curtos, então escrevo de uma só vez quando uma boa ideia surge. O maior desafio é vencer a insegurança típica dos escritores. Nunca ficamos totalmente satisfeitos com o que escrevemos e pensamos mil vezes antes de finalizar uma obra. Escrever, reescrever, revisar, cortar, enxugar, lapidar. Igual a um diamante bruto, demoro mais nessa etapa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já fiz pesquisas para livros paradidáticos e assim aprendi a ser um pouco mais disciplinada, eu traço uma meta e costumo cumprir. Agora, para escrever ficção… Pra dizer a verdade, atualmente ando lendo mais do que escrevendo, talvez esta seja a pesquisa de maior importância: ler outros autores e conhecer o que andam escrevendo, sobre o que e como escrevem, seu estilo, sua linguagem. Estou lendo os clássicos infantis e também os mais modernos, de autores contemporâneos. Creio que para a escrita dos infantis não seja tão necessária uma pesquisa anterior, acho que ela acontece mais em nossa mente, durante o processo de escrita. Claro, se o tema for algo como História, folclore, mitologia, ou algo igualmente específico, temos que fazer a pesquisa antes. No caso do livro Dias incríveis, da Callis Editora, que é uma coletânea de minicontos sobre as datas festivas (Dia das Mães, Páscoa, Carnaval etc.) eu fiz a pesquisa antes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Agora você me pegou. (risos) Na escrita, o pior é mesmo a procrastinação. Estou tentando escrever um juvenil, um texto mais longo, mais denso. O projeto está quase parado, ainda caminhando a passos de cágado. Estou tentando retomar forças para continuar a escrever, ler mais sobre as teorias do pós-humano e das inteligências artificiais. A ideia não é fazer ficção científica pura, mas uma história fantástica com pitadas de sci-fi. No momento, eu paro e recomeço, paro e recomeço… Acho que preciso fazer outra oficina.
Explico: pra me aprimorar, tempos atrás eu fiz um curso de extensão na PUC, de criação literária. Foi ótimo. (Eu sou formada em comunicação visual, uma área mais gráfica, o que também me ajuda muito.) Depois fiz uma oficina de escrita criativa sobre o futuro, e recebi um conselho muito importante do mestre: “A literatura tem que ser prazerosa. Nada de sofrimento, divirta-se ao escrever!” Nessas oficinas, você conhece presencialmente pessoas diferentes, fora da telinha do Skype ou do Facebook. Gosto de conhecer a história e a literatura dos colegas de oficio, é um grande aprendizado. Nas oficinas, a gente também perde o medo de ler nosso texto para o público (outros oficinandos). É difícil receber críticas e acatá-las, mas no fim o nosso texto evolui.
Fica a dica aos novos autores: participem de grupos de estudos, de leituras, e façam oficinas de escrita criativa. Vocês não aprenderão a escrever obras-primas, não sairão de lá um escritor genial, não existem receitas pra isso, mas aprenderão a reconhecer seu texto e a se reconhecerem como escritor. Vocês ganharão mais autoconfiança.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como respondi anteriormente, o maior desafio é vencer a insegurança, nunca ficamos totalmente satisfeitos com o que escrevemos e pensamos mil vezes antes de finalizar uma obra. Escrever, reescrever, revisar, cortar, enxugar, lapidar. Encarando o texto como um diamante bruto, demoro mais nessa etapa.
Quanto a mostrar o texto, mostro para o meu companheiro de vida e de literatura, pois escrevemos a quatro mãos também, ele é coautor de vários dos meus livros. Ele é sempre o meu primeiro leitor. Às vezes também mostro pra minha filha, que por sinal é bem crítica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro a tecnologia, mas antes (agora vou entregar a minha idade) eu escrevia numa máquina de escrever… Catando milho, apesar de ter feito aula de datilografia. Era bem complicado e trabalhoso. As mãos ficavam exaustas e a ponta dos dedos doía, no final do trabalho. Prefiro escrever direto no computador, mas tenho cadernos de artista, vários sketchbooks onde desenho, anoto frases e ideias. Ah, também faço anotações no bloco do celular e tiro fotos que me inspiram.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como sou artista gráfica, tudo me inspira, principalmente as artes plásticas e o cinema. Mas também o teatro, a dança, a música, a própria literatura e a vida. Para um artista ou um escritor, creio que qualquer coisa pode servir de inspiração: uma palavra nova, fora do seu vocabulário, um objeto estranho, uma história triste ou divertida que te contam na rua, no metrô, no avião, um céu estrelado, um gato passeando na rua, um brechó de roupas ou antiguidades, uma viagem de trem… Amo de paixão o origami e a cerâmica, que me inspiram muito, o contato com os materiais, a mão na massa, no papel ou no barro. A minha frase preferida é: mãos e mente em movimento.
Para me manter criativa, faço diversos cursos em diversas áreas, vou ao cinema, assisto a seriados da Netflix, caminho pelo bairro. Sou muito curiosa, e isso me ajuda a me manter inspirada. Depois do Ateliê Escrevendo o Futuro, sinto que aumentou o meu interesse pelo pós-humano, pelas tecnologias e pela neurociência.
Neste início de primavera, o livro que acabo de lançar pelas Edições Barbatana é A cidade das dobraduras, que fala de uma cidade fantástica que acolhe pessoas do mundo todo! Essa história sobre origami, ecologia e sustentabilidade é uma homenagem poética ao maravilhoso livro As cidades invisíveis, do escritor italiano Italo Calvino. Homenagem também à UMAPAZ, pois em 2011 eu fiz o curso de Arte e Sustentabilidade, oferecido pela Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz, no Parque Ibirapuera. Foi a partir dessa ideia e da leitura do livro do Italo Calvino que eu escrevi um conto, e a partir do conto eu comecei a escrever A cidade das dobraduras. Hoje o novo livro se materializou com as lindas ilustrações do Teo Adorno.
Gostei muito da ideia desse livro, além de trabalhar com o origami (minha paixão), a história fala de ecologia e sustentabilidade, além de tratar do aspecto mais poético, imaginativo. Gostei também da proposta de trabalhar com sustentabilidade, a cultura de paz e a dança circular, outros cursos que também fiz na universidade aberta. Há muita emoção e vivência concentradas nesse trabalho de escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse anteriormente, ainda estou caminhando, ainda estou no início da trilha da literatura. Creio que estou melhorando aos poucos, devagar. Repito, sou movida pelas emoções. Gosto de contar histórias que emocionem as pessoas, que façam alguma diferença em sua vida, e principalmente em minha vida. Que o livro não seja apenas mais um livro de linguagem literária, de estilo e técnica. Prefiro uma história que tenha energia própria, movimento, interação, vivências e emoções compartilhadas. Que encante crianças e adultos. Não sei se estou conseguindo realizar isso nos meus livros, mas estou tentando, é uma meta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Fiz parte de um grupo de escritoras, bem no início da carreira. Eu escrevia contos e crônicas no site das Escritoras Suicidas. Talvez um dia faça uma reunião desses contos e crônicas, juntando também os que estão espalhados em meu blogue Abraços Dobrados e nas pastas do meu computador.
Nossa, creio que nunca se escreveu tanto. Nos últimos tempos, foram centenas de milhares de livros! Acho que já foi escrito de tudo, não?! Eu é que não consigo ler todas as grandes obras. E agora descobri outro campo de leituras, a da área de saúde e neurociência: relatos, biografias e crônicas escritos por médicos e cientistas. Muito interessante! Imagine se tivéssemos tempo pra ler e absorver todos os livros de todas as áreas? Que maravilha seria! Já fiz muitas capas de livros de psicologia e de livros jurídicos (confesso que desses eu não compreendia quase nada) e sempre aproveitava pra ler.