Teresa M. G. Jardim é poeta, artista plástica e professora de Artes Visuais, autora dos livros de poesia Anjos de Areia e Jogos Radicais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina, senão aquela que é imposta pela profissão docente, na lecionação de Desenho, numa escola pública de Ensino Secundário. Mesmo assim, o horário de trabalho muda a cada ano letivo, pelo que vou fazendo gravitar todas as outras atividades mais flexíveis em torno desta condicionante. E, há muitos anos que ando, ingenuamente, a tentar ensinar o tempo cronológico a respeitar o meu tempo criativo, em que preciso realmente de muito tempo e espaço para as coisas da poesia e das artes plásticas. Mas não, não tenho. Ou, sim, alguma coerência emerge da confusão e resulta em trabalho visível, legível. Mas voltando ao sinal de interrogação, meu dia começa muito, muito cedo, para que consiga iniciar o dia calmamente: gosto de chegar cedo aonde devo chegar e começar com tranquilidade o que tiver de iniciar. Antes disso preciso de umas horas de sono bem dormido e um bom café da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite (não demasiado tarde) ou de manhã, bem cedo. Não preparo, não ponho a mesa.
Estou apenas limitada pelo horário profissional e outros compromissos quotidianos. Por vezes escrevo na cabeça quando ando pela rua, ao ritmo dos passos, das lembranças, dos detalhes inesperados. Vivo numa Cidade calma (de uma pequena Ilha) o que me permite fazer largos percursos a pé, sem constrangimentos de maior aos eventuais momentos criativos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente em períodos concentrados, se bem que não consiga estimar com antecedência. Mas sinto que o fluxo é mais concentrado, num ou noutro período.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A minha escrita precisa muito da poesia como estímulo; são as palavras (e as imagens), as minhas ou as de outrem, que fazem o caminho ou que me dão o necessário empurrão. E se dão a noção de começo, não é mais do que um recomeço, a continuidade intermitente da escrita – a escrita contínua.
Em Jogos Radicais (Assírio&Alvim, 2010), fui mais precisa:
MÉTODO DE ESCRITA
Vencida pela espera, quando não distingo
um fruto de outro fruto, estou pronta
para entregar a minha inocência
ao escuro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É inevitável. Não há um peso ou uma medida para a criatividade, por isso não é fácil saber se fizemos tudo e suficientemente bem, a não ser que trabalhemos com programas de escrita muito concretos. A figura da incompletude anda sempre por perto e há quem não seja sensível a esta presença incómoda e há quem seja mais temerário; eu tenho dias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto estão entre mãos não dou descanso ao texto. Por vezes mostro antes de publicar, mas é uma espécie de pré-publicação que me desassossega. Nunca passei inconsequentemente por esta porta; abro-a sempre a muito custo e, quase sempre, não consigo evitar que a porta morda os meus dedos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Aquilo que a mão alcança: o teclado do computador, o lápis de grafite; um lápis de cor ou uma esferográfica Bic, para rasurar, raspar o escuro no papel e achar outras palavras, versos inteiros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler. Escrever. Desenhar. Ler. Ler na cama, é raro, mas bem produtivo.
Por vezes uma simples fotografia (que reviso na camara fotográfica ou no telemóvel) é o chão e a árvore que dá os frutos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Construo uma paisagem para ler devagar e não observo grandes mudanças. Será esta observação valida? Não serei um pouco míope de mim mesma?
Diria, digo: menos é mais.
Ou, como escreveu Wislawa Szymborska (e fiz chegar a Jogos Radicais, como epígrafe):
Era por aí que se deveria ter começado: o céu.
Janela sem parapeito, sem caixilho, sem vidros.
A abertura e nada para além dela,
de par em par aberta todavia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ah! O devir! Que venha. Sem mais.