Teresa Garbayo é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante grande parte da minha vida adulta, acordei com o som irritante do despertador. Filhos, casa, estudo, trabalho à espera da minha capacidade de organizar e executar. Penso que a aposentadoria me trouxe, entre outras coisas boas, a possibilidade de alforriar o despertador. Acordar quando o sono acaba, sem a necessidade de levantar correndo, podendo espreguiçar gostoso e curtir a cama enquanto o pensamento voa, tem sido um presente dos deuses.
Depois, sem pressa, a melhor refeição do dia. O café da manhã. Simples, mas um momento muito prazeroso. Só então estou pronta para me conectar com o planeta geral e o meu particular.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se, por um lado, os rituais tranquilizam pessoas ansiosas, por outro, eles te aprisionam em esquemas repetitivos ou até compulsivos. Não sou ligada em rituais, prefiro me mover livremente. Também não tenho gurus, não sigo linhas determinadas por outros.
Sem rituais, sem gurus, solta no mundo então? De jeito nenhum. Não abro mão da companhia de pensadores que admiro e encontro nos livros, filmes, conferências, artigos, museus. Dialogamos sem imposições nem fanatismos, com elegância e liberdade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sem metas porque não estou presa a cobranças ou compromissos externos. O tempo não é uma questão para mim, eu o uso, às vezes com economia, outras o desperdiço, de acordo com vontades pontuais e passageiras.
Anos atrás, quando cursava Psicologia na UFRJ, fui convidada a escrever, num jornal carioca, uma coluna semanal, que batizei de “Psicologia é notícia”.
Aí sim, o tempo foi uma questão, havia um espaço aberto à espera da minha produção que envolvia não só o pensar e escrever, mas a pesquisa prévia de assuntos interessantes para o grande público. E eu ainda estava no quarto período da faculdade, foi um atrevimento assumir um compromisso semanal quando já lidava com o trabalho, que muitas vezes se estendia noite adentro, a casa, o filho, a faculdade. Ufa!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A primeira grande experiência de compilar notas e me mover da pesquisa à escrita aconteceu na Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia ao fim do primeiro ano. Produzir a monografia “De xy a macho: um percurso invejável?” foi um desafio prazeroso que eu me coloquei.
A segunda experiência, agora fora da área acadêmica, resultou no livro “Conversando com casais grávidos”, publicado em 2013, pela Primavera Editorial. Durante a especialização em terapia familiar sistêmica, o estudo intenso e a vivência clínica, tendo como foco a família disfuncional e resistente à mudança, despertaram meu interesse para uma fase anterior. Comecei a pensar nos jovens que, levados pela paixão, iniciam uma vida em comum, mergulhados em sonhos, projetos, ilusões. E é esse mesmo casal que, anos depois, já com filhos, chega no consultório procurando ajuda para seus problemas familiares. Por que esperar tanto? me perguntava. Por que não trabalhar, antes do nascimento do primeiro filho, questões capitais dessa relação que precisa se transformar continuamente para atender às necessidades que surgirão?
Assim surgiu a ideia do livro. Usar conceitos psicológicos, traduzindo-os numa linguagem de fácil compreensão para jovens sem conhecimento nessa área, não foi uma tarefa fácil. Também reli os livros sobre terapia familiar sistêmica mais significativos para mim, revisei anotações e escritos feitos ao longo do tempo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Comecei a escrever contos em 2015. Uma ideia me perseguia e não conseguia colocá-la no papel, isso durante muitos anos, talvez dez. Mas não era uma obsessão, não me atormentava, embora fosse algo muito duro, ligado à ditadura militar. A ideia vinha, sumia, voltava, até que, por mais paradoxal que possa parecer, num momento difícil da minha vida, descobri, de repente, como fazer. Alguns dias depois, a primeira versão de “O capuz” estava pronta. Eu era casada com o escritor Joel Rufino dos Santos, que terminou a leitura com os olhos marejados. Disse que eu escrevia melhor do que ele. Era a delicadeza de um homem gentil que, dessa forma, me incentivava a continuar. Dois meses depois, ele se foi, perdi o companheiro querido e o meu primeiro leitor.
O medo está sempre presente, espaçoso, mas nunca foi um obstáculo. Não desisto com facilidade. Frequento oficina de contos no Instituto Estação das Letras, desde 2016, onde a minha escrita é avaliada pelo professor e colegas. Recomendo a todos que desejem começar a navegar por essas águas nem sempre tranquilas. Uma outra forma de avaliação é a participação em concursos literários, onde jurados isentos, porque estranhos a você, dão o seu veredicto. Levei um tempo me acostumando à forte e real possibilidade de perder e, assim, desistir de um projeto recém começado. Ano passado, 2018, recebi duas menções honrosas (concursos de Araraquara e de Araçatuba). Meu primeiro conto, “O capuz”, fez jus a uma delas. Esse ano, 2019, tirei o primeiro lugar na categoria adulto ( contos, crônicas e poesias ) no concurso de Ribeirão Preto. Essas três avaliações positivas acariciaram meu ego e me estimularam a continuar errando, aprendendo, escrevendo, concorrendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso, reviso, reviso, leio em voz alta até não sentir nenhum ruído na melodia. A minha escrita é lenta, demorada, mas meu tempo revisando é ainda maior. Sim, sou exigente comigo mesma, mas não implacável, só uma vez guardei um conto na gaveta e o deixei lá. Na oficina, um professor disse, mais de uma vez, que minha escrita é impecável, elegante e delicada. Tento corresponder a essa imagem, mas nem sempre consigo. É assim mesmo, não somos um monolito e eu gosto muito disso, mesmo quando o resultado é desalentador.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho grandes problemas no uso do computador para pesquisar, escrever, criar arquivos, etc. mas sempre começo usando a mão. Preciso do contato com o papel e a caneta pelo menos até terminar o primeiro parágrafo. Só quando o início do conto me permite pensar que, a partir dali, terei um caminho a seguir, vou para o computador. O copiar e colar, mudando frases ou parágrafos de posição, ou simplesmente guardando um trecho lá no final, para ser usado ou não, facilita muito o nosso trabalho. Depois, gosto de imprimir e fazer correções no papel. E, aí, haja papel e tinta!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei de onde vêm as ideias, o inconsciente é a minha musa mais generosa e constante. Na maioria das vezes não planejo nada, não faço esquemas com personagens, tempos, espaços. Uma frase surge, depois outra e mais outra. Mesmo quando quero escrever sobre algo determinado, começo sem saber por onde andarei. Acho que essa liberdade é o meu caminho. Gosto também de experimentar, dar voz, por exemplo, a um personagem masculino e de outra classe social. Inverter o tempo, começando pelo final, ou escrever no passado e no presente simultaneamente.
Leio, observo, escuto as pessoas. Ser psicóloga é uma vantagem, aprendemos a ouvir de forma atenta, aberta, sem julgamentos. Além dessa escuta sensível, vejo a terapia como um reescrever, junto com o paciente, a história que ele construiu e leva para o consultório.
Costumo ter na bolsa um caderninho para anotar algo que vejo ou ouço, uma frase, uma curiosidade, um encantamento ou espanto. Uma tarde cruzei com um senhor grisalho, bem vestido, que, sorrindo, me disse “sabia que ontem nessa cidade nenhum homem ficou sem mulher e nenhuma mulher ficou sem homem?” Incrível, não? Pois é, ganhei um conto enquanto ia ao banco sacar dinheiro para o fim de semana.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus longos anos são apenas três, sou uma aprendiz. Eliminei excessos, fugi dos clichês como o diabo foge da cruz (clichê!), ampliei o tempo de revisão, evitei a repetição de palavras. Talvez o maior ganho tenha sido encontrar e aceitar a minha voz, o meu jeito particular de colocar no papel o vivido, sonhado, tornando a escrita mais fluida, mais palatável e crível para o leitor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto é muito simples e está em andamento desde que coloquei o ponto final no primeiro conto – continuar escrevendo, lendo, escrevendo, lendo. A leitura está sempre em atraso, impossível estar em dia, pilhas de livros me aguardam. Gosto de reler Katherine Mansfield, Clarice Lispector, Garcia Marques, Tchékhov, Amós Oz. Ler autores brasileiros que eu desconhecia e me deliciar com seus textos ótimos. Myriam Campello, Julián Fuks, Antônio Carlos Viana, Gustavo Pacheco, Zulmira Ribeiro Tavares. E assim la nave va.