Teresa Dantas é escritora, roteirista e jornalista, autora de “Tudo ali dentro era outra” (Patuá, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cultivo rotinas, ainda que elas mudem de tempos em tempos. E nesses tempos de isolamento social, foi necessário criar a rotina possível. Procuro acordar todos os dias no mesmo horário, tomo um chá de limão e faço yoga, um hábito que se estabeleceu nos últimos dois anos. Compreendi que a minha escrita parte muito do corpo. Se tenho espaço no corpo, escrevo. Se sinto dores, mal estar, enrijecimento, a escrita não flui. Depois do corpo, tomo o café da manhã, que na verdade é chá da manhã, e lavo a louça. Organizo a escrivaninha e começo a trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto das manhãs, sinto que minha cabeça está mais arejada nesse horário. No decorrer do dia, ela vai se anuviando. Dependendo da necessidade, fico até altas horas, mas não gosto. Desde pequena, diante do caderno ou de uma prova, na escola, eu rezava pro Espírito Santo. A mamãe me ensinou uma oração que diz “espírito onipotente, iluminai a minha mente”. Também gosto de outra oração, a de invocação. Até hoje me pego repetindo essa frase todos os dias, antes de escrever qualquer coisa que seja. Mesmo que eu não seja mais uma pessoa católica, é um vínculo muito forte que se atualiza com a minha mãe, que mora longe, em Castanhal do Pará, onde nasci. Minha cabeça se apazigua, a respiração cadencia, me recoloco em abertura, me ponho à disposição da escrita com o que tenho de repertório e limites, acho bonito. Também lanço mão do alecrim. Inalo um pouco de óleo essencial de alecrim, passo nos pulsos, antes de escrever, porque me ajuda a focar, a não me perder muito entre os pensamentos. O cheirinho é bom.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias de escrita. Acho que vou amadurecendo devagar as ideias. Pensar sobre isso também é escrita. Ler também é escrita. Conversar com alguém também é escrita. Escrevo diários. Acho importante ficar sintonizada, de alguma forma, na ideia do que quero criar. Às vezes, talvez por isso, escrevo muito em períodos concentrados. Outras vezes, vou a conta-gotas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de fazer muitas anotações, de escrever em cadernos. Não desenvolvi nenhum tipo de método, depende muito do tipo de narrativa que estou me propondo a colocar em movimento. O último livro que escrevi, Tudo ali dentro era outra, que está em pré-venda pela Editora Patuá, teve várias versões. A natureza da narrativa exigia que eu me colocasse em desconforto, para acompanhar a personagem. Então, resolvi usar “você” no lugar do “tu” confortável do falar paraense. A pontuação também pretende dar um respiro nervoso. Gosto de pensar a forma da narrativa, pensar o que eu quero contar e como eu quero contar, e isso interfere diretamente no processo. Se escrevo narrativas diferentes, os processos serão diferentes. Geralmente o que me move para a escrita são pensamentos inconformados. Se eu não me conformo, escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Esses afetos já me paralisaram bastante. Se não consigo escrever, procuro fazer algo ligado à escrita que me ajude a retomar. Muitas vezes demora e aborrece, mas vou encontrando o meu tempo e o tempo do texto. Não adianta forçar. Se eu me mantenho de alguma forma vinculada ao desejo da história que eu quero contar, tem um momento que dá match. Ficar cobrando a mim mesma uma alta produção, somente me afasta mais da escrita. Preciso ficar vigilante, porque ainda me pego fazendo isso. Dou um tempo também para a trava da escrita. A procrastinação tem o seu papel. Leio um livro, volto às anotações, vejo um filme ou uma série, entro em uma rede social. Se não consigo sentar para escrever, fico girando em torno da escrita. Busco não me desligar e não me afastar muito, mas acho importante dar um certo espaço. É assim com a ficção. Quando se trata de outros trabalhos, coloco um artigo, um substantivo, um verbo e sigo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reescrevo muitas vezes, mudo a ordem, troco o tempo verbal e a posição do narrador. E, por isso, sou uma péssima revisora do meu próprio texto. É algo que me deixa muito insegura. Escrevendo ficção eu opero em um outro registro, perco a minha própria gramática. É estranho e nem gosto muito que seja assim, preferiria não. Acho fundamental mostrar o texto para outras pessoas, buscar leitores críticos, pessoas que estejam dispostas a apontar problemas, a falar de algum estranhamento ou alguma impressão esquisita. Não é fácil encontrar essas pessoas, mas é preciso criar essa interlocução.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende muito. Gosto de escrever em cadernos as primeiras ideias. A coisa muda muito quando vou para o computador e se desenvolve assim. Ultimamente tenho enviado mensagens a mim mesma pelo WhatsApp. É um tipo novo de tomar notas. Acho que me dou bem com a tecnologia, de uma maneira geral. Consigo me afastar das redes quando necessário e também me divirto nelas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de afetos inconformados, eu gosto de dizer. São eles que me acordam de madrugada e me fazem escrever algo, anotar para não me perder. Há algo que me atribula, que está em silêncio e, de repente, me parece que aquilo deveria ser contado de algum jeito. Não tenho hábitos que me mantenham criativa. A vida me parece já, em suas diversas e infinitas possibilidades, muito estimulante e ao mesmo tempo deprimente. Deve haver algum jeito de se manter em movimento nesse entre. Não busco nenhuma originalidade, acho que a força de uma escrita criativa e criadora está na sua potência singular, naquilo que parte do mais próximo de si, mantendo algum distanciamento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se a gente se mantem escrevendo, vai em alguma medida amadurecendo. A escrita não se dá jamais de maneira estável. Não se trata de um processo que termina, que se completa. A escrita vai sempre mudando, se transformando. Acho tão legal quando escrevo algo e tempos depois não reconheço e duvido ter sido eu mesma que escrevi. É engraçado. Eu diria para continuar escrevendo. Eu diria que nunca ficará pronto, mas que chega um momento que tu não precisas mais seguir naquele texto, tu já podes mudar de estrada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou terminando um mestrado e pretendo retomar um projeto que venho amadurecendo há quase dez anos. É um livro que ainda não existe, um livro que fala de segredos que só as mulheres são capazes de guardar e isso é um peso.