Telma Ventura é mestra em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, idealizadora do Projeto Cultural Voz de Mulher.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho a rotina que toda mãe tem – levanto muito cedo, faço café da manhã e acordo minhas filhas (tenho duas meninas) para que possam ir à escola. Depois de o pai delas ter passado em minha casa para buscá-las, eu me sento e tomo o meu próprio café da manhã, sozinha, em silêncio, para começar a organizar informações e ideias mentalmente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu escrevo melhor pela manhã. Mas os melhores insights ocorrem à noite, inclusive enquanto estou lecionando. Por isso, carrego comigo tanto um bloco de anotações quanto um gravador, para não perder nenhuma ideia interessante. Depois, na manhã do dia seguinte, transcrevo tudo para o papel. Meu único ritual é tomar um bom café, e trazer para o meu pequeno escritório – localizado na minha casa, mesmo – um grande copo de água. Quando sinto que “travei” em algum ponto da escrita, uso a necessidade de encher novamente o copo de água como “desculpa” para andar pelo quintal, pois movimentar o corpo faz minhas ideias tomarem uma nova dimensão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todas as manhãs, eu me sento na minha cadeira, à mesa do escritório, com as folhas em branco e o lápis (sim – escrevo à mão, à lápis, antes de passar para o computador), e teço algo – sejam as ideias da noite anterior, um spidergram associando as ideias novas às já delineadas, ou apenas desenho. Mas tenho o compromisso comigo mesma e com a escrita de criar algo todos os dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu vivencio duas etapas de produção escrita – uma etapa é a do insight, das ideias; a outra, a de colocar no papel aquilo que me veio à mente anteriormente. Obviamente, tais insights só ocorrem após eu ter lido muito, realizado conexões entre as leituras realizadas e anotações as mais variadas. O que chamo de insights não são “ideias geniais caídas do céu”, ou mesmo “inspiração divina” – ao contrário, são o resultado de muitas leituras e tentativas de compreender o assunto em estudo e, principalmente, as conexões entre as diversas leituras. Pois não basta ler – temos que tentar tecer uma rede de conceitos e compreensões, pois, na minha experiência, são essas conexões que nos levarão à produção de algo relevante.
Tenho por hábito fazer um fichamento dos textos lidos, no qual coloco tanto passagens do texto (pois algumas frases são tão geniais que é impossível e até mesmo desnecessário parafraseá-las, e nos resta apenas citá-las) quanto anotações minhas e várias associações com outros textos já lidos. Esse material auxilia imensamente a compor a escrita final, a qual não é difícil realizar, já que, quando chego a esta etapa, já tenho um enorme panorama do que estou produzindo. Por isso, não separo a pesquisa da escrita – vou realizando ambas de maneira simultânea, até mesmo para saber se será necessário complementar algum tópico, expandir outro ou mesmo excluir alguma passagem – pois eu costumo considerar tudo muito importante e, assim, acabo, em algumas circunstâncias, adicionando tópicos desnecessários, os quais, com a escrita, percebo que não serão relevantes àquele determinado raciocínio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou muito exigente. Com as outras pessoas, algumas vezes; comigo mesma, sempre. Então, se percebo que, em determinado dia, não vou conseguir produzir nada relevante (pois não me pauto pela quantidade e sim pela qualidade do que escrevo), simplesmente paro o processo e vou preparar aulas ou cuidar de algo em casa. Em alguns dias, escrevo apenas um parágrafo, o qual, no entanto, se configura como um raciocínio essencial para o desenvolvimento da pesquisa – e isso é o suficiente naquele momento. E, nos dias seguintes, desenvolvo melhor aquele raciocínio, complemento, reorganizo. Dessa maneira, não me sinto procrastinando, e ainda respeito o meu próprio ritmo.
Os projetos longos, eu subdivido em partes – por exemplo, por capítulos e, dentro dos capítulos, por tópicos. Tenho um quadro branco – desses de sala de aula, mesmo – no meu escritório, em frente à minha mesa, no qual escrevo atividades e metas, além de colar calendários e programações. Pois, apesar de respeitar meu próprio ritmo, tento ao máximo, é claro, me manter na programação (que eu mesma faço, de acordo com os prazos estabelecidos) – a chave para alcançar as metas é o compromisso diário em tecer algo, além de dar a mim mesma um prazo humanamente condizente com a minha rotina (filhas, casa e sala de aula).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu perco a conta de quantas vezes reviso meus escritos. Na verdade, a cada vez que adiciono um parágrafo, releio tudo. E sempre peço a uma amiga – a mesma sempre, aliás, pois ela acompanha meus processos todos de escrita – a qual, aliás, não é da minha área. Isso é muito importante para mim pois, em não sendo da área da Crítica Literária, se ela compreender o que escrevi, outras pessoas também compreenderão. E eu escrevo para que todos, independentemente da área de estudo e atuação, possam ler e apreender o que eu escrevi.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como eu disse anteriormente, escrevo à mão primeiro – com exceção dos fichamentos. Estes, eu organizo no computador, mas escrevo à mão as minhas anotações, apontamentos e associações com os textos lidos anteriormente. O computador apenas é utilizado quando já estou montando o meu texto final. Ou quase final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio muito. E vários livros, de diversos temas e áreas, ao mesmo tempo. As ideias provêm, como eu disse, da “alquimia” que ocorre dentro de mim, a partir do que já li e que se associa, levando aos insights. Quando realizo análises críticas, o processo é mais racional, mas, ao escrever literatura, meus caminhos são mais internos, mais da ordem dos afetos (daquilo que me afeta, literalmente – um acontecimento banal no metrô, uma pessoa interessante que vejo na rua, uma fala de um(a) aluno(a) etc.).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu gostaria de ter sido mais orgânica e menos linear quando redigi minha dissertação. Estou tentando atingir uma escrita mais múltipla, performática, em um dos projetos que estou desenvolvendo no momento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou imersa em dois projetos, no momento. Projetos muito importantes para mim, os quais eu vinha cultivando há anos, mas sem tempo para me dedicar a eles. Mas agora é o momento. Um deles é o livro que eu gostaria que existisse e, como ninguém o escreveu, decidi eu mesma fazê-lo.