Taylane Cruz é escritora, professora de escrita criativa e jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Rotina é importante para mim. Mas não necessariamente tem a ver com a minha escrita. Não costumo escrever todos os dias. Pelas manhãs gosto muito de meditar e olhar a rua da varanda, ver as pessoas começando o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto muito de escrever pelas manhãs. Mas acabei tomando gosto pelas madrugadas. A noite é silenciosa e as pessoas estão sonhando, então gosto de penetrar nessa frequência, nesse tempo mítico. Me sinto uma espécie de feiticeira mergulhando nos sonhos das pessoas e escrevendo. Quanto a ter um ritual… eu sempre escrevo com uma vela acesa. Sempre. Caso não haja vela, tudo bem. Mas gosto de escrever sob o arco da chama. E às vezes ponho uma música. Sou alguém que ama música e uso a música no meu processo criativo. Às vezes, quando uma palavra sozinha não me leva até a emoção que busco, ponho uma música. Adoro música clássica. Então busco alguma música que me dê a textura ideal para um determinado texto, uma música que me acenda uma paixão específica.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Sou muito intuitiva então escrevo mais quando as coisas já querem mesmo sair. Passo muito tempo decantando as coisas dentro de mim, depurando, sentindo o cheiro, o sabor, a pele das personagens ou mesmo de uma frase. Anoto muito. Quando estou na fase de produção de um livro, aí sim, tento ser disciplinada e sento todos os dias para escrever. Mas não estabeleço meta alguma. A escrita na minha vida às vezes acontece como ondas que irrompem desesperadas. Daí sou capaz de escrever horas e páginas a fio. Outras vezes apenas me cai, como uma pequenina estrela-cadente, uma frase. Mas essa única e singela frase valeu aquele dia de minha vida.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É como eu disse, quando sinto o copo cheio é hora de sentar e materializar o livro. Demora um pouco porque é como um bordado interno, o livro é urdido dentro de mim antes, e sou muito delicada, exigente com cada fio sendo tecido. Mas, quando me dou conta, compreendi o que é o livro. Então me sento e escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Meu único compromisso é com as palavras, com as personagens. Nunca escrevo um conto ou uma crônica ou qualquer outro texto pensando em nada senão em ser totalmente verdadeira com aquilo que escrevo. As palavras me guiam e eu respeito o ar que elas respiram dentro do texto. As travas eu não as chamo de travas. Chamo de tempo. A gente não precisa se cobrar a escrever sempre. Mangueira não dá manga o ano inteiro, pé de laranja não dá laranja o ano inteiro. Assim eu me adapto às estações das palavras e do meu coração. Se procrastino é porque ainda não é hora daquela palavra nascer. Porque não dá para procrastinar o nascimento de um texto, de um conto. Penso que é como um parto. Quando chega a hora chegou a hora e a criança sai. Querendo a mulher ou não ela sai.
Quanto a projetos longos… sou do signo de Áries, sou super ansiosa, impaciente, coração e mente de fogo mesmo. Mas a palavra me doma, me acalma, segura um pouco as minhas rédeas. Aprendi que a escrita precisa de paciência, decantação. As palavras respiram e eu não posso sufocá-las com a minha pressa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou uma devota da literatura. Cada palavra, cada texto que escrevo é como uma joia para mim. Então eu adoro o processo de revisão dos textos. É como lapidar um diamante. Antes de publicar, costumo mostrar a uma ou duas pessoas muito íntimas. Fora isso, guardo como se fosse um segredo. A literatura é meu jardim secreto, só mostro mesmo quando publico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou tão habilidosa com recursos tecnológicos, mas como sou uma escritora do século XXI aproveito os recursos do meu tempo. Anoto muito em caderninhos, mas não sei (e tenho muita preguiça) de escrever um texto inteiro à mão. E também eu adoro o som das teclas do computador, meu instrumento de trabalho. No computador posso pesquisar a grafia de uma palavra, posso abrir o dicionário, ouvir música. Comecei a escrever menina, brincando na máquina de datilografar da minha mãe que é professora e sempre datilografava trabalhos em casa. Como já não se usam máquinas de escrever, acho que a memória afetiva das teclas, desse barulhinho das teclas… enfim. Escrevo no computador, mas adoro anotar frases nos meus caderninhos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leio muito. Os livros sempre foram meus grandes amigos. Desde menina, quando eu ia à biblioteca da minha cidadezinha, sentia que os livros abriam a janela do meu coração. Era como viajar e voltar apaixonada, cheia de vida para o meu cotidiano. Ainda hoje sinto assim. Não sei o que seria de mim sem os livros. Mas os livros são uma janela para a fonte maior, que é a própria vida. Eu tenho paixão pelas pessoas, sou fascinada pelo coração humano, esse jardim cheio de pérolas e espinhos. Desde menina eu sonhava em ter como profissão uma “descobridora de corações”. O ser humano me comove em tudo, em sua glória e em sua miséria. A vida me causa espanto constante. Os restos de qualquer coisa me comovem. Um sorriso, os pés de alguém andando na rua, um gesto… qualquer coisa humana me comove e por isso eu escrevo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Gosto de pensar que, em essência, tudo que escrevo nasceu da primeira linha que escrevi. Aquela inocência, aquele sonho de ter a literatura como instrumento para apalpar a vida continuam. É claro que, com o tempo, a gente vai aperfeiçoando o trato com a linguagem, vai amadurecendo o uso das palavras. A gente desperdiça menos os verbos. Sinto que hoje no começo eu tocava a superfície, e agora consigo ir mais fundo. A linguagem é uma água caudalosa, profunda, cheia de intempéries. Há que se navegar com cuidado, velejar com amor às essas águas. Fiquei mais consciente dessa responsabilidade. Eu não me levo muito a sério (hehehe), mas levo muito a sério meu trabalho. Sei o valor de cada palavra. Para chegar ao coração de uma palavra é preciso ir até o inferno buscá-la.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Vou responder com uma frase de uma autora que eu adoro, a norte-americana Toni Morrison. Foi ela quem disse: “Se há um livro que você quer ler, mas ele não existe, escreva-o”. Talvez eu o escreva.