Tatiane Silva Santos é escritora e pesquisadora, autora de Pedras no telhado.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Antes de me levantar gosto de ficar alguns segundos na cama e tentar lembrar dos meus sonhos. Acho que eles são uma forma interessante de reconstruir a realidade. De vez em quando algum me deixa com uma sensação boa durante o dia todo. E daí já pode surgir também alguma história. Quando me levanto, tomo um cafezinho e o dia começa. Gosto de ler as notícias, responder mensagens, organizar o meu dia e escrever. Esta calmaria existe há quatro anos, quando comecei o trabalho na universidade, pois as minhas aulas são concentradas no período noturno. Anteriormente, quando trabalhava no ensino fundamental, às sete já estava na sala de aula, mas a literatura sempre esteve nas manhãs porque começava com a leitura de uma história para os meus alunos. Hoje em dia, para as manhãs literatura: escrita e leituras livres, nas tardes e noites os trabalhos acadêmicos, mas isso não acontece sempre, é só uma tentativa de organização, muitas vezes a vida sacode tudo!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pelas manhãs, mas geralmente as ideias para os textos surgem no período da noite, então faço algumas notas para desenvolver o trabalho depois. Não tenho ritual de preparação, quando surge uma ideia ou se aproxima algum prazo, principalmente com relação à escrita acadêmica, sento e escrevo. Quando são poemas tenho que escrever algo na hora em que surge a ideia, uma frase ou uma palavra que seja, onde eu estiver e depois, quando tenho tempo, organizo a estrutura e surgem os outros versos. Nos momentos sem novos textos aproveito para terminar ou revisar os trabalhos iniciados, sempre há algum esperando. Para a escrita acadêmica a preparação é a pesquisa sobre o tema também com muita leitura, diálogos com o orientador e colegas da área, participação em eventos, projetos de pesquisa ou as próprias aulas que ministro ou assisto, há inúmeras formas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu sempre tive necessidade de escrever. Escrevo diários desde criança; nesta época escrevia cartões, cartas, recados para postar nos jornais, várias páginas de redações na escola, tudo o que podia. Minhas primeiras publicações foram em livros da escola, tive muito incentivo. Hoje continuo escrevendo bastante ainda em cadernos ou no computador. Escrevo um pouco todos os dias, mas sem grandes cobranças.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não acho difícil começar, os poemas vem de forma rápida, a partir das notas escritas de algo que mexeu comigo ou me chamou atenção desenvolvo o trabalho. Com relação aos outros textos, algumas vezes é necessário um tempo para o fechamento da história, até achar a maneira certa do desenvolvimento da narrativa. Na escrita acadêmica, a própria realização da pesquisa sobre o tema vai te trazendo as novas ideias até o fechamento do texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre tenho a necessidade da escrita, pois ela me ajuda a lidar com o cotidiano, com a vontade imensa de me manifestar, de tentar mudar algo. Sou muito agitada e os pensamentos fervilham o dia inteiro. A escrita é uma das formas de conseguir ficar mais tranquila, de me sentir bem. Se começo algum texto e ele não se desenvolve, passo para outro e volto depois, é uma maneira de lidar com esta espera. O próprio processo: escrita, reescrita, revisões, já ajudam a lidar com a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No caso da poesia, reviso algumas vezes e publico no meu blogue (que vai para o facebook). Nos projetos que tenho ou artigos científicos peço ajuda aos colegas da área e acho também muito importante o trabalho dos revisores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É boa, mas sinto necessidade de escrever em vários lugares. Escrevo rascunhos em toda parte: cadernos, papéis soltos, computador, notas do celular, o que estiver ao meu alcance quando surge uma ideia. A tecnologia ajuda bastante. Há cerca de dois anos criei um blogue e ter um espaço específico para reunir os textos ajudou a começar. Os poemas muitas vezes saem rapidamente e já vão direto para as redes e o retorno é excelente porque as pessoas curtem (ou não), comentam, te mandam mensagens e você já consegue ter uma ideia de como aquilo mexeu com o leitor e acho uma possibilidade incrível. Também é útil pela oportunidade de conhecer trabalhos de outros autores, dar e receber dicas de livros, publicar em revistas virtuais, há um leque de contatos excelentes proporcionados pelas redes. Com o blogue e as notas também consigo ter meus poemas facilmente quando preciso. No final do ano passado, estava apresentando a cidade de São Paulo para duas professoras da Bulgária e, no terraço da Casa das Rosas, elas me pediram para que eu lesse um poema meu. Peguei o celular e ia lendo em português e uma das professoras traduzindo do português para o búlgaro, para a colega entender. Foi uma experiência linda, possível porque a tecnologia ajudou a encontrar o poema específico para aquela ocasião.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todos os lugares, observo muito o cotidiano e o meu corpo, as minhas experiências. Se algo mexe comigo já vira um poema ou uma história. Pode ser uma frase, um gesto, uma letra de música, uma imagem. Sou apaixonada por fotografias e sempre que posso estudo sobre relação das imagens com a escrita. Também gosto muito de trabalhar com memórias e do trabalho feito com as lembranças surgem ótimas histórias. No mestrado pesquisei sobre memórias de infância e a escrita da dissertação me fez olhar de uma forma diferente para os processos de reconstrução do passado e como isto acontece na minha própria narrativa. Isso me ajudou bastante no processo de escrita. Há um escritor que admiro muito e que infelizmente nos deixou recentemente, o israelense Amós Oz, e para alguém que está começando a escrever indico seu livro Rimas da vida e da morte (2008), onde ele narra sobre o cotidiano do escritor. A mensagem toda do livro é interessante, pois a partir da história do romancista ele mostra que as ideias surgem em toda parte, elas são o nosso mundo particular, o nosso próprio universo e isto é extraordinário, mas não inalcançável. Há em um de seus livros, não me lembro agora se é este, a imagem de um objeto, acho que uma bacia, que cai em uma árvore e fica ali por muito tempo, desafiando o vento, a passagem dos dias, balançando, resistindo através de um galho que o sustenta; esta imagem é linda e gera um significado enorme, escrever é isso: olhar, olhares, miradas, modos de perceber, de sentir o mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando era criança e adolescente escrevia de tudo. Algum tempo depois fiquei por muitos anos envolvida somente com o trabalho acadêmico e isto me ajudou bastante a entender sobre os processos de escrita: sobre escrever, reescrever, ter paciência, saber pedir ajuda. Precisei realizar oficinas, ler muita literatura contemporânea para voltar para a escrita literária; tinha uma necessidade enorme e ela não vinha, a ajuda dos colegas foi essencial para este retorno e hoje consigo conciliar bem os dois trabalhos. Eu diria a mim mesma para persistir, a escrita literária pode escapar e encontrar uma fresta na escrita acadêmica e não há problemas nisso. Diria também para ler logo, assim que o professor da graduação indicou, o livro A literatura em perigo de Tzvetan Todorov. Este livro faz uma reflexão maravilhosa sobre como incentivar as leituras mantendo o interesse, o encanto inicial que te levou aos textos. Esta leitura me ajudou demais neste processo de retorno para a escrita literária.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Se tenho uma ideia, logo começo. Escrevi um artigo recentemente sobre Dom Pedro Casaldáliga e estou escrevendo um livro com poemas sobre esta história, que se passa São Félix- MT. A pesquisa mexeu muito comigo e levou a outra escrita, também necessária. Sobre a segunda pergunta, eu achei que não existia, mas existe. Quando era criança a minha mãe sempre me falava de um livro chamado As mais belas histórias e de como era lindo este livro que havia lido na infância. Então eu comecei uma pequena busca e sempre perguntava por ele para os professores e nas bibliotecas, só que nunca encontrava. Algum tempo depois, sem resultados, imaginei que ela tivesse se esquecido o nome correto ou que o livro realmente não existia. Muitos anos se passaram e, pesquisando algumas histórias para os meus alunos, achei o livro sem querer na biblioteca. Fiquei ali parada e com uma sensação estranha. Descobri que o livro existia, mas minha mãe já não estava comigo; neste dia eu não podia chegar em casa e contar para ela empolgada o que aconteceu. Nunca tive coragem de ler.