Tatiana Fraga é poeta, jornalista e gestora de projetos educativos e culturais.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa tarde. Eu adoraria ser aquele tipo de pessoa que acorda às seis da matina com disposição, como se não tivesse me passado um caminhão por cima, mas não sou. Durmo tarde e adoro dormir pela manhã. No entanto, independentemente do horário que levanto, às 11h ou ao meio dia, não consigo começar meu dia sem tomar café da manhã – café com leite, pão com manteiga. Se estou com tempo de sobra, posso ficar horas ali na mesa, lendo as notícias, uma xícara, vendo um vídeo, outra xícara, falando com uma amiga, mais um pãozinho, mais um poema.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Começo a trabalhar depois de finalizados os cuidados com a casa. Arrumar as camas, botar a roupa pra lavar, louça, vassoura. Preciso que o básico esteja organizado para conseguir me concentrar nos trabalhos. Os rituais são muitos e variados em forma e necessidade. O único essencial acho que é o silêncio. Para ler e escrever, preciso estar só e quieta, mesmo que por dentro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para o processo de criação não tenho metas diárias, talvez metas de projetos ou textos que quero concluir, prioridades. Minha criação está diretamente relacionada com a minha disposição interna para a poesia, o que não é constante. Sendo mulher, mãe solo de dois filhos, profissional autônoma e dona de casa, e vivendo num país como o Brasil, a realidade às vezes me tira a poesia. Mas ela está, ela é em mim. Então aguardo o desejo de escrever, como agora, ora por impulso, ora por raiva, ora por qualquer coisa que me espante – medo, fragilidade, beleza, olhar, corpo, dúvida, angústia, amor, um trecho de livro, uma palavra, um som. Também há os momentos de exercícios, de treinar a mão na escrita, fazer uma brincadeira com palavras e pensamentos, responder um poema já feito, revisar, editar, ler outros poetas, para isso sou mais rotineira e disciplinada talvez.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Lendo, anotando, grifando, copiando e colando. Às vezes escrever pode ser uma linha contínua, às vezes pode ser a costura de vários de retalhos. Já foi muito difícil começar um texto, mas criei uma estratégia de começar sem medo, pode ser com qualquer bobagem, e depois cortar o começo se precisar. Me ajuda a cuspir pra fora e depois pegar no tranco. Um poema não acontece assim, com começo, meio e fim exatamente. Depois de colocar o essencial ali, você pode trocar as palavras, mudar os versos de lugar, botar um refrão, cortar coisas. Até achar que ficou bom. É um exercício. Acho que atualmente o que mais move meu processo e pesquisa de escrita é acessar outros artistas, seja em leitura, contemplação, escuta, observação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com muita terapia (rs) e conversa com amigues. Sempre fui insegura – apesar de impulsiva e corajosa – e muitas das coisas que escrevi acho uma porcaria. Mas a maturidade da vida e da escrita vai assentando as expectativas, fazendo entender os processos, fortalecendo os estudos, as referências, a dedicação. Hoje gosto do que escrevo e estou aberta aos projetos que vierem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas de vezes. Mesmo textos publicados em redes sociais às vezes reviso novamente e altero na própria publicação. Eu adoro revisar textos, então revisar os meus é um processo natural. Mas uma hora o poema passa e eu paro de olhar para ele também. Gosto muito de mostrar meus textos para outras pessoas, poetas principalmente, e as experiências são quase sempre ótimas. É aprendizado, crítica, revisão, olhar cuidadoso, parceria.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Escrevo à mão, escrevo no computador, escrevo na máquina de escrever. Acho que cada recurso, onde se escreve, com o que se escreve, como e para que se escreve, se é tecla ou se é lápis, se é noite ou se é dia, interfere na escrita. O som das teclas me dá mais agilidade, por exemplo; o som do lápis mais prazer; se for bordar, ou mais cuidado ou mais ansiedade. Tudo interfere na gente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da própria vida e da maneira como me relaciono com ela. Das relações. Do que está entre mim e qualquer outra coisa, abstrata ou concreta. Não cultivo nenhum hábito para me manter criativa exatamente. Mas os prazeres nos fazem mais criativas, não? E o que me dá prazer? Ler coisas inacreditáveis, dançar muito, falar bobagem com meus filhos, ouvir sempre as mesmas músicas, cuidar da casa, trabalhar com projetos, conhecer e conversar com pessoas, amar demasiadamente as pessoas que amo, ter fé nas deusas e nos orixás, caminhos de autoconhecimento, uma comida gostosa, orgasmos, tudo isso me dá prazer e me mantém criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria: ‘Tatiana, calma, minha filha, no futuro você vai ficar com vergonha do seu primeiro livro hahaha. Vai estudar mais, escrever mais, e depois você publica…’ Mas, na verdade, se não fosse essa Tatiana e seus impulsos eu não escreveria como escrevo hoje. Então talvez eu não dissesse nada, mas a observaria e me divertiria com ela. Porque o que mudou o meu processo de escrita ao longo dos anos foi exatamente isso, mais paciência, cuidado, revisão. Mas sem se jogar e sem arriscar, a artista também não faz nada. Então a palavra talvez seja equilíbrio, pero no mucho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto se chama ONILÍRICOS. Como eu disse na primeira resposta, durmo muito, e não apenas durmo como também sonho muito. Sempre tive uma relação muito forte com meus sonhos e os escrevo desde a adolescência. Esse projeto se trata de transformar o conteúdo desses sonhos em poemas. Se eu não mudar de ideia no meio do caminho, ONILÍRICOS será o meu trabalho de conclusão de curso da pós-graduação que estou fazendo: Gestos de escrita como prática de risco, pela A Casa Tombada.
Eu gostaria de novos livros didáticos para todes. Os de história teriam mais ênfase na história contada pelos povos negros, povos originários, imigrantes, suas culturas, nossas culturas. Os de ciências, geografia, ciências exatas, artes e literatura, teriam a presença igualitária de mulheres pensadoras e artistas e cientistas e negras e negros e indígenas e pessoas trans e pessoas com deficiência e todes que criam, refletem, pensam e fazem.