Tatiana Eskenazi é fotógrafa e poeta, autora de “Seu retrato sem você” (Quelônio, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Apesar de não ser uma pessoa das manhãs, durante a semana acordo por volta das 6:30 para arrumar meus filhos e levá-los pra escola. Após a correria com eles, volto pra casa e tomo café da manhã com calma, sempre que possível. Uso esse momento em que a casa está silenciosa para organizar o meu dia, checar e-mails e notícias, ler poesia e, quando sobra tempo, escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu funciono melhor à noite. Essa é uma luta pessoal desde que virei mãe por conta da rotina das crianças. Dormir e acordar cedo é extremamente difícil pra mim. Gosto de escrever quando todos já foram dormir. Normalmente é nesse momento que passo para o computador as últimas ideias anotadas aqui e ali, desenvolvo algumas, trabalho em outras já em andamento, organizo a escrita em geral. Quando tenho algo pra finalizar, é durante a noite que consigo tempo e espaço pra me concentrar e produzir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho uma meta ou rotina de escrita diária, assim como meus dias não têm uma rotina fixa. Eu vivo correndo tentando conciliar filhos, trabalho, casa e vida pessoal como a maioria das pessoas que estão por aí, em uma luta diária por tempo e espaço para a escrita. Eu escrevo o tempo todo, mesmo quando não escrevo. Ao longo do dia anoto e gravo idéias, frases, sonhos e poemas. Quando consigo, passo tudo para o computador e as desenvolvo. Um poema resposta:
quando não escrevo
eu não sei parar
de pensar
ou ter uma rotina de
escrita
escrevo mesmo
quando não escrevo
escrevo para fugir
dos leões que me cercam
durante à noite
escrevo enquanto dirijo
ou visto meus filhos
escrevo sem escrever
por falta de tempo ou
lugar adequado
meu modo de escrever é
inadequado a um
escritor
falta disciplina para
não pular uma página
sempre quis um teto
todo meu
um tempo todo meu
mas nunca
o que tive foi
este caderno
que divide suas páginas
com afazeres e listas de
tarefas intermináveis
pensamentos e
poemas
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meus projetos costumam ter uma unidade temática bem definida, tanto na fotografia como na escrita. O começo se dá quando surge o pensamento inicial e não quando se inicia a escrita em si. Eu passo bastante tempo vivenciando um tema específico, experimentando, refletindo, anotando e desenvolvendo idéias. Os processos de pesquisa e escrita acontecem simultaneamente. Eu vivo no universo do tema com o qual estou envolvida desde as primeiras anotações até a revisão final e o projeto está em transformação do início ao fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A questão principal com a qual tenho que lidar com relação à escrita é a falta de tempo para ela e a frustração que isso pode gerar. Por outro lado, quando sento pra escrever é porque já tenho muita coisa acumulada pelos cantos para serem desenvolvidas e não tenho que lidar com travas pois está tudo fervilhando querendo ir pro papel. Tenho listas intermináveis de projetos e idéias a serem desenvolvidos. Não me falta assunto ou desejo, apenas tempo ou espaço.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O meu primeiro livro foi escrito durante a minha formação na Pós-graduação em Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz e passou por muitas oficinas e revisões antes de ser publicado. Esse processo intenso de releituras, alterações e revisões fez com que não só o livro fosse lapidado, mas também com que a minha escrita amadurecesse. Eu acredito que os processos de leituras por terceiros, revisão e edição sejam uma grande oportunidade de amadurecimento para o autor, inclusive para entender o que é e o que não é essencial e inegociável na sua escrita. Por outro lado, principalmente na poesia, acho que temos que tomar um certo cuidado para evitar que muitas intervenções transformem o texto em algo que já não reconhecemos mais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu costumo anotar as idéias no momento em que elas surgem. Pode ser no bloco de notas do celular, em algum caderno, agenda ou computador. O que estiver à mão. Nos últimos tempos tenho gravado as idéias no gravador do celular. Gosto de escutá-las e seguir desenvolvendo através das gravações. Percebo que, quando gravados, os poemas nascem e se desenvolvem com um ritmo bem definido.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu escrevo porque preciso. Passei longos períodos afastada da escrita e da poesia e não foi nada bom. Hoje eu vivo poesia e tudo o que me afeta também me inspira. E as coisas me afetam demais. Eu acredito que há inspiração em tudo, até mesmo em um cartório ou escritório de contabilidade. Há inspiração na alegria e na dor, especialmente na dor.
Particularmente no momento atual, é urgente estar atento. Não sei se todos têm necessidade de transformar suas vivências em arte ou ou outra coisa qualquer, eu tenho.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acho que a escrita amadurece junto com o escritor. Ou pelo menos é o que deveria acontecer. Eu gostaria de ter começado mais cedo. Ou melhor, de não ter parado. Eu escrevia muito quando adolescente e na vida adulta passei longos períodos afastada da escrita. Se eu pudesse voltar no tempo, eu diria a mim mesma para não parar de escrever. Nunca. E acreditar nas minhas palavras.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como eu citei aqui, tenho muitos projetos na gaveta. Alguns infantis, outros que unem fotografia e escrita poética. Um deles é um projeto sobre os antigos casarões abandonados de São Paulo, especialmente da região do centro e Campos Elísios. Eu tenho uma relação pessoal com o centro e um desejo enorme de transformar isso em alguma coisa através da fotografia e da poesia. A cidade me inspira desde pequena. Minhas primeiras fotografias foram feitas nos bairros do Glicério e Liberdade quando eu tinha oito anos. Meu pai me levava com ele de carro pelo centro de São Paulo para fotografarmos os locais degradados e descuidados pela prefeitura. Ele dirigia e eu fotografava. Após reveladas, as fotos seguiam para a prefeitura com cartas e pedidos de providências. Meu pai era um cidadão que lutava por uma cidade melhor e acreditava na recuperação do centro. Mas isso é uma outra história.
Eu gostaria de ler o livro das respostas definitivas. Espero que ele nunca seja escrito.