Tânia Souza é professora, escreve literatura infantil, juvenil e fantástica, autora de De(s)amores e Outras Ternurinhas, Estranhas Delicadezas, Um gato no Jardim e Bichinhos da Horta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia lutando para acordar, pois trabalho em duas escolas, nos períodos matutino e vespertino e sou insone por natureza. Faz parte da minha rotina matinal um café forte e doce e um banho para despertar. Quando há tempo, gosto de sair e sentir o sol ou a luz do dia por minutos. Depois, vejo as notícias e marco o que me interessa para ler mais tarde. Respondo algumas mensagens e dou uma lida rápida nas redes sociais. Sonho de consumo é poder dormir até mais tarde. Porém, adoro acordar cedo aos finais de semana e depois do café, desta vez mais caprichado, começar a escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A rotina de não trabalhar somente com a escrita e ao mesmo tempo, escrever com regularidade é sempre caótica. É preciso sobreviver, é preciso escrever. Gosto do conforto das noites silenciosas, cheias de solidão, também as manhãs frescas me agradam; as tardes não, são dispersivas. Mas a verdade é que escrevo quando o tempo permite. Não consigo escrever com sono ou muito cansada, prefiro dormir algumas horas e depois acordar pronta para brincar com as palavras. Tenho como ritual encontrar uma posição confortável e necessito de silêncio e privacidade para desenvolver o texto. Ideias surgem mesmo com várias pessoas presentes, mas para aprofundar o texto, preciso de solidão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita porque não consigo criar/seguir uma rotina. Trabalho em vários projetos ao mesmo tempo, alguns individuais, outros em parceria e estou sempre escrevendo, revisando, organizando algum texto. Há uma cobrança interna para que eu consiga regularizar meu processo de escrita, mas ainda não cheguei lá. Participo de um grupo de pesquisa e produção online de Poetrix, no qual a produção é diária. Mesmo sendo textos minimalistas, há alguma dificuldade em produzir diariamente. Escrevi por três anos para o site Quotidianos, quinzenalmente. Neste caso criei uma rotina para não atrasar as produções.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em textos narrativos, normalmente anoto as ideias, inspirações originais e começo o texto. Em seguida pesquiso informações relacionadas ao contexto, salvo tudo em pastas no computador, links ou em livros que deixo na minha mesa, ao alcance. Alguns destes materiais não leio, somente se surgirem dúvidas. Outras eu devoro, faço outras anotações. Só então volto a desenvolver o texto. A pesquisa alimenta a criatividade.
Certos contos nascem prontos, mas são raros. Grande parte precisa de tempo e descanso, gosto de dar este prazo aos textos. Mas isso gera um problema, caso não seja para um projeto especifico, o texto fica esquecido.
Com a poesia é diferente, o processo envolve lapidar a linguagem e as imagens poéticas até conseguir o efeito desejado. Para publicar no Instagram ou na fanpage, gosto de trabalhar com ilustrações, fotografias minhas ou de amigos, ou com aplicativos que permitem reunir texto e imagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido, sofro horrores. Mas é um sofrimento bom, que nos deixa atentos à necessidade de escrever, produzir, melhorar. A procrastinação é a principal vilã, normalmente se origina no medo, na incerteza ou mesmo no cansaço.
Sobre projetos longos, eu luto com a ansiedade ao perceber mudança de rumo dos personagens e mesmo do desfecho durante o processo de criação, pois nada é fixo quando eu começo. Tenho receio de não saber como resolver determinada situação narrativa ou simplesmente, de não saber sobre qual tema escrever. Sendo coletivo, de não corresponder às expectativas das outras pessoas.
Ainda sou bastante insegura quando termino um material e se me fosse permitido, mudaria constantemente meus textos já publicados. Também a insegurança ou a famosa síndrome do impostor costuma surgir quando menos se espera. Quando isso acontece, o jeito é distrair a mente ou trocar ideias com outros escritores e deixar o texto descansar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu faço uma revisão constante. Escrevo um trecho e logo estou reescrevendo e revisando. Depois de considerá-lo terminado, faço uma primeira revisão completa e entrego para leitores beta e depois, para um revisor profissional. Mas quando são textos para postar nas redes sociais ou no blog, conto sempre com um ou dois leitores betas que ajudam a apontar problemas de linguagem ou coerência.
Já aconteceu de identificar erros depois de publicados, portanto recomendo sempre que o texto passe por um revisor, ainda que a pressa ou necessidade de comunicar impeçam isso. Dois inimigos favorecem que os textos sejam publicados com erros, procrastinação e pressa. Escrever dentro dos prazos e confiar no trabalho de edição e revisão é muito importante, porque consigo me concentrar mais no processo de criação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Um viva aos computadores: revisar, pesquisar, copiar, inverter trechos, destacar, separar e tudo isso rapidamente. É magnifico. E uma ressalva aos atrativos da internet, porque me distraem muito. Consigo escrever um conto tranquilamente usando o bloco de notas do celular. Foi algo que surgiu com a necessidade de aproveitar um horário de almoço, uma folga, um tempo de espera. Já escrevi com lápis de maquiagem, certa vez, para não perder uma cena que ficou insistindo em minha mente.
Sou apaixonada por cadernos, porém não gosto de escrever longos textos à mão, tenho vários cadernos e uso todos, mas somente para ideias, trechos de alguma cena importante, uma anotação ou citação. Tenho uma letra terrível e quanto mais rápidas as ideias surgem ou a maior a pressa em registrar, pior ela fica. Decifrar torna-se uma tarefa muito difícil. Assim, carrego sempre um caderno, um lápis, na ausência destes, anoto em qualquer material que conseguir, mas apenas palavras essenciais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias surgem principalmente das cenas do cotidiano. Eu vejo lugares, pessoas, ações, paisagens… tudo alimenta minha capacidade criativa. Quando viajo, um dos meus maiores prazeres é observar as pessoas indo e vindo, as cores e tons de cada lugar. Também o imaginário popular somado as minhas vivências me inspiram. São lendas, causos, histórias de pessoas, folclore, emoções. Às vezes uma música me desperta alguma sensação diferente, um ímpeto criativo, então eu a ouço repetidas vezes, mas na hora da escrita, prefiro o silêncio. Toda as artes me inspiram: pintura, literatura, teatro, cinema, grafite, música, tudo parece unir-se em uma teia que, de alguma forma, dá vida ao que eu desejo escrever. Então, como hábito, posso dizer que mesmo não sendo algo planejado, ver pessoas, sair da rotina, conhecer a arte que está acontecendo no mundo e ler os clássicos, tudo favorece a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estou mais segura. Pesquiso mais antes de escrever, uso menos adjetivos (tento), procuro lapidar o texto para ser mais simples. Na poesia, eu era extremamente emocional. Aprendi que é possível produzir de forma racional, que o sentimento pode e deve ser inventado. Eu gostava muito de poemas longos que hoje, seriam transformados em produções minimalistas. Também percebi que textos não precisam seguir um único estilo, cada qual pode e deve ser narrado conforme sua identidade.
Para a garota que começou a escrever ainda menina, parou por anos e voltou a escrever somente depois de conhecer a internet e outros escritores, eu diria: confie mais, mulher, você consegue. Não desista, eu me orgulho de você. Porque escrever é uma luta constante, é buscar nas palavras imagens, sentimentos e dores que nem sempre são ditas. Há histórias que precisam ser contadas e é um privilégio fazer isso.
Para escrever é preciso tempo, fazer escolhas, deixar de ver pessoas ou participar de determinados eventos. Tornar-se um profissional da escrita é algo muito difícil, o retorno financeiro é complicado. Isso são fatores que dificultam a produção literária, a vontade de desistir existe. Ao mesmo tempo, escrever é um oficio tão maravilhoso/sofrido/transcendental porque dá alento à alma. A sensação de terminar um texto, de criar um universo ou uma imagem poética é única e, quando outro ser humano também vive alguma experiencia estética com essa produção, há uma troca de energia incrível.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou uma escritora iniciante, apesar de várias publicações em coletâneas, tenho publicados quatro livros solo e muitos projetos. Quero desenvolver é um e-book interativo voltado para o público infantil, unindo poesia, música e ilustração.
Há um livro que eu gostaria de ler, um livro que ainda não escrevi, mas sonhei com a capa e o título. “A noite tem sete medos” é história de terror que talvez um dia eu consiga terminar. Atualmente ela existe apenas em imagens na minha mente.
Ainda sobre o livro inexistente, já aceitei que jamais conseguirei ler tudo que gostaria, então, me contento em saber que posso encontrar algo inusitado, surpreendente, cativante a qualquer momento. Um livro que comprove que a literatura existe porque sonhar, imaginar e vivenciar aventuras na segurança de um livro é um grande presente para a humanidade. É este o livro que eu gostaria de ler quando começo uma nova leitura.