Tânia Siqueira Montoro é professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, tenho. Sou lenta pela manhã e odeio telefonemas e cobranças. Gosto de ler os jornais e pensar. Nem sempre posso fazer isso. Mas, sempre fui assim. Minha mãe dizia: esta menina acorda e fica olhando para um ponto fixo. Odeio a pressa matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito de escrever de noite. Nas madrugadas. Sou notívaga. Gosto do silencio e do frescor das madrugadas. Escrevo sempre com um bloco de anotações e muitos livros por perto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todo dia escrevo. Quando faço artigos científicos, leio muito antes, e depois vem a escrita com autoria. Sofro com as palavras. Não tenho uma escrita poética ou literária. Fui formatada pela ciência e, ultimamente, tenho adorado poder escrever o que sinto e não o que comprovo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É difícil. Tenho sempre muitas ideias, muitos autores, muitas línguas, muitos começos, sempre um turbilhão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como todo sujeito que pensa, tenho travas. Começo e deixo pelo caminho. Nas minhas teses e dissertações tinha dias que escrevia e outros que rasgava tudo. Tenho problema de síntese, creio que fruto da interdisciplinaridade e, também, da busca de um estilo e de uma autoria. Escrever em espanhol ou inglês me trava completamente. Sou melhor falando do que escrevendo, apesar dos alunos e colegas adorarem meus textos. Também penso com imagens. E isso me leva a fazer dois textos: um discursivo e outro imagético. Depois um trabalho árduo de fundir estas duas linguagens.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Faço e desfaço. Hoje em dia não tenho ninguém para ler meus textos. Escrevo sem me preocupar com gramáticas e normas. Depois faço a revisão. Quando escrevo para a academia sinto que sou normatizada e regulada. Odeio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Odeio as tecnologias que forçam a forma sobre o conteúdo. Geralmente, faço mil anotações num caderninho, que pode ser qualquer espaço de papel branco. Outro dia me vi com anotações no livro do plano de saúde. Amo papel. Amo lápis. Amo espaços em branco. Depois vou para o computador, que sempre chamo de carcereiro. Sofro para colocar notas de rodapé, sofro para formatar, sofro para revisar. Teses e dissertações de orientandos, gosto do papel. E acho e-book ou revistas digitais um dispositivo narrativo efêmero. Amo folhear livros impressos, revistas, novelas e relatos. Acho que esta imposição do digital deveria conviver com o papel. Até Bill Gates quis seu livro impresso. E como trabalho com imagens, a questão da conservação e da preservação tem sido um problema. Esta efemeridade tem produzido exclusões. Moro do lado do Cine Brasília e vejo idosos, trabalhadores, pessoas comuns que buscam a programação do dia e está tudo na internet. Em Barcelona, meios digitais convivem com analógicos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sim. Leio vários suplementos literários. Vejo muitos filmes em lançamento. Frequento seminários e encontros no exterior. Leio muito. Literatura, história cultural, críticas de cinema, e tenho muito apreço pela literatura de aventuras femininas. Mulheres que foram enfermeiras de guerra, pilotas de aviões, missionárias, médicas, professoras, jornalistas e tal. Acho estes relatos importantes para entender a complexa relação entre sociedade e cultura; história e memória, sujeito e cidadão, cliente ou consumidor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
“Seja mais ousada”. A tese parece um elefante na nossa cabeça. E nem todo mundo tem aptidão para a pesquisa. Odeio mestrandos que não gostam de ler os clássicos. Trabalhei duro na minha dissertação de mestrado, aqui e outra nos Estados Unidos. Trabalhei duro na minha tese de doutorado defendida na Espanha. E também trabalhei duro no meu pós-doutorado feito na UFRJ e depois no Instituto de cinema de Amsterdã. Sempre fui brasileira e nacionalista. Deixei minha marca onde passei. Estou sendo homenageada por duas universidades espanholas e pelo Centro Cultual de Estudos Brasileiros de Barcelona. Nunca fui colonizada. Tenho horror de brasileiros que não honram sua nação. No meu doutorado, fiz um método de medir a violência na TV. Fui agraciada com a melhor pesquisa em Comunicação pela Catalunya. Trabalhei duro para mostrar aos professores das universidades que sabemos pesquisar. E faço relatos de pesquisa muito bem. Aprendi a questionar normas especialmente destinadas a excluir. Nisso tenho sorte e certo manejo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de fazer um livro sobre a vida das mulheres imigrantes no Brasil nos anos de 1930 a 1960. Estas pioneiras deixaram um legado fabuloso.