Talitha Motter é coeditora da revista Arte ConTexto, doutoranda em História da Arte pela Université de Montréal.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tento manter uma rotina diária, que começa sempre por um café da manhã e a escuta das últimas notícias. Após, dou seguimento a alguma atividade relacionada ao desenvolvimento do meu projeto de doutorado em História da Arte “Les réseaux sensibles: une étude des revues d’art numériques au Brésil”, mas às vezes acabo me dedicando a outros projetos vinculados à universidade, quando esses necessitam de uma atenção maior devido a prazos que se aproximam. Atualmente, estou em um momento da pesquisa que envolve a construção de um corpus das críticas de arte publicadas por um conjunto de revistas digitais em uma linguagem que me permite marcar, por meio de tags, os nomes de artistas, as obras de arte, as exposições, os curadores e outros atores do domínio da arte que são citados em cada texto. Um trabalho longo, mas que me permitirá traçar computacionalmente as redes da arte atual estabelecidas por esses periódicos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante o começo da minha formação acadêmica, quando cursava a graduação de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004-2008), tinha o hábito de estudar madrugada adentro. Colocava uma boa música e seguia fazendo as listas infindáveis de exercícios que preparavam para as avaliações das disciplinas. Mas quando iniciei a minha segunda graduação, Artes Visuais (2013-2015) pela mesma Universidade, percebi que essa era uma rotina que não me fazia necessariamente bem e que, para manter a mente mais descansada para o momento da escrita ou, na época, também para a produção plástica, meu corpo trabalhava melhor durante o dia e no início da noite. Em momentos muito sobrecarregados, para dar conta de todas as atividades, ainda me forço a seguir trabalhando de madrugada, mas prefiro a tranquilidade de uma jornada diurna.
Sobre o ritual de preparação para a escrita, acho que ele se coloca de maneiras diferentes, segundo a proposta de cada texto. Quando vou escrever sobre a produção de um(a) artista, gosto de ver obras de diferentes momentos de sua carreira, ler textos que foram escritos por outros autores. Porém, o que mais gosto é de poder conversar com o(a) artista para entender melhor seu processo de criação. Durante essas etapas, vou anotando ideias, palavras soltas, detalhes que me chamam atenção, metáforas possíveis. Vejo esse exercício como uma forma de estabelecer uma sintonia com aquele trabalho artístico, de começar a vibrar junto com ele e assim poder escrever o texto. Por outro lado, quando estou escrevendo algo mais acadêmico, tenho uma etapa longa de leituras e anotações. Somente depois de passar por ela sinto-me apta a começar a escrever. Nesse momento, procuro soltar um pouco as ideias em um documento Word, escrevendo alguns parágrafos, que depois vão sendo lapidados e alimentados pelas anotações. Vou criando esquemas para futuros trechos do texto ou mesmo anotando um pequeno objetivo para quando recomeçar a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo um texto, procuro trabalhar nele um pouco todos os dias, pois sinto que assim esse processo se dá de forma mais fácil. Gosto de reler meus textos e procurar as palavras que acho mais adequadas para cada parte, o que só é possível quando retorno aos parágrafos após certo tempo. A escrita dividida em vários dias me permite essas idas e vindas. Normalmente, estabeleço uma meta de escrita, mas não uma meta rígida, é mais uma ideia para o desenvolvimento da próxima parte ou alguma complementação a ser feita em um outro trecho. A construção do texto vai dando a sua dimensão, o quanto de palavras aquela ideia precisa para ser transmitida da maneira mais clara possível, mas também com certa suavidade e poesia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Penso que o momento de começar a escrita de um novo texto é sempre delicado. Todas as etapas prévias são para mim como uma espécie de preparação para o início dessa escrita, mas, mesmo assim, não raro acabo criando uma nova etapa para “tentar” postergar aquele instante onde o texto começa a acontecer. Antes de começar a escrever a primeira palavra do texto, tudo são ideias, palavras soltas, sensações. O texto propriamente dito começa a se desenrolar somente depois que enfrento essa escrita inicial. A partir desse momento, sinto que é o texto que começa a guiar os próximos inputs que vão lhe dar forma. Acho que tenho sempre que me convencer de escrever essa primeira palavra, coloco no meu calendário um dia para esse início, estabelecendo um acordo comigo mesma. Quando chega o dia, tento não pensar muito e começo a escrever. Assim, parece que toda a inquietação do “será que vou conseguir tecer esse texto?” se desfaz, e eu começo a ver as ideais se materializarem, se conectarem, e isso me dá uma satisfação imensa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que a capacidade de concretizar projetos longos, como o de uma tese de doutorado, envolve ter sempre em mente que eles não se desenvolvem de um dia para noite. No entanto, isso também exige o controle da ansiedade de saber que ainda há um longo percurso pela frente. A maneira que encontrei para tentar lidar um pouco melhor com isso é trabalhar com metas menores, mas que serão capazes de me levar à conclusão almejada. Tento sempre refletir sobre quais são as minhas prioridades para não me afastar do que seria a meta de finalizar o projeto maior. Além disso, como boa parte do desenvolvimento da minha pesquisa de pós-graduação acontece dentro de um espaço muito interno, comigo mesma, já que sou eu que tenho que tomar a decisão de dedicar um determinado tempo para ler uma nova referência, para escrever aquela página, gosto muito de tornar mais tangível o meu tempo de pesquisa. Por exemplo, através da visualização das tarefas que realizei e que anoto na minha agenda on-line, da utilização de um aplicativo que permite traduzir o meu tempo de concentração em uma plantação de árvores (Forest) e de períodos de redação no espaço Thèsez-vous, os quais são contabilizados no meu perfil. Pode parecer simples, mas essas visualizações do tempo que me dedico à pesquisa são como pequenas recompensas dentro desse processo, reafirmando que estou evoluindo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Além das revisões parciais que acontecem durante a escrita do texto, sempre reviso no mínimo umas duas vezes antes de concluí-lo. Faço uma leitura no final da redação e antes de encaminhá-lo, seja para publicação ou para um trabalho universitário, leio mais uma vez para verificar se não deixei passar nada. Gosto bastante, quando possível, de ler uma versão impressa do texto ou mesmo de criar um documento .PDF para lê-lo na tela do computador. Assim, sinto que consigo visualizar detalhes que seriam mais difíceis de identificar em um documento Word. Mas só tenho realmente a segurança de enviar um texto depois da leitura prévia de outras pessoas. Para isso, sempre recorro ao meu companheiro Fernando de Siqueira, que é tradutor, e à minha irmã Sarah Motter, que é jornalista de formação. Tenho muita sorte de poder ter esses outros olhares e, assim, ter uma ideia melhor da comunicabilidade dos meus textos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Teve um tempo, na minha graduação em Artes Visuais e também na primeira parte de meu mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013-2015), em que sentia a necessidade de escrever rascunhos à mão. Parecia que o texto fluía mais livremente no papel, mas depois isso começou a ser feito diretamente na tela do computador. Percebi que dessa maneira acabava ganhando tempo, pois essas ideias-rascunho eram colocadas diretamente no documento onde elas iriam se concretizar. Assim, passei a organizá-las em um mesmo lugar. Atualmente, quando não estou necessariamente escrevendo um texto, mas tenho alguma ideia que será desenvolvida posteriormente, utilizo um programa de anotações, onde anoto as etapas do processo de realização da pesquisa de doutorado e de outros projetos em que estou envolvida. Posso dizer que tenho uma relação muito próxima com a tecnologia, pois tive a chance de ter acesso a um computador já na minha infância, o que facilitou a internalização do seu uso e a consciência de que a tecnologia pode falhar. Tenho todas as maneiras de me precaver de possíveis perdas de arquivos, faço mil e um backups, em HD externo, na nuvem, envio de e-mails com cópia de documentos que não quero perder, etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Tive uma professora durante a minha graduação em Artes, que disse algo de que me lembro sempre, sobre que você só pode escrever um texto se tiver algo de onde tirar suas ideias. É necessário “se alimentar” para poder escrever, fazer leituras, ver obras de arte, escutar pessoas. Mas além disso, acredito que é necessário estar atenta, atenta a intuições, pequenas pistas que poderão ser desenvolvidas mais tarde e que surgem nos momentos mais variados. Acho que quando se está envolvida ou envolvido com um tema de pesquisa, com o texto que se está escrevendo, isso permite que esses pensamentos brotem como respostas que estavam sendo processadas internamente sem que a gente se desse conta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a escrita é um processo, quanto mais escrevemos, mais nos familiarizamos com ele. Esse processo vai se tornando mais natural, mesmo que nunca venha a realmente ser algo fácil. Escrever está muito longe de ações repetitivas, exige um estar ali e uma sintonia com as palavras, com as referências com que se está trabalhando, com o seu objeto de pesquisa. Assim, acho que o que mudou, ao longo desses anos, é que hoje posso dizer que já passei mais de uma vez pelas etapas da escrita, o que me dá uma certa confiança de que vou concluir o próximo texto. Paradoxalmente, sinto como se estivesse escrevendo meus primeiros textos, já que cada um tem um desafio diferente, para o qual preciso sempre me readaptar. Simplesmente, diria para o meu eu de ontem e de hoje: “continue escrevendo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Neste momento, meu maior projeto é dar continuidade à minha pesquisa de doutorado. Quero muito chegar na etapa de análise de dados do meu corpus, o que me permitirá começar a delinear os cenários que serão tratados no texto da tese. Assim, meus pequenos projetos futuros estão muito conectados com a pesquisa atual. Sobre um livro que eu gostaria de ler e que acredito ainda não existir, diria que gostaria de ler o livro que contasse todas as histórias de uma Terra em um universo paralelo, onde a sua população conseguiu construir coletivamente um sistema de organização imune a desigualdades sociais. E mantê-lo.