Tales Gubes é escritor, criador do Ninho de Escritores.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos dias em que estou trabalhando com projetos de escrita, a primeira coisa que faço logo ao acordar é escrever. Acordo pelas 7h e escrevo até pelo menos 9h ou 10h, quando então interrompo o trabalho e tomo café da manhã e banho. Essa rotina me permite trabalhar entre uma e três horas sem interrupções. Durante esse período, não olho para meu telefone e não entro nas redes sociais ou nos e-mails. Nas vezes em que falho nesse processo, meu período de escrita se torna muito difícil de recuperar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por muitos anos, acreditei que trabalhava melhor à noite. Somente quando passei a fazer anotações em um diário de escrita, registrando o começo, o término e o rendimento (em número de palavras) de cada sessão de trabalho é que percebi que não era bem assim. Para testar, experimentei variações no meu processo: manhã, tarde, noite, com música, em silêncio, em casa, na rua. Com o auxílio do diário de escrita, descobri que escrevo com mais fluência e qualidade no período da manhã, o que se provou uma revolução no meu estilo de trabalho. Como eu acordo e já começo a escrever, preciso planejar meu texto antes de iniciar a sessão. Portanto, costumo fazer isso em outros horários. Se eu preciso, além de escrever, decidir sobre o que escrever, meu trabalho simplesmente não rende.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou trabalhando em projetos de escrita, escrevo todos os dias. Não trabalho mais com metas de palavras por dia. Na época em que fiz isso, fui percebendo que eu me contentava em alcançar a meta e parar por ali mesmo quando ainda havia energia e interesse para continuar escrevendo. Era como se eu me permitisse procrastinar ou distrair porque já havia cumprido o dever. Atualmente, minha meta quando escrevo é estar presente durante um tempo determinado ou até o final de alguma etapa da escrita, como uma cena ou capítulo específico. No caso de artigos menores ou posts para a internet, eu só paro de escrever quando termino o texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depois que começo a escrever um projeto, preciso continuar trabalhando nele o mais rápido possível. Do contrário, arrisco perder o interesse e só voltar ao que estava escrevendo depois de muito tempo. Ainda hoje trabalho em histórias que já arrasto há anos – o que não é de todo ruim, pois as versões iniciais estavam bem ruins. O movimento da pesquisa e do planejamento para a escrita acontece naturalmente, pois entendo que eles precisam acontecer em sequência. A pesquisa ainda encontra espaço para retornar depois da escrita, mas neste momento já se trata de questões pontuais, mais descritivas. Faço anotações durante a escrita para que, na edição, eu possa ainda procurar alguns pontos que desejo aprofundar. Fora isso, qualquer coisa que impacte a narrativa já terá sido pesquisado de antemão. Isso me permite ter uma noção bastante clara do fluxo de trabalho. Fico muito mais confortável quando sei em que parte do processo eu estou.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Algumas vezes eu empurro com a barriga, em outras eu desisto e prometo que nunca mais vou escrever uma linha. Descobri que rotina é um remédio poderoso contra a procrastinação, então meu ritual diário de escrita consegue me proteger razoavelmente bem. O medo e a ansiedade, por outro lado, me acompanham desde sempre e hoje estou certo de que não deixarão de estar ao meu lado. Já cansei de lutar contra eles, então defini que continuaria escrevendo mesmo com medo do resultado final. Pela experiência, entendi que meu texto de hoje sempre será potencialmente pior do que o meu texto de amanhã, mas o meu texto de hoje precisa existir para que essa comparação seja possível. Algo que ajuda muito o meu medo de não corresponder às expectativas é reduzir as expectativas. Eu não quero ser o melhor escritor do mundo. Não quero ser o melhor escritor nem do meu prédio! Tenho dois objetivos com a escrita: afetar a vida de quem me lê, para que pensem e sintam coisas que possam ser úteis ao lidar com essa aventura louca que é estar vivo, e aprimorar minha competência com as palavras. Se eu escrever melhor do que conseguia escrever no passado, esse segundo objetivo está bem encaminhado. Quando eu me comparava com outras pessoas, por outro lado, a trava era certeira e recorrente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu trabalho em espiral. Ora estou escrevendo material novo, ora estou revisando o que já escrevi antes. Algumas vezes começo o período de escrita algumas páginas antes do momento em que acrescentarei mais palavras. Outras, passo o período de escrita inteiro relendo e já alterando e corrigindo. Depois de tudo escrito, ainda imprimo o material, faço marcações a caneta e depois volto para o computador, no qual retrabalho a escrita a partir das anotações e de nova leitura. Isso torna difícil dar um número para a quantidade de revisões que faço. Mostrar para outras pessoas antes de publicar, porém, é mais raro. Isso é algo que quero começar a fazer mais, pois entendo o valor que um olhar dedicado (de alguém que também escreve) traz para o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na adolescência, eu escrevia à mão. Depois disso, passei a produzir diretamente no computador. Existe uma diferença no tempo da escrita entre caneta e computador. Com a caneta, cada palavra demora mais e isso me oferece mais tempo para pensar antes de escrever. No computador, as palavras aparecem com muito mais velocidade, então o tempo para refletir sobre cada escolha é reduzido. Às vezes, preciso conscientemente reduzir a velocidade de digitação para dar tempo de avaliar se o que estou colocando na tela realmente corresponde à melhor construção possível para representar o que está na minha cabeça.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm do que me afeta. O mundo é tão rico e cheio de experiências e fenômenos e possibilidades… basta alguma coisa captar meu interesse – e isso acontece automagicamente porque o mundo é essa coisa encantadora – e já posso transformar em ideia para algum texto. Mais do que de onde vêm as ideias, ando apaixonado pelo processo de transformar qualquer fragmento de ideia em algo mais completo, que possa virar uma boa história ou uma boa reflexão. Faço isso a partir de uma pergunta: por que isso me importa? Daí em diante, consigo montar as bases para uma narrativa ou um texto de não ficção que discuta algo relacionado à ideia original.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Nos últimos três anos e meio, parte do meu trabalho é refletir sobre as condições para ser escritor. Isso me deu uma noção muito mais ampla sobre as possibilidades da escrita. Eu já não sou refém da “ideia perfeita”, por exemplo, nem da inspiração. Entendo que escrever é tão trabalho quanto fazer pão. Tem sensibilidade, criatividade e outros ingredientes que trabalhos manuais rotineiros talvez – ênfase nesse talvez – não tenham tanto, mas no final do dia ainda é trabalho. É sentar a bunda na cadeira e produzir. Quando mais novo, eu precisava sentir a brisa mágica da inspiração.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever uma história (em princípio, autobiográfica) a respeito da descoberta e exploração da sexualidade enquanto homem gay. Há muitas questões que não vejo sendo tratadas usualmente, várias delas relacionadas a sexo e afetividade. Não falo sobre temas relacionados à descoberta da orientação sexual, de “saída do armário” ou de primeiras experiências, tão somente, mas também sobre os reajustes de identidade e expectativas de relacionamentos. Eu gostaria de ter lido um livro assim, que de alguma maneira contribuísse para minha construção de mundo enquanto estava dando os primeiros passos na vida afetiva e sexual.