Tadeu Sarmento é escritor, autor de Cometa é um Sol que não deu certo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Escrevo pela manhã bem cedo, no geral, duas horas antes de bater o ponto no trabalho. Volto a escrever no horário do almoço. À noite, costumo apenas revisar o que escrevi. Isso nos dias úteis de semana. Aos sábados, é comum que eu acorde cedo e escreva até o meio-dia. Já o domingo, utilizo para revisar tudo e reescrever. Note que, em um país onde um escritor não consegue viver de sua escrita, sua rotina precisa se adequar à rotina do trabalho que tem para pagar as contas. Comigo não é diferente. Por exemplo, já fui supervisor de Call Center de uma equipe da madrugada e, nessa época, escrevia quando chegava em casa, de três horas da manhã até amanhecer, de modo que ter uma rotina é essencial ao escritor, uma espécie de trincheira pela qual se esgueirar enquanto as bombas explodem no mundo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, sem dúvida. É a hora em que a cabeça está mais descansada e o mundo ainda não nos deprimiu o suficiente com sua longa marcha rumo à derrota dos nossos sonhos. Quanto ao ritual de preparação, não tenho nenhum, salvo o de reler o que escrevi no dia anterior e seguir adiante. Mas tenho uma mania: ficar balançando uma caneta Bic em uma das mãos. É uma espécie de “tique” que trago da infância, época em que quase fui diagnosticado como autista. Esse movimento repetitivo me desliga do mundo e atiça minha imaginação. Não me pergunte o porquê que eu não sei. Só sei que precisa ser uma caneta Bic, e com tampa, por causa do comprimento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados, todos os dias, geralmente pela manhã. Tenho TOC, o que me impede (para o bem e para o mal) de ser dispersivo. Já a meta de escrita diária, varia conforme a urgência do projeto. Posso dizer que o mínimo aceitável para mim são duas páginas em Word preenchidas com Times New Roman fonte 12, parágrafo um e meio. Duas páginas nesses moldes, e considero o dia produtivo. Claro que tem dias em que o mundo nos engole, então, tento compensar no dia seguinte, para manter a régua da produção e ranger menos os dentes à noite.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho dificuldade em começar. Funciono bem com uma rotina e, quando me sento para escrever, essa passagem da pesquisa para a escrita se dá de modo quase automático. Tenho vários argumentos anotados e decidir por um significa que a ideia já tomou uma forma mais ou menos definida. Claro que, no decorrer do trabalho (escrever um romance pode levar meses ou anos) essa ideia pode ser abandonada ou reaproveitada de uma maneira melhor. Mas esse é o ritmo que a própria escrita impõe a si mesma. É o processo propriamente dito. O ideal é ter sempre um ponto de partida e, ao mesmo tempo, estar sempre disposto a abandoná-lo (para reescrevê-lo melhor) a qualquer altura do processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho travas para escrever. O que me falta é tempo suficiente. Se você chama de “trava” o fato de chegar em um determinado ponto e não saber mais como ir adiante, resolvo isso partindo para outro livro e deixando o anterior “à espera”. Funciona bem porque me impede de perder um tempo precioso e me leva a acabar escrevendo dois livros ao mesmo tempo. Nesse caso, o que chamamos de “trava” muitas vezes é o próprio texto pedindo um tempo de “maturação”. Já a procrastinação, depende do fator que a aciona. O que noto nos meus contemporâneos é que ela, muitas vezes, está ligada ao tempo que ficamos nas redes sociais. Isso é facilmente resolvido retirando os aplicativos do celular e estipulando um tempo máximo para permanecer, por exemplo, no Facebook. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas e à ansiedade de trabalhar em projetos longos, acredito que os dois se complementam e, por isso, podem ser resolvidos do mesmo jeito. O ideal é estabelecer um parâmetro de qualidade no próprio texto. Atingido esse parâmetro, essa meta, matamos esses dois coelhos com um só golpe.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto eu não publicar, o inédito sempre estará passível de revisão, de modo que o texto nunca está pronto, a não ser quando é publicado. Isso não significa que ele está pronto; significa que você não pode mais corrigi-lo, salvo no caso de uma segunda edição. Publicar um livro é desistir de melhorá-lo; é confessar que a última versão é a que mais se aproxima do que você verdadeiramente esperava dele. Quanto à outra pergunta, sim, mostro meus inéditos para minha esposa, a poeta Adriane Garcia, que tem carta branca para cortar e mexer neles o quanto quiser. Ela é o meu superego. Nada do que escrevo está bom até que ela diga que está. Antes dela, eu só contava com a sorte (isso é, com o acaso).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É ótima. Desde que pude ter um computador pessoal, escrevo diretamente na tela. Na verdade, nunca gostei de escrever à mão, pois tenho uma letra horrível. Além disso, o Word é uma ótima ferramenta de edição, imprescindível para quem não dispõe de tanto tempo para escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vivo anotando ideias, tenho para mais de cinquenta argumentos de livros. Só que minhas ideias não surgem do nada: elas vêm da própria realidade – algo que alguém fala, notícias que leio, livros ou filmes que me abrem novas possibilidades narrativas. Para me manter criativo, cultivo o hábito da escuta e da atenção. Gosto de ouvir as pessoas e procuro jamais julgar ninguém. Procuro alimentar a empatia também, imaginando o que faria se colocado em determinadas situações que ouço falar. Exemplo: meu livro que ganhou o Prêmio Barco a Vapor (O Cometa é um Sol que Não Deu Certo) teve origem naquela terrível fotografia do garotinho refugiado sírio que morreu afogado. Escrevê-lo foi uma maneira de tentar entender o que aconteceu ali.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Depois de anos escrevendo, você aprende a fazer mais e melhor em menos tempo. Assim, mudou que, agora, não cometo mais os mesmos erros, nem me prendo mais a problemas que não são problemas de fato. Ganhei traquejo, aprendi os atalhos, a distinguir os problemas reais, e agora chego mais rápido às soluções que, antes, demoraria mais tempo para atingir. E se pudesse voltar atrás, diria a mim mesmo: escreva para as crianças, os jovens, e para o cinema. Deixe a literatura dita “adulta” e sua meia dúzia de leitores para a batalha campal dos neuróticos iletrados.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dezenas de projetos que ainda não comecei. Mas uma coisa é certa: hoje, eles envolvem mais a literatura infanto-juvenil e o cinema do que tudo. O motivo é bem simples: quero continuar a escrever, mas, de agora em diante, tendo o suporte de um mercado e de uma indústria que escoem o que produzo sem a necessidade de eu ter que “aparecer” para isso. Em outras palavras: espero poder em breve não precisar mais ter contato com o barulho e o amadorismo das redes sociais, onde o escritor é forçado a se manter visível e fazendo malabarismos para vender seus livros. Quero escrever, apenas isso, e vender aquilo que escrevo para canais de escoamento mais profissionais. É o meu projeto futuro de manutenção da minha própria sanidade. Quanto à segunda pergunta, ela parte da falsa premissa de que escrevemos porque queremos ler um livro que ainda não existe. A verdade é que todos os livros já existem. Escrever é só uma maneira de contar de outro modo uma história que já foi contada inúmeras vezes.