Sylvia Damiani é escritora, formada em Letras pela USP, autora de “Adultos não amam” (Caixa Editora, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tento começar acordando com calma e tomando café. Só depois disso consigo pensar em qualquer coisa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Logo após esse primeiro café do dia, quando a cabeça ainda está fresca, sinto que penso e me organizo melhor. Mas também à noite, ou de madrugada, é quando os pensamentos fluem mais, quando estão mais libertos, se eu sentir que é disso que eu preciso. Não sei se tenho um ritual. Tenho medo de que o próprio ritual me afaste da escrita. Acho que são os rituais menores e mais inofensivos os que contribuem, como beber café, chá, vinho, ou me deslocar até algum lugar em que eu me concentre para escrever, como uma biblioteca. Mas tento não fantasiar muito na preparação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todo dia, porque anoto e penso em escrever todos os dias, o que é uma loucura também, fica difícil encontrar uma pausa. Não tenho metas no meu dia-a-dia, mas eventualmente quando viajo ou me acontece de viver alguma experiência fora do comum traço um projeto de escrita para aquele período (que normalmente não acontece como planejei, mas a longo prazo se revela importante).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Anoto muito, tanto num bloco de notas físico quanto no celular. Acabo acumulando muitas notas, o que torna começar um processo um pouco caótico. Tento ressaltar em todas as notas aquelas que mais me interessam e não enlouquecer no meio delas todas. E então começo a escrever, a tentar dar uma forma mais sólida ao texto, a escolher e descartar. O que não uso vou guardando, embora muitas vezes não saiba o que guardei nem onde está, fica perdido na memória.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal. Ainda não encontrei uma boa maneira. Nunca esqueço de nenhuma responsabilidade com a qual me comprometi, então fico pensando nela e suando frio até realizá-la.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá- los?
Quantas vezes por possível, até olhar para o texto e saber que está pronto, dar aquele estalo. Tenho alguns amigos para os quais mostro as coisas, mas normalmente quando já senti que estão mais ou menos prontas. Raramente mostro algo em processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou exatamente boa com a tecnologia, sinto que ela sempre me passa a perna. Mas já faz alguns anos que anoto muito no celular, embora ainda carregue meu caderno por aí, pra cima e pra baixo, e também escrevo no computador, tendo como base pequenas notas à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vêm de toda parte, quando leio muito ou entro em contato com outras formas de expressão. Normalmente tenho ideias quando estou me deslocando, a pé ou num longo trajeto de ônibus, por exemplo, sobretudo sozinha. Ou logo antes de pegar no sono ou assim que começo a despertar, e tento anotá-las. Gosto muito do que me vem à mente quando estou tecnicamente distraída ou fazendo nada. Ler me ajuda muito, tanto prosa quanto poesia, ficção ou não-ficção. Tenho lido coisas maravilhosas, que me dão muita energia no meu próprio processo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que desenvolvi uma autonomia maior pra passar das anotações para os textos prontos, das ideias de projetos para os projetos em si, e também percebi que esse é um processo necessário, inevitável, que precisa ser feito, que eu não devo me esquivar dele. Acho que seria exatamente isso que eu diria a mim mesma, para encarar mais e mais, de frente, o que estou fazendo. É a minha única opção.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho lido muito, livros que me têm feito muito bem. Acredito que já existam, mas quero continuar a ler livros como esses. Sobre o que eu gostaria de escrever, não sei ao certo, mas acredito que seja uma autoficção mais forte, mais verdadeira, mais profunda, verdadeiramente transformadora, que aponta para algo que está além de mim e não posso enxergar agora. Esse é o meu maior prazer num texto.