Susana Dobal é fotógrafa e professora da Faculdade de Comunicação da UnB.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas manhãs são dedicadas ao trabalho na universidade. Mas na minha rotina, três dias na semana nado antes de ir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor à noite, quando a casa está silenciosa e há menos risco de ser interrompida. Quando escrevo, gosto de tomar chá e ouvir música clássica ou jazz. Quando tenho um texto para escrever, preciso reservar algumas horas para poder entrar no assunto. É preciso planejar o dia para ter essa disponibilidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O ritmo da escrita depende do prazo pedido para o que preciso fazer. Dificilmente passo de quatro páginas por dia, se trabalhar por volta de oito horas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é lento, porque volto a outros textos que li e releio muito o que já escrevi. É de fato difícil parar de pesquisar e começar a escrever pois sempre resta uma impressão de que era preciso ler mais. Geralmente sou pressionada pelos prazos que me fazem enfim começar a escrever, fazer um planejamento do texto todo, e um cronograma para poder cumpri-lo. Esse planejamento é uma meta inicial, pois novas ideias podem surgir no processo de produção do texto. Esse é o meu ritmo de escrita de textos acadêmicos resultante de pesquisas, mas trabalho também com imagem e texto em outros projetos em que a escrita é mais concisa. Nesse caso o processo é diferente, pois fico muito tempo selecionando e tratando imagens, pensando em sequências, fitando a imagem às vezes longamente, procurando o que elas têm a dizer, as melhores palavras para completar o sentido delas ou a combinação mais apropriada de texto e imagem, ou de uma imagem com outra para poder trazer novos sentidos não evidentes em um primeiro momento. Há então uma longa etapa de reflexão para escapar do sentido imediato da imagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Desses males o único que pode eventualmente me atingir é a procrastinação, mas procuro cumprir prazos, eles são necessários para que o trabalho seja feito. Penso no texto e não nas expectativas dos outros. Miro um objetivo, felizmente não sofro de travas da escrita nem de ansiedade. A dificuldade maior pode ser organizar a vida para ter algumas horas para escrever já que falo na perspectiva de professora universitária com muitas tarefas a cumprir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Em geral não mostro meus trabalhos antes de passar para um editor, ou um comitê editorial, mas reviso muitas vezes. Leio e releio o texto procurando fazer com que ele tenha fluidez na sintaxe, no som das palavras, na pontuação, na passagens de uma ideia para outra. Passo também muito tempo procurando as melhores palavras, consulto mais de um dicionário e muitas vezes para palavras banais cujo sentido é evidente, mas busco uma alternativa que traga maior precisão para o que quero dizer.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Posso fazer à mão anotações e alguns dos fichamentos por não ter um computador disponível em um momento, mas quando escrevo é sempre no computador. Às vezes anoto ideias também nas notas do celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de estar com os ouvidos atentos, os olhos abertos, ter o hábito de ler e de ter alguns vácuos durante o dia para que as informações acumuladas se combinem. Enquanto nado ou enquanto cozinho, por exemplo, penso em questões referentes ao que estou escrevendo. Tento também me manter atualizada, vendo filmes, indo a exposições, lendo textos na minha área, que é a comunicação e a arte. Faço isso de uma maneira meio solta, e em algum momento as coisas se associam e fazem sentido.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A escrita tornou-se cada vez mais ágil com a facilidade da internet. Muitas informações podem ser acessadas com o simples movimento da ponta dos dedos, isso facilita a vida. Eu demorei muito a escrever minha tese – defendida há mais de dez anos atrás. Nunca abandonei o assunto mas fiquei por muito tempo recolhendo material e lendo. Eu diria a mim mesma pra escrever logo que muito ainda viria pela frente. Ao mesmo tempo, é preciso mesmo um amadurecimento para processar toda a informação. Fiz uma tese muito pesquisada e fundamentada, mas também com liberdade e experimentação na escrita. Isso me causou algum problema, talvez eu me dissesse pra ser mais convencional na escrita. Alguém da banca disse que aquilo era uma escrita de final e não de começo de carreira. Mas se eu tivesse feito de outra forma, não teria sido honesta comigo mesma. Enfim, é preciso sempre pesar até que ponto uma certa rebeldia é saudável em determinados contextos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de fazer um livro interativo que combinasse texto e imagem. Algo como o CD-ROM Immemory do Chris Marker, porém atualizado para os recursos disponíveis hoje. Algo que se aproximasse também dos maravilhosos livros do filme Prospero’s Books do Peter Greenaway, que também dão vida ao caldo da cultura. Ou talvez um webdoc que tivesse uma escrita concentrada e incisiva aliada à imagem. Eu gostaria de ler um livro em que tivesse elementos visuais além das palavras; um livro em que houvesse beleza, mas ela seria uma beleza perspicaz e não condescendente ou ingênua. Eu gostaria também que essa obra, a ser encontrada ou a ser ainda produzida, envolvesse uma leitura do Brasil, algum aspecto visto de maneira intensa, profunda e trágica como nós somos. Há muito desânimo no ar nesse momento, desânimo, desilusão, decepção, descrença, eu gostaria de ler uma obra com menos “des”, algo que apontasse para a possibilidade de alguma redenção. Não uma redenção hollywoodiana, que diga que ao final o bem sempre triunfa, pois a vida não é assim. Mas uma redenção que aponta para a possibilidade de viver a beleza sem alienação, a beleza viável, e não menos intensa, em meio ao caos.