Stella Florence é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nenhuma ligada à literatura.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nenhum ritual, além do silêncio. Fui mudando os horários de escrever ao longo dos anos por conta dos compromissos do cotidiano. Portanto, uso qualquer oportunidade para escrever, não importa o horário. Insônias, embora raras, também são úteis.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias, mas não escrevo só para mim: faço quase todo tipo de trabalho ligado à escrita. Desse modo, tomo o cuidado de separar algumas horas da semana apenas para minha literatura autoral (a fim de que ela não seja engolida pelo trabalho como freelancer).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Mesmo que eu já tenha a ideia do que vou escrever, começar é sempre a parte mais difícil. Quando se encontra o veio de entrada do romance, conto ou crônica, o trabalho a seguir é mais esforço e paciência do que inspiração (considerando que você já sabia exatamente a história que quer contar, é claro). Quando um capítulo pede uma pesquisa específica eu estaciono ali e vou pesquisar. Apenas no Eu me possuo (Panda Books) eu fiz diferente: primeiro entrevistei donos de bares e garçons, depois salpiquei a pesquisa ao longo de todo o romance.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Do mesmo modo que eu lido com outros desafios da vida: um dia de cada vez, um pouco por vez.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu perco a conta das vezes que reviso, são muitas. Sim, eu mostro para alguns amigos que são excelentes leitores: quando concordo com seus apontamentos, mudo o texto, quando não concordo, apenas sigo confiando na minha decisão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo muitas notas à mão num caderno, mas a feitura do texto faço sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas vêm de duas fontes: ver o outro, compreender que os outros são de fato outras pessoas e portanto têm modos de pensar e agir sempre diferentes e novos e ver a mim, mergulhar nos meus escaninhos (igualmente trabalhoso, mas recompensador). Escrever é estar sempre de olhos abertos e atentos: para os outros e para mim mesma. Não é algo que eu force, simplesmente acontece. Portanto, de qualquer lugar e a qualquer momento pode surgir uma ideia para uma nova obra. Mas devo admitir que os romances, esses textos de fôlego bem mais longo, normalmente nascem de algo que me incomoda profundamente, é uma inspiração mais intensa do que a que nasce de um comentário de um estranho na fila do banco.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Algumas coisas mudaram, eu fiquei mais densa, mais sarcástica. Às vezes, de caso pensado, fiz o caminho contrário: simplifiquei o texto para ele ficar mais óbvio (com menos qualidade literária, portanto), mais acessível. Dependendo do texto eu sigo um caminho ou outro. Eu não diria nada para mim se voltasse no tempo, nada relacionado à escrita: ela tem seu próprio desenvolvimento e seria impossível mudá-lo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria, sim, de fazer um romance sobre relação abusiva e, na verdade, já o comecei (dentro de dois ou três anos ele deve ficar pronto). Depois de Grande Sertão: Veredas, Cem anos de solidão, Um bonde chamado desejo e D. Quixote eu seria ingrata se pedisse ou sonhasse com algo mais.