Stéfano Mariotto de Moura é jornalista e escritor, mestrando em Relações Internacionais pela UFRGS.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho durante as tardes em meu emprego. Por isso, tenho as manhãs livres, então procuro acordar cedo (o que nem sempre é possível), fazer meu mate e estudar para o mestrado. Escrever não está no início do meu dia a não ser em épocas de final de semestre do mestrado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Invariavelmente, à noite. Tenho algum problema, um bloqueio criativo com a luz do sol e com o barulho da rotina – e nem falo de barulho alto, falo do barulho de gente acordada mesmo.
Então, sempre quando eu preciso produzir algo criativo, seja para um livro de minha assinatura ou livros para clientes, inverto meu dia: procuro dormir a manhã toda, trabalhar à tarde, dormir mais um pouco depois do trabalho até próximo da meia-noite, e então começo a escrever até próximo das 8 da manhã, acompanhado por todos os vício possíveis – tabaco, café, mate…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não funciono com rotina de escrita, infelizmente. Sempre escrevo em períodos mais concentrados – minha criatividade para a escrita funciona melhor sob a pressão de um prazo, o que é bem diferente de minha criatividade para trabalhar em meu emprego, por exemplo. Meta de escrita diária é algo completamente fora do meu mundo.
Meu romance “A Cabana do Uruguai” foi escrito em 3 meses, tendo como prazo um concurso do qual eu queria participar. Meu próximo livro, “Copos d’Alma”, teve a maioria de seus contos escritos nas madrugadas das vésperas às meus encontros matutinos semanais de oficina de escrita, que duraram 3 meses. Meus livros para clientes sempre têm um prazo definido, então estou constantemente com a pressão desse prazo. E, mesmo como acadêmico, sempre acabo terminando meu artigos na pressão da entrega.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever literatura é diferente da produção acadêmica. Na produção acadêmica, eu vou variando: pesquiso, produzo um pouco, principalmente com fim de deixar de ver o papel em branco. A partir do que escrevi, entendo melhor para onde quero ir e volto a pesquisar com mais foco, retomo a escrita, pesquiso mais um pouco, e aí vou até o final.
Na produção literária, eu só jogo no papel o que está no meu imaginário. Uma vez escutei de um escritor conhecido que “os melhores livros surgem de imagens, e não de ideias”. Não penso que os meus estejam entre “os melhores livros” – longe disso! -, mas depois de ouvir esse escritor, percebi que meu romance e meus contos sempre surgem de imagens. “A Cabana do Uruguai”, por exemplo, surgiu de uma imagem, em minha cabeça, de uma cabana na autoestrada entre duas pequenas cidade uruguaias que conheço, Melo e Isidoro Noblia, que ficam perto de minha cidade natal no RS, Bagé. Mas a história que escrevi depois jamais esteve na minha cabeça: foi surgindo a partir do momento em que sentir para escrever sobre essa cabana.
Quanto ao processo de escrita em si, quando não tenho realmente mais nada na cabeça para colocar no papel. paro de escrever. No entanto, normalmente horas de escrita, desde que tenham a pausa de uma que outra tragada ou mateada, sempre acabam permitindo que eu consiga – com esses intervalos -, engatar melhor o fluxo da história, ter novas ideias que eu nem imaginava que poderia ter, e assim vou indo. Além disso, na minha produção literária, gosto de manter um bloco ou arquivo para anotações sobre o que estou escrevendo: escrever sobre o que eu estou escrevendo me ajuda a entender melhor para onde quero ir e de onde estou vindo – isso sim, algo semelhante a minha produção acadêmica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Depende muito. Prazo nunca foi um problema para mim. O problema é maior quando algum cliente que me contrata não entende muito bem o que faço – ou seja, escrever uma biografia a partir da história que ele me conta. Já tive cliente que me entregou 1500 páginas de diário escritas e me contratou para escrever a história daquelas 1500 páginas. Depois de ler as páginas do diário, dois meses depois, entreguei as primeiras páginas escritas por mim e a reação foi: “Mas onde está o que eu escrevi na página tal?” A pessoa queria um copidesque, não um trabalho literário. (risos)
A procrastinação pra mim é normal. Estendo ela até o prazo não me permitir mais procrastinar, e aí mergulho de cabeça – e produzo. Quanto às travas, quando elas vêm, tenho que pausar. Se a pausa é longa – dias, semanas -, não adianta, tem que abandonar por um tempo. Se a pausa é durante o processo de escrita, meu negócio é parar, fumar, tomar um café, e ficar pensando. A ideia sempre vem quando associo isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não costumo revisar de fato. Orotograficamente, contrato revisão. Literariamente, leio apenas uma vez para tirar o que passou de ruim, mas não aguento revisar mais vezes – acho muito chato o que eu próprio escrevo, mesmo que eu consiga ter algum discernimento sobre se o leitor vai gostar daquilo ou não. E, sempre que posso, dou para alguém de confiança ler e avaliar. Isso me ajuda muito a, se necessário, fazer uma releitura mais direcionada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador, sempre. Minha relação com a tecnologia na vida é quase que 98% ruim – odeio celular, redes sociais; só tenho essas coisas para trabalhar. O 2% bom de relação com a tecnologia que tenho é a respeito da escrita: prefiro totalmente digitar do que escrever a mão. Inclusive tenho a impressão de que o ritmo de escrita que imprimo ao digitar, absolutamente diferente do ritmo de escrever a mão, ajuda-me no processo criativo. Até o som das teclas ajuda. Além disso, quando escrevo a mão, fico com tendinite por semanas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu sou pensativo por natureza, então estou sempre observando e, por consequência, tendo alguma ideia nova. Nesse sentido, conservo apenas um hábito: quando penso em algo que julgo ser interessante, anoto no bloco de notas do meu celular, e mantenho os arquivos numa nuvem (o outro 1% bom de relação com a tecnologia). Sempre pode ser útil.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros texto eram totalmente juvenis. Meu textos já publicados são ainda juvenis. Não tenho escrito mais algo próprio há tempos justamente porque sinto a necessidade de dar um passo adiante na minha escrita, mas ainda não sei bem qual é esse passo adiante. Tenho problemas com adjetivações excessivas do ponto de vista gramatical, mas sinto acima de tudo a necessidade de encontrar um jeito de escrever que esteja mais de acordo com quem sou hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muito desejo de traçar uma história que tenha como tema geral a sociedade de merda em que vivemos. Encontrar uma história que consiga tocar pessoas que considero ruins, sem que elas sequer percebam essa possibilidade enquanto estiverem lendo, mas apenas ao final. Um livro que tenha uma história tão boa que force essas pessoas a chegar ao final, quando então poderiam perceber que são bostas.
Expor o lixo que nós somos por dentro; o lixo que são as pessoas que se “indignam” com um cachorro espancado em frente a uma grande rede de mercados, mas votam em quem defende as atrocidades que o nosso futuro lixo de presidente defende. Pessoas que se dizem indignadas com um cachorro (sou um cachorrófilo, ok?), mas têm nojo de mendigo, não dão bom-dia pro segurança do local de trabalho, não agradecem ao peão que mantém nosso mundo de merda funcionando todo dia. Isso, para mim, são pessoas verdadeiramente ruins. Sei lá, eu tenho muitos problemas, mas esse tipo de coisas que relatei me deixam louco e gosto de compartilhar com quem também possa se sentir como eu. Tenho um amigo que diz que o maior problema da humanidade é a falta de empatia; eu concordo plenamente. A verdade é que a luta de classes nunca vai acabar: a vida capitalista é sempre o rico contra o pobre, nunca vai ser diferente.
E seja quando for que eu escreva esse livro, o título eu já tenho: “Bolsonaro ainda vai ser o meu courinho de piça”.