Stefano Calgaro é poeta, tradutor e professor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, se eu não tenho que sair para trabalhar ou assistir aula, gosto de começar o dia cedo, aí pelas 6h (se possível), salvo em raras ocasiões quando gosto de ficar na cama até mais tarde. Se em um dia comum acordo mais tarde, sinto que perdi boa parte do dia. O que tem acontecido com mais frequência do que gostaria. A manhã é minha parte favorita do dia, adoro alongar e ocupar a manhã. Sinto que é a parte do dia que mais parece com um ritual/rotina. Depois de acordar, bebo bastante água, passo café, preparo algo pra comer, e às vezes como assistindo algo no celular. Depois aproveito pra ler, escrever, ou apenas ficar morgando e me demorando em algo não necessariamente produtivo, como ficar vendo coisas no instagram, conversando no whatsapp ou fazendo absolutamente nada. Faço alguma dessas atividades tomando café/chá e água. No fim da manhã faço meus exercícios físicos, coisa que não consigo ficar sem. Acho que atividade física é mais importante para a minha sanidade mental que qualquer outra coisa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro durante a manhã mesmo, sinto que minha cabeça funciona melhor, principalmente pra escrever e revisar. À noite minha cabeça não costuma funcionar pra isso. Prefiro ir dormir cedo e acordar às 4h da manhã do que tentar escrever noite adentro. Para escrever não tenho nenhum ritual em particular, a não ser ter sempre algo para beber: chá e café (depois do café da manhã, de preferência com pó de gengibre, caso alguém se interesse, é uma delícia, bem caliente, fica a dica), às vezes chimarrão à tarde e água ao longo do dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já fiz isso de escrever todos os dias, ou de escrever por cíclos, um período de muita escrita seguido por um período em que não escrevo nada. Mas no geral escrevo quando sinto vontade. Escrever tem muito a ver com a minha disposição de vida também. No momento não tenho escrito nada desde que terminei meu livro (tem já alguns meses), salvo trabalhos acadêmicos.
O que surgiu com algo parecido com “meta de escrita” é uma coisa que comecei a fazer de uns tempos para cá que eu chamo de “Traduções para o meu inferno astral”. Esse ano vai ser o terceiro ano que comecei a fazer traduções durante o meu inferno astral, geralmente pego um poema que eu sinta que se relacione com o meu ano. Um momento que era um inferninho para mim se tornou em um momento bem bacana.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bom, geralmente escrevo quando sinto vontade, a partir de coisas que acontecem em minha vida ou a partir de algum texto que estou lendo,de algum filme, de algum poema, de alguma aula que estou assistindo, tentando pegar alguma coisa que me soe como um norte em direção ao poema. As vezes parto de uma frase, um ritmo, uma palavra ou uma imagem que surge do nada e vejo quais são as possibilidades disso. O meu lugar favorito pra escrever é quando estou no onibus. Sinto que leio e escrevo melhor quando estou no onibus. Quando tenho um prazo (no caso de tradução ou trabalhos acadêmicos) gosto de começar com bastante antecedência pois sou bastante lento e gosto de reler muitas vezes para ver se não tem mais nada para mudar, e esse processo de edição dura até o prazo final.
Notas o suficiente é algo complicado, porque às vezes faço um poema completo numa tacada só, às vezes um poema nasce a partir de N outros poemas que vou cortando, selecionando e editando. Pra mim esse é o processo que dura mais tempo, o de edição, de colagem, justaposições, avaliações. Acho que é algo que veio do cinema (minha primeira graduação foi em cinema). As vezes é díficil começar depois de ter compilado notas o suficiente, as vezes não, depende do material à disposição.
Já a questão entre pesquisa e escrita acho que uma depende da outra, não existe produção sem pesquisa, elas estão sempre se relacionando.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre tive uma relação meio ambigua quanto a travas de escrita, coisa na qual não costumo acreditar – até o momento que elas surgem, mas penso sempre que são outra coisa, cansaço, indisposição, que não é o momento para isso, ou o que seja. Mas caso sinta e caso tenha algum prazo, geralmente procuro a resposta em algum outro texto ou parto para atividades mais físicas, arrumar o quarto, a casa, ir para a academia, fumar (o que estou tentando cortar da minha vida, obrigado aos amigos que tem dado a força e apoio, um beijo pra vocês), ou algo que tire minha cabeça disso por algum momento para que então consiga voltar com a mente mais livre para isso. Depois de um tempo passei a evitar criar expectativas, tentar ser um pouco mais livre desses tipos de amarras pois já tive problemas de ansiedade – e quem não tem hoje em dia, não é mesmo? Se estou procrastinando muito, me pergunto se é algo que realmente queira ou deva fazer – a menos que seja uma obrigação, aí começo o quantos antes para me livrar logo disso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até não poder mais. Até eu falar “é isso aí”. Até eu mandar a versão final do meu livro (lá por feveiro desse ano) eu editei o máximo que pude. Para se ter uma ideia, da primeira versão do livro até a última, o livro deve ter mudado uns 80%. O motivo de ter demorado tanto tempo para finalizar foi por isso, fico muito tempo editando, montando, encarando o poema até sentir que finalmente está pronto. O que é algo muito arbitrário também, convenhamos. Teve um poema (“Escalas de protagonismo no Ronche Fort), por exemplo, que foi publicado na versão digital da enfermaria 6 de uma forma, depois saiu na antologia impressa com algumas modificações, e no “Pequena volta” está com mais algumas modificações. Ou seja, tem 3 versões diferentes publicadas desse poema. E esse é um poema que nasceu de uma montagem entre vários outros poemas, por exemplo. O que eu costumo fazer muito é o período da gaveta, deixar o poema de molho, esquecer ele por um tempo, e depois voltar a ele, ver se há algo que precisa ser modificado ou não. Usar o tempo como medidor. Não costumo mostrar minhas coisas para alguém, acho que é mais algo que tenho que sentir mesmo, embora talvez fosse interessante ter alguém para mostrar e dialogar sobre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende do texto. Poemas, notas e lembretes eu costumava escrever muito no caderno, passando para o computador conforme achava que o texto estava mais pronto, ou quando o caderno ficava completo – mas há já alguns meses que não pego no caderno. Ultimamente tenho feito isso mais no celular já que perco tanto tempo nessa porcaria e, convenhamos, é muito mais fácil fazer isso no celular quando se está no onibus ou na rua. Não importa com que frequencia se escreva no onibus, dependendo do trajeto sempre sai uns garranchos que só por deus. Mas a gente pega jeito nisso também, não vou mentir. Já outros textos, artigos, traduções, trabalhos, costumo fazer direto no computador mesmo, é mais fácil botar tudo no arquivo e ir escrevendo, editando e montando. Se estou escrevendo sobre algum filme ou livro, faço anotações no celular durante a leitura (antes fazia no caderno também) e depois parto para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm de tudo à minha volta, das coisas que faço, leio, vivencio e assisto. Já fui muito de fazer pastiches de autores por quais me interessei, acho que é sempre um ótimo exercício e uma ótima maneira de apreender o texto e assimilar outras estéticas, saber o que é de quem, o que não é, o que é seu, o que não é, conseguir traçar as diferenças entre você e o outro, o que “pode” e o que “não pode”. Principalmente de autores que nos impactaram de alguma forma e que nos marcaram muito. É bom fazer isso até pra se livrar um pouco dessa pessoa (mas com carinho). Acho que o conjunto de hábitos é sempre isso de estar lendo, observando outras áreas de estudos, outras formas de produção, sejam relacionadas à literatura ou não. E exercícios de escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto que antes eu escrevia muito, o que ajudou para o “amadurecimento” da minha escrita, mas também escrevia muito porque tinha muita empolgação ali, o que ajudou a manter certo ritmo. Sinto que com o tempo consegui ter um melhor olhar crítico sobre meus textos também, inseri-los dentro de um contexto e etc. O problema é que eu mudo muito de áreas de interesse, fico um tempo pensando só em cinema, depois um tempo só em poesia, depois um tempo só em prosa – quem sabe qual será a próxima – e assim vou mudando, não me especializando em nada. O Stefano do passado me diria “fica nisso, parceiro”, “não desanima”. E eu diria pro Stefano do passado ter paciência, trabalhar bastante o texto, dar tempo ao tempo, pensar sobre o que está fazendo com atenção para não se arrepender depois.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria muito de escrever um romance, acho uma coisa muito chique isso de ser romancista, escrever prosa, olha, tá de parabéns quem consegue. Já tentei algumas vezes isso de escrever prosa, todas um fracasso. O projeto que eu gostaria mesmo de fazer é adaptar “Os detetives Selvagens” e “2666” em uma longuíssima série. Mas não consegui entrar para esse mundo do audiovisual como deveria, e isso é aquela coisa de sonhos quiméricos. A verdade é que tenho abandonado mais projetos do que feito projetos, mas acho que é uma questão do momento de vida em que estou mesmo.
O livro que eu gostaria de ler e ainda não existe provavelmente ja existe, ou provavelmente não, pode até ser que eu já o tenha lido (ou não). Mas com certeza é aquele que depois de ler eu diga “gostaria de ter escrito este livro”. É um livro que deve estar em alguma encruzilhada, provavelmente sendo negado por alguma editora ou sendo abandonado por algum/a escritor/a que preferiu fazer qualquer outra coisa a escrever um livro. Tomara que um dia eu o escreva.