Sônia Peçanha é escritora, autora de Relógio dágua (Editora Patuá).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina preestabelecida, quando não há um compromisso profissional. Após o café, talvez uma caminhada ou simplesmente me entregar à leitura do momento. Deixo que o relógio do desejo coordene a agenda.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há uma hora determinada. Se é alguma tarefa com prazos definidos, me disciplino para cumpri-los. Poucos rituais. Música sempre é bem-vinda, de preferência instrumental ou estrangeira, letras em português me desconcentram. Muitas vezes, começo a escrever à mão, numa primeira etapa mais “visceral”, deixando a caneta ir vencendo o silêncio do papel. Depois dessa fase, o texto no computador, quando vem a leitura mais crítica e uma revisão inicial. Há então uma intervenção mais direta no texto, busca de palavras, reconstrução de períodos, corte de excessos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se há prazos a serem cumpridos, ainda que muitas vezes a procrastinação me faça enfrentá-los nos últimos segundos, o trabalho se intensifica. No entanto, nunca consegui criar uma rotina de escrita, como sempre almejei.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Há para mim um mistério no que dá origem a uma história. Pode vir de uma frase ouvida ao acaso, de um personagem que de repente sobressaia em meio a rostos anônimos, de uma ideia que surja de repente. Como escrevo contos, geralmente não há um trabalho maior de pesquisa. Também sou uma entusiasta de grupos de escrita. Além da troca constante com o grupo Estilingues, uma parceria literária de mais de 30 anos, vez e outra participo de oficinas literárias, principalmente no Estação das Letras, pois me agrada o estímulo para a criação e a troca que esses grupos me trazem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Todos os sentimentos rondam ameaçadores enquanto o tempo vai correndo. Geralmente, a exigência de prazos a cumprir acaba me levando a enfrentá-los. A incerteza sobre o resultado do que foi produzido é sempre angustiante e, nesse momento, é enriquecedor o olhar do outro, que me ajuda a rever o texto mais criticamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Geralmente umas três revisões na primeira etapa. Após essa fase, é fundamental a interlocução com alguns leitores escolhidos, geralmente amigos escritores que podem, com um distanciamento maior, fazer uma leitura mais crítica do texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Textos mais curtos, como contos e histórias infantis, geralmente inicio à mão. No entanto, projetos mais longos, como uma biografia romanceada em que trabalho no momento, são feitos direto no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas simplesmente surgem. Creio que o escritor está sempre atento ao que o cerca, como que à procura dessas histórias que esperam ser contadas. Ouvidos atentos, olhos para o que talvez não seja tão visível, sensibilidade aguçada são instrumentos que utilizo nesse constante processo de colher matéria-prima para o que vou contar. É comum para quem escreve receber enredos de amigos e conhecidos com o tradicional “você tem que escrever essa história”. No entanto, isso nem sempre funciona.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que hoje busco uma escrita mais fluida, mais simples, sem o excesso de imagens que marcam meus primeiros textos. Talvez por uma tendência a uma linguagem mais poética, procuro estar atenta ao exagero que pode empobrecer o texto. Esse equilíbrio entre a linguagem que encanta sem preciosismos é um desafio constante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A ideia de escrever um romance, uma narrativa mais longa, é projeto ainda não concretizado. No momento, trabalho num texto que se aproxima disso, uma biografia romanceada, que tem me ajudado a exercitar a disciplina. Os livros sempre me surpreendem e encantam. A cada nova leitura, descubro que o livro que gostaria de ler estava à minha espera.