Sonia Maria Mazzei é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Tenho uma rotina matinal. Acordo às sete horas, preparo o café da manhã. Gosto da mesa arrumada, de tomar café calmamente.
Sempre tenho um caderninho ao meu lado. Geralmente escrevo alguma coisa antes de sair da mesa.
Uma palavra que aparece de repente, uma frase, ou um poema que surge de uma só vez, como esse que inicia meu livro Revoada, lançado pela Editora Penalux (2017).
Convite
Queria te mostrar uns versos meus
mas eles se perderam e eu não vi
Alguns se esconderam não sei onde
E outros andam soltos por aí.
Queria te mostrar mas eu preciso
Que voltem para mim nessa manhã
Enquanto meu café ainda quente
Embaça a cor vibrante da maçã.
Como gosto muito de fotografar, alguns de meus poemas são ilustrados com fotos. Esse é um deles. Aproveitei a mesa posta, o café, as maçãs e tudo o que me inspirou naquele momento e cliquei.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Certamente à noite, mas não desprezo o poema que chega à luz do dia. Aproveito qualquer instante de inspiração. Mas à noite é que leio e releio em silêncio, em voz alta, rasgo, rabisco, acrescento, excluo, até me convencer de que está bom. É o oficio trabalhoso do poeta. “Trabalha e teima, e lima, e sofre e sua.”
Não tenho um ritual especial. Preciso do silêncio, da caneta e do papel. Só depois vou para o computador. E é no poema “Vigília” que confirmo a noite como companheira.
A noite
Deu-me a lua
E tempo
Para os livros
Sigo em vigília
Pelo prazer
Do rito
Do manuseio
E, por amar
Cada palavra,
Eu suponho
Mudei de vez
A hora
Dos meus sonhos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias. Nem sempre consigo. Há outros afazeres que por vezes me impedem.
É difícil criar metas, apesar de necessário.
Se um verso aparece, não o perco. Onde estiver anoto, guardo e marco um encontro com ele em outro horário.
Já perdi muitos poemas. Eles vêm e se não os seguramos, desaparecem para sempre:
Fugaz
Por vezes acordo
Com um poema pronto
Na ponta da língua
Mas esse hábito
De escovar primeiro os dentes…
Já os textos infantis saem quase sempre de uma vez. Tenho que estar disponível para eles. Os personagens têm pressa. Me levam pela mão até o final da história. Gosto de escrever para crianças. Cresci ouvindo histórias e isso está em mim.
Tenho apenas dois livros infantis publicados e outros já escritos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Procuro ler bastante. Se eu paro de ler, não escrevo. Anoto palavras, destaco textos, presto atenção em conversas, estou sempre atenta.
Um simples comentário, um bater de asas, um choro, uma canção, um grito, tudo me leva à criação.
Então começo a escrever. Poesia, prosa, literatura infantil, tudo está inserido nessa bagagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo adiar o que me proponho a fazer. Se tenho uma data para apresentar um projeto, certamente consigo cumprir.
As travas existem, até encontrar o caminho. O estresse acontece antes, quando começo a pensar no desenvolvimento.
Quando finalmente tudo começa a fluir, é só alegria.
É claro que o medo de não corresponder às expectativas existe. Penso então que se não for tão bom, servirá para que eu aperfeiçoe. No entanto, sempre procuro fazer o melhor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão dos meus textos só termina quando a editora me entrega os exemplares.
Antes disso, são várias, inúmeras leituras.
Tenho minha revisora, Cláudia Manzolillo, que caminha passo a passo comigo. Mostro, sim, para meus amigos ligados à literatura. Confio na opinião deles.
Meus filhos e meu neto são muito críticos, por isso meus textos também passam por eles.
Sei e gosto de ouvir. São bem-vindas todas as críticas.
Como é a sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é boa. Necessária. Adoro ver o texto digitalizado, arrumadinho, perfeito, mas sempre escrevo antes meus rascunhos à mão. Gosto de ver minha caligrafia “desenhando” o texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias surgem de repente. Sem hora nem lugar.
Tenho certeza, no entanto, de que muito do que li e leio, muito das experiências que a vida me proporcionou, são fatores primordiais no ato da criação.
Tudo fica enraizado, esperando o momento de florescer.
Para me manter criativa, cultivo o hábito de observar, ler um pouco de tudo e aproveitar cada palavra, cada som, cada gesto, cada movimento do mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros textos?
Muita coisa mudou. A vida mudou, os hábitos mudaram, meu texto mudou também.
Fiquei mais crítica, mais exigente, mais cuidadosa. No início, tudo parecia bonito, pronto.
Na medida em que percebemos que o poema precisa fluir, despertar algo em quem o lê, vamos buscando formas de aprimorá-lo. No meu caso, abuso das metáforas, gosto das aliterações, do ritmo cadenciado, da métrica perfeita ou quase…
Na medida em que chegamos à conclusão de que um poema precisa ser trabalhado, polido, é o momento de dizer: agora sim.
Quando escrevo um texto infantil, me dou conta de que as crianças de hoje também são diferentes. É preciso adequar a linguagem ao nosso tempo, sem perder o encanto dos contos de fadas.
Diria a mim mesma, em relação aos meus primeiros textos, que não os desprezo, mas que poderiam ser melhores.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto e ele já começou. Estou revisando meu próximo livro infantil. Quero lindas ilustrações para interagir com o texto onde os diálogos predominam. São oito histórias, costuradas uma a uma. Muita ação, ensinamento e divertimento.
Quanto ao livro que eu gostaria de ler, mas ele ainda não existe, faço minhas as palavras de Manoel de Barros: “As coisas que não existem são as mais bonitas”.