Sônia Barros é poeta, escritora de literatura infantil e juvenil.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Logo que saio da cama, costumo dar uma espiada no espelho do banheiro, mas não para “me” olhar nele. Num primeiro momento, quero saber se deixei ali algum lembrete. Pode ser algo prosaico, como comprar fraldas e remédios para minha mãe, pagar uma conta, ligar para alguém, mas também pode ser uma ideia que me acordou de madrugada e que anotei ali, com batom. Aliás, tenho um batom só para isso. São sempre poucas palavras, o suficiente para me lembrar do sonhado ou imaginado.
Às vezes, o que leio no espelho determina o que farei depois. Posso tomar um café em pé mesmo, na cozinha, enquanto coloco roupas na máquina para lavar, já pensando que, depois de responder e-mails, arrumar o apartamento, adiantar o almoço, terei que ir à farmácia, e, na volta, quem sabe, poderei escrever um pouco, mas apenas se der tempo.
Ou, então, tomo café com um caderno no colo, tentando dar vida à semente de um sonho. Foi o que aconteceu quando sonhei com a galinha cega que tive na infância e tive que me levantar no meio da noite para escrever seu nome no espelho. Tempos depois, a história dessa galinha, que me ensinou a ver o mundo com olhos de dentro, virou livro: Biruta.
Infelizmente, na maioria das vezes os lembretes não têm nenhuma poesia. São demandas cotidianas que me levam com a correnteza dos dias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No início da minha carreira, eu escrevia à noite e, muitas vezes, seguia escrevendo madrugada adentro. Era o único período que eu tinha disponível nos anos em que lecionava de manhã e à tarde. Por um bom tempo, lecionei à noite também, e só me restaram as madrugadas para escrever. Depois que meu filho nasceu, e deixei de dar tantas aulas, passei a escrever nos momentos em que ele dormia ou que ia para a escola. Agora, que ele cresceu, tenho minha mãe precisando dos meus cuidados, então, continuo escrevendo nas brechas de tempo, em qualquer período.
Quanto ao ritual que tenho, desde sempre, é a leitura de poetas que admiro: leio pelo menos um poema antes de começar a escrever. Também preciso de uma xícara de café (ou chá, se for à noite), silêncio e solidão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta, mas tento escrever um pouco todos os dias. Ou, pelo menos, voltar a textos já escritos. Faço anotações, leio, pesquiso. E quando consigo dar início a um projeto fico tão envolvida que acabo escrevendo bastante durante a noite, quando todos estão dormindo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Alguns temas que abordei em livros para o público jovem, como escolha profissional, adoção tardia, exploração do trabalho infantil, pedofilia e outros, exigiram muito tempo de pesquisa. Após essa primeira etapa, não tive muita dificuldade para dar início à criação literária. O mais difícil foi encontrar o tom de cada livro, de cada história. E, depois, colocar o ponto final, sentir que eu havia conseguido dar um recado, me comunicar com os leitores. Afinal, é para isso que escrevo. Alcançar e, quem sabe, tocar mentes e corações.
Nem todos os meus livros nasceram a partir de pesquisas, mas todos são frutos de um chamado, que pode vir de um poema, de uma ideia, de um personagem. Sinto uma espécie de urgência, necessidade de dar vida e voz a esse chamado. E esse processo é sempre longo, pode levar anos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Anos atrás, os períodos de “seca” (termo que o poeta Donizete Galvão usava para nomear os momentos em que a poesia parecia lhe dar as costas) me deixavam muito ansiosa. Mas hoje já consigo relaxar e esperar. Tento seguir meu próprio conselho, que está num poeminha do livro mezzo voo.
Ceva e espera: o voo da voz virá.
Procuro não ter expectativas quanto ao resultado do meu trabalho. A não ser, claro, alcançar o leitor, me comunicar com ele. Faço o que sou capaz de fazer, tentando aprender e melhorar a cada nova criação.
Quanto à procrastinação, nem sempre consigo evitar. Uma das maneiras de driblá-la tem sido reduzir o acesso às redes sociais, que facilmente dispersam e levam embora o tempo que tenho para escrever, já escasso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio inúmeras vezes, quase sempre cortando excessos, desejando deixar apenas o essencial. Persigo a clareza, a transparência e, sobretudo, a simplicidade. Acredito no que dizia Clarice, que só se consegue a simplicidade com muito trabalho. É um processo lento, que me deixa exausta, mas também me dá prazer, não saberia viver sem esse ofício. Sem as angústias e alegrias desse ofício que escolhi como projeto de vida.
Gosto de ler em voz alta, procurando repetições, sons desagradáveis, palavras desnecessárias. Também preciso sentir o ritmo, a musicalidade de cada frase ou verso. Depois, deixo o texto descansando por um bom tempo até voltar a ele e decidir se está pronto para ser enviado a uma editora. Às vezes, a leitura crítica de amigos escritores me ajuda nessa decisão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sei usar pouca coisa da tecnologia, mas tem sido suficiente. Gosto de acessar sites de pesquisas, dicionários (inclusive o de rimas) e gramáticas. Também uso as redes sociais para divulgação do meu trabalho, o que ajuda muito.
Para a criação, no entanto, ainda reluto em usar somente o computador. Meus primeiros textos foram escritos em cadernos, com lápis e borracha. E até hoje gosto de começar desenhando cada palavra, principalmente se for o corpo de um poema.
Só vou direto para o computador quando o texto é longo. Mesmo assim, conforme vou avançando na escrita, imprimo para fazer leituras e correções à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Difícil dizer como e de onde vêm as ideias… Acho que surgem de diversas maneiras e de diferentes lugares. Principalmente das leituras que faço. Não apenas dos livros, mas das pessoas, da natureza, da vida. Conversas e silêncios, acontecimentos, memórias… tudo o que vivi e continuo vivendo me oferece semente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muita coisa! Principalmente essa busca pela concisão, que passei a ter, cada vez mais, nos últimos anos. A procura da palavra exata, o desejo de conter o derramamento desnecessário. A tentativa de oferecer o silêncio das entrelinhas para que o leitor preencha.
Acho que não adiantaria dizer isso à pessoa que eu era quando comecei a escrever. O tempo, as leituras, o convívio com escritores e poetas, tudo isso foi necessário para esse amadurecimento, essa mudança. Que ainda continua, pois me sinto aprendiz.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Recebi um convite anos atrás de uma pessoa muito querida, do meio editorial, para um projeto precioso. No entanto, não consegui sair dos esboços. Esse convite acabou se tornando um desafio e, justamente por isso, é esse o livro que ainda não existe e que eu gostaria um dia de ler. Mas, sobretudo, gostaria que seu nascimento tivesse um sentido para alguém, além de mim. Como disse, escrevo na tentativa de alcançar mentes e corações.