Solange Damião é escritora e professora secundarista de língua e literatura portuguesa e inglesa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa cedo e agitado. Sou ligada no 220v e meu corpo responde a isso, faço caminhada pela manhã para que o meu dia esteja em completo bem-estar físico e mental. Adoro acordar cedo desde a infância. Estou sempre grata por levantar todos os dias e poder olhar a vida ao meu redor. Contemplo as mínimas coisas, recolhendo cada milagre do novo dia. Tomo meu café, converso com meus animais de estimação, ouço o silêncio matutino por instantes (algo que amo) e releio o que escrevi na madrugada para postar no facebook. Preparo minhas aulas e estudo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A partir da tarde, sinto-me mais disposta para o trabalho. À noite é quando me vem a inspiração, então começo a escrever algumas linhas, para concluí-las na madrugada. Não sigo normas. Escrevo direto no Word para ganhar tempo. Entretanto, quando não tenho um computador por perto, escrevo até no verso de notas fiscais, isso quando não consigo outra forma para anotar algum pensamento fugidio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na realidade, tenho a necessidade de escrever todos os dias e, se não o faço, fico deprimida como um peixe fora d’água e, se não mergulhar no mar do meu pensamento, não existo. Eu sou musicista também, talvez seja por isso que não fico longe das linhas melódicas. E posso dizer que sim, sigo uma meta: escrever um poema por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Primeiro mergulho na inspiração que, às vezes, aparece até mesmo em sonho. Então, levanto-me, escrevo e não sigo formas, gosto de liberdade, assim como o pássaro que voa no céu. Não gosto de pesquisar nada quando escrevo, para que eu sinta em minha escrita, a minha própria intimidade, sem possuir a interferência de outros autores. Por isso, torna-se muito fácil o processo de iniciação. Minha pesquisa envolve apenas as palavras que utilizo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Esse é um caminho que, penso eu, todo escritor percorre para chegar ao seu destino. No meu caso, caminho um pouco, contemplo a natureza, olho o ser que respira ao meu redor e pronto: escrevo. Na realidade, não penso no “medo”, mas atiro-me à vida e me permito fazer dela a ação na escrita. Aborto sonhos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Normalmente, reviso duas vezes. Entretanto, não releio muito, para que a escrita não seja prejudicada pela inclusão do momento. Penso que, cada instante é um instante, logo: não mexo em epifanias passadas. Não costumo mostrar meus trabalhos antes de publicá-los, pois para mim eles só fazem sentido se forem exclusivos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou muito bem relacionada com a tecnologia. Não gosto muito de rascunhos, porque já escrevo os meus poemas direto no Word. Faço muitos trabalhos de traduções, além de planos de aulas e projetos no ambiente escolar em que trabalho. Escrevo muito no celular e no computador. Embora utilize muito essas ferramentas, amo escrever à mão, às vezes passo horas e horas a escrever e a tatear com a ponta dos dedos o relevo da escrita no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de memórias, de experiências vividas, de contemplações da natureza, da própria vida em forma de constelações, ou até mesmo de uma formiguinha carregando folhinhas em seu trabalho (adoro apreciar um formigueiro). Na verdade, a criatividade não é uma receita, mas uma sensibilidade adquirida em “horinhas de descuido”, como mencionara o nosso amado João Guimarães Rosa. Basta que o nosso olhar seja nobre de sentimentos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou com a facilidade tecnológica. Eu, por exemplo, utilizava papel de pão para escrever. Quando criança e quando adolescente, ganhei uma máquina de escrever da minha avó, que custeou o meu curso de datilografia.
Mudou também o tempo. Atualmente, tenho maior disponibilidade, já que meu filho está formado e mais independente, oportunizando-me momentos para a escrita e para o canto erudito. Entretanto, a minha escrita ainda é sem pretensão alguma de edição, já que não estou envolvida em parcerias ou organização de antologias, embora tenha recebido algumas propostas. Isso só o tempo irá dizer.
Se pudesse voltar aos meus primórdios, diria para mim mesma que não acreditasse em banca julgadora, mas na minha própria intuição para que o meu sonho se realizasse.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre pensei em um dia escrever a minha autobiografia. Também gostaria de escrever letras musicais, pois sempre me vi no limite de dentro desse gênero tão completo que é a música.
Quanto ao livro que eu ainda não li, talvez a vida como ela é: nua e crua.