Sofia Ferrés é escritora, autora de En_vuelta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, tenho uma rotina, eu acordo muito cedo e procuro não me acelerar muito nessas primeiras horas do dia, ou seja, tento manter a mente ainda numa névoa, no clima do seja lá o que eu tenha sonhado. Procuro alongar essa sensação de manhazinha saindo logo em seguida, para caminhar e respirar ar puro… Não ligo o computador nem vejo notícias. Tenho sorte de morar num bairro arborizado e antes da sete é tudo bem tranquilo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Com certeza pela manhã, antes das oito. Caminho, escolho uma padaria da região, peço um café e escrevo o que vier à cabeça num caderninho, à mão. Seja lá o que for…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Essa escrita bruta acontece todos os dias, mais concentrada pelas manhãs mas sinceramente acontece a qualquer hora, se eu estiver numa situação de espera ou ócio. Tenho o caderninho sempre comigo. Se não o levo, é normal me ver pedindo papel em estabelecimentos.
De jeito nenhum que eu coloco metas. Escrever pra mim é, desde o começo, algo que eu decidi que seria um prazer, uma diversão. Se não for assim, não teria mais sentido. Metas é algo que soa com obrigação ou algo forçado, denso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Dessa escrita bruta, diria que 80% vai ficar no papel, porque é pura tralha. Há um trabalho de pescar o que tem potencial, e isso eu faço muito displicentemente… faço-o uma vez ao mês, é um trabalho menos prazeroso, para mim. A compensação é ver algo tomando forma e fazendo sentido, ver como os assuntos conversam e os poemas precipitam. Quanto mais tempo eu levo para fazer essa seleção, pior fica o resultado. Sinto que há uma validade a expirar aí.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se eu não tenho nada a escrever, simplesmente não escrevo e não chamo isso de trava. Entretanto, dificilmente isso acontece, eu estou sempre escrevendo, sempre com a caneta na mão. Isso não quer dizer que eu escreva sempre coisas úteis, apenas escrevo, nem que seja a lista do supermercado, ou descrevendo o entorno, ou como me sinto. Essa dedicação constante à escrita cumpre sua função, mas não tem muito valor literário.
Sobre corresponder às expectativas, eu escrevo para me divertir, gosto de rabiscar o papel e do processo todo. A escrita tem essa função na minha vida, o seu valor se encerra aí, com tudo o que isso me causa e me traz. O que vem depois disso são extras.
Acho que criei um contrato com a escrita: ou eu me divirto, ou você está fora. (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sempre que eu sinto que cheguei perto de um resultado legal, eu envio para um amigo escritor. Durante algum tempo caí na besteira de publicá-los numa página de Facebook pensando que o número de likes corresponderia a quanto o poema estava conversando com as pessoas. A fórmula não é essa, claro… Só uma pessoa na qual você confia no gosto, que tem conhecimento na área, e tem a coragem de te falar sinceramente uma opinião pode te dar um retorno de qualidade. Mas, de novo, não escrevo visando a publicação. Faço-o pela diversão, por esse intercâmbio artístico e para ir crescendo no fazer.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo com caneta nanquim 0.2 e papel de PH neutro. São preferencias de quem ilustra e tem formação em artes. Esses requintes são parecidos a quem, por exemplo, passa batom antes de escrever. Não deixam de ser rituais e, de novo, faz parte do divertir-se!
Quando vou selecionar aquilo que escrevi, faço-o no programa TextEdit. Fica bem bagunçado. Quando vou dar um formato final, envio o texto no corpo de e-mail a mim mesma. Acaba sendo meu arquivo, um tanto desorganizado. Não duvido que já tenha perdido alguns textos…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Às vezes sinto que são os poemas que vão se apresentando aos poucos: numa conversa, numa imagem, em resquícios de algum sonho… O papel do poeta é estar aberto a esses canais, observar tudo e todos, com curiosidade de ET. O yoga me ajuda muito a cultivar esse estado de observância, o estar presente e o não envolvimento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu já comecei a escrever sem muita expectativa com os resultados. Acho que isso é vital, retirar essa pressão interna do que será, e trazer leveza ao fazer. Não julgue o que está escrevendo, escreva soltamente, sem interferências de imaginar se alguém vai ler. Não se adiante: o momento de seleção não é o momento da escrita, é posterior.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de enviar meus escritos para poetas que não estão vivos e saber o que eles acham e ouvir suas dicas, por exemplo para Eugenio de Andrade ou Sophia de Mello, mas sem aporrinha-los muito em seu merecido descanso. (risos) Quem sabe um dia eu consigo algum médium que o faça!