Socorro Lira é compositora, cantora e poeta-escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente inverto os horários, durmo mais tarde. Ao acordar olho o Zap, alguma coisa no Messenger, Facebook, leio as notícias demolidoras de esperança e desisto do noticiário. Respondo coisas importantes ainda da cama. Depois, café e sigo fazendo o que precisa ser feito. Como quando tenho fome, durmo quando tenho sono. O mundo aqui é meio caótico (no sentido da Teoria do Caos mesmo).
Em que hora do dia
você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a
escrita?
O ritual é sentir
vontade, é quando vem uma ideia, uma luz e a gente ajeita essas impressões num
texto. É como dar uma forma ao que, nesses tempos, anda tão disforme ou
confuso. Acho que toda época tem seu ‘calcanhar de Aquiles’ cantado ou descrito
por quem gosta de escrever e contar causos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Normalmente em momentos de ‘insights’ que podem durar alguns minutos, meio dia, um dia, uma semana – que já é muito. Não tenho meta e o processo é desordenado. Além das canções (sou compositora), tenho publicado mais poesia, textos curtos, portanto. Em 2018 publiquei um livro infantil com um conto, uma história longuinha; e tenho um primeiro romance que espero publicar nesse ano de 2019. Aí, sim, uma narrativa mais longa. Escrever histórias compridas implica mais tempo e dedicação. Para fazê-lo, sinto que devo pegar ritmo, estabelecer um mínimo de disciplina. A ver como será.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou da música, compositora habituada a textos curtos. Embora eu tenha três livros de poesia e um infantil publicados ainda não sei dizer bem dos processos de escrita.
Mas, noto que o ponto de partida é o momento em que vem a ideia, um insight (sou psicóloga de formação, por isso essa palavra é recorrente), a necessidade de escrever para segurar o pensamento. Nesse sentido a escrita é linda e já, em si, poética: segura os pensamentos, sentimentos… impressões do mundo para comunicar ao mundo logo mais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Adio bastante. Sigo o fluxo. Como não tenho compromisso de entregar um livro, já que ninguém me encomendou um ainda, sigo o ritmo que dá para seguir conciliando com muitas outras coisas que preciso fazer ao mesmo tempo. É como tanger uma boiada aonde a vaqueira vai margeando, juntando as reses que ameaçam se perder pelos cantos.
Tento não criar e nem alimentar expectativas, nem sei se alguém vai ler. Procuro me orientar pela sinceridade do que digo e pelo desejo de compartilhar, por meio do texto, alguma coisa que me ocorre, provoca ou encanta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes antes de publicar. Costumo fazer amigas de cobaias-leitoras (risos) sempre que acho alguém disponível para isto. É bom ter outros olhares, até para ver se o que o texto carrega faz algum sentido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Agora sempre no computador e no editor do telefone mesmo. Infelizmente perdi o hábito de escrever à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vivo. Procuro viver conforme a natureza como faz a batata debaixo do chão. Essa era uma metáfora usada para definir gente que não se encaixava e que quebrava regras arbitrariamente impostas, quando eu era criança no sertão nordestino. Cada vez mais me ponho a “imitar” as batatas que crescem debaixo da terra sob leis naturais e universais. O que vem daí é lucro. No meu caso, escrever e cantar são consequências de estar viva e vivendo. Sei lá…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que me desfiz de umas fórmulas ortodoxas da poesia nordestina, que é linda também. Eu me diria que é isso mesmo, a gente começa do começo e vai vendo no que dá. A função não é traduzir, minimamente, o como estamos em cada fase da vida? Não é a expressão de quem somos em cada “agora’? Pois.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto mais ambicioso é ver o fim do patriarcado, ou seja, o nascimento de um mundo justo, pacífico e bom para todas as formas de vida (tudo vive!). Isso pressupõe a consolidação de um novo paradigma e, sob este pensamento, o surgimento de uma humanidade bondosa onde a gente possa (e saiba) se expressar livre e responsavelmente. Penso que a Mecânica Quântica nos ajudará nisto, nesse novo milênio.
Quem sabe eu encontre um livro ou escreva sobre ‘um velho mundo ruim que morreu’ e só precisa ser enterrado de vez. Ainda que, por ora, seja ficção.