Simone Pedersen é escritora e doutoranda em educação na UNESP (Rio Claro).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o meu dia fazendo uma lista de tarefas que preciso realizar naquele dia, caso não tenha compromissos externos. Gosto de primeiro organizar minha mesa, papéis, separar o que preciso ler, o que preciso escrever, o que preciso resolver fora de casa, etc. Abro meu e-mail e deleto tudo o que for possível. Verifico os e-mails que trazem novas tarefas do doutorado, mensagens sobre trabalho literário e pessoais – nessa ordem. Se eu não organizar minhas tarefas e planejar a sequência delas, é possível que o dia acabe e eu tenha feito muito menos do que poderia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de trabalhar quando estou sozinha, em silêncio. Isso pode ser de manhã ou ao anoitecer. No período da tarde é quando sou menos produtiva. Por isso, preciso me engajar nas tarefas antes do almoço. Se já comecei, no período da tarde eu continuo, sem problemas. Iniciar uma tarefa depois do almoço costuma ser mais custoso. À noite, posso trabalhar até de madrugada. Entretanto, evito trabalhar depois das 23h, porque não tenho mais a mesma disposição de quando era jovem. Se passo a noite trabalhando, no outro dia estou lenta. Dessa forma, eu acabo produzindo menos do que poderia se tivesse dormido bem. Não compensa trocar o dia pela noite.
Eu creio que meu ritual para escrever é o da organização. Gosto de ter tudo em ordem para a minha mente fluir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo em períodos concentrados. Veja bem, antes eu escrevia todos os dias, no início da vida literária, no ano de 2008. Depois, vieram os chamamentos externos e resolvi estudar. Em 2015, entrei no mestrado e, em 2017, no doutorado, ambos em Educação. Naturalmente, com a publicação de livros e recebimento de prêmios, convites começaram a chegar. Recebo convites para visitar escolas, dar cursos e oficinas para alunos e professores, participar de feiras literárias, congressos, escrever prefácios, resenhas, leitura de livros, entre outras atividades. Além disso, eu tenho interesse em participar como ouvinte ou aluna em cursos, feiras literárias e congressos, etc. O tempo, simplesmente, não é suficiente para tudo. Então, a escrita tem que ser planejada. Trabalho com uma agenda lotada. Nos meses de aula, pode ser difícil ter tempo para a escrita literária.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em primeiro lugar, nem sempre compilo notas. Se não houver pesquisa envolvida, não uso notas. São dois os meus tipos de escrita, a intuitiva e a estruturada. Na escrita intuitiva, eu monto a história na minha cabeça, pode ser quando vou dormir, estou dirigindo ou em uma fila. Depois, eu sento e escrevo. Claro que depende do tamanho do texto. Se é um romance, não monto a história inteira na cabeça. Nesse caso, tenho as linhas gerais e, aos poucos, vou escrevendo. O mesmo se for um conto longo. No caso de crônicas, histórias infantis, e até poemas, eu penso no texto por completo e depois coloco no papel. Não é uma regra, não é sempre assim. Mas, na maioria dos casos, é como funciona para mim. Nunca é difícil começar, porque já sei o que vou escrever antes de me sentar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em primeiro lugar, acho que procrastinação é algo diferente de trava na escrita. Eu entendo que trava na escrita é um bloqueio, que pode ter vários motivos. Um deles, é a autoeficácia fraca. Nesse caso, a pessoa duvida de sua capacidade de escrever aquele texto específico, e trava. Outro motivo pode ser o momento que a pessoa vive, ansiedade, doença, ou seja, seus estados fisiológicos, e aqui entra o medo de fracassar. O medo de não corresponder às expectativas está nesse processo. No meu caso, sou uma pessoa realista e não tenho grandes expectativas quando produzo um texto. Alguns dos meus textos ficam muito bons, outros bons, e ainda tem os que não ficam bons. Tento fazer o melhor que posso, mas escrevo porque preciso exteriorizar meus sentimentos e pensamentos, e não para agradar terceiros. Claro, quando escrevo para crianças, que é um público pelo qual tenho o maior respeito, procuro sempre ser a mais cautelosa possível, no sentido de não passar preconceitos ou opiniões minhas, promovendo sempre que possível um texto que provoque reflexão. No começo não era assim, eu achava que tinha o direito e a capacidade de escrever para crianças ditando o que é certo e errado, infelizmente. Para o público adulto, tenho menos precauções. São pessoas amadurecidas e capazes de perceber quando um personagem não deve ser modelo para elas.
Se for uma encomenda, espero atender às expectativas de quem encomendou, ao mesmo tempo que não me abalo, porque se a pessoa me escolheu, é porque ela gosta do meu estilo. Se for um concurso, sei que são muitos os concorrentes competentes, não faz sentido me abalar porque não fui melhor que eles. O fato de ter ganho muitos concursos me traz certa tranquilidade. Não abala minha autoeficácia se não ganhar um concurso. Tem espaço e tempo para todos os escritores, e nem sempre é a minha vez. Simples assim.
No caso da procrastinação eu entendo que está relacionada a autorregulação, ou seja, é o processo pelo qual a pessoa gerencia seus próprios comportamentos, pensamentos e sentimentos, para atingir uma meta. A pessoa se autoobserva, faz um julgamento do comportamento e pode reagir. Pessoas autorreguladas planejam, executam e avaliam suas atividades, mudando o comportamento quando não é efetivo para obtenção do objetivo estabelecido. Ou seja, elas não procrastinam, e se o fizerem, identificam a procrastinação e mudam o curso de comportamentos para efetivamente voltarem a ser produtivas. Com a organização que faço, quando chega o momento de determinada tarefa, dificilmente eu a procrastino.
Em relação aos projetos longos, é só fazer o que as pessoas autorreguladas fazem. Manter a motivação durante o processo, estabelecer submetas para não desanimar, como por exemplo, colocar prazo para cada capítulo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do texto e do prazo. Se tenho tempo (e dinheiro), mando para pareceristas, que são as pessoas competentes para avaliar um texto. Também gosto de ouvir as opiniões de alguns amigos escritores, mas somente daqueles que são sinceros. O problema de mandar para amigos é que muitas vezes eles preferem não criticar para evitar ressentimentos. Quando percebo que um amigo não foi sincero e só elogiou, eu não mando mais para ele. No geral, mando muito pouco para amigos e muito mais para pareceristas, que são pessoas isentas. Ainda, se tiver tempo e dinheiro, mando para uma boa revisora. Eu mesma releio algumas vezes, e tento deixar dormir uns dias, ou semanas, para finalizar, porque a releitura imediata nos engana e não enxerga erros. Também sei que o mesmo texto quando mando para diferentes pareceristas, volta com diferentes pareceres. Procuro as semelhanças e identificar o que é gosto pessoal. Nesse caso, eu julgo que cabe a mim acatar ou não a sugestão. No caso de tecnicidades eu sempre acato.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou uma pessoa que usa a tecnologia, todavia, não sou expert. Não escrevo à mão. Minha letra ficou horrível, de tanto que não pratico. Apesar das minhas limitações, uso muito a tecnologia básica, como as redes sociais, gosto de pesquisar em outros países além do Brasil quando preciso me aprofundar em um tema, mantenho arquivos em HD externo, nas nuvens, em pendrives, sempre estou com medo de perder o notebook.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de vivências pessoais ou vicárias. Da observação do mundo e das pessoas, dos meus sentimentos e emoções. Não tenho um conjunto de hábitos, mas ler outros autores, assistir filmes, viajar, observar a fauna e a flora, fotografar, ouvir histórias de vida de outras pessoas, e pensar muito, refletir sobre o que se passa ao meu redor, normalmente são gatilhos para uma nova ideia. No caso da escrita acadêmica, são as leituras, participações em congressos, aulas, seminários, conversas e discussões sobre temas acadêmicos, entre outras vivências na academia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que sou mais precavida. Releio mais, mando para revisores, pareceristas literários ou colegas acadêmicos quando é texto acadêmico. Aprendi muito com a leitura de livros e artigos. A leitura é fundamental para você ampliar seu repertório. Pessoas que leem pouco não têm noção do quanto sua escrita é limitada. Elas podem escrever bem, porém dentro de um espectro estreito. Porque lendo outros autores, aprendemos por modelação vicária, percebemos estratégias, possibilidades e, ainda, notamos os erros que cometeram e comparamos com a nossa escrita. Participei de muitas oficinas que desvelaram muitos vícios de escrita que tenho. Acho que o que mais me impactou, foi o retorno dos pareceristas. Aprendi muito com os erros que eu cometia. Isso não significa, obviamente, que não cometo mais erros ou que sempre escrevo textos bons. O que significa é que ao receber pareceres de especialistas, você identifica seus erros e os comete menos, melhora sua produção, dentro das suas limitações. Ninguém sai de uma oficina ou de um curso e aprendeu 100% do que foi apresentado. Mas, aos poucos, você vai assimilando e melhorando.
Se eu pudesse voltar à escrita da minha dissertação (a tese estou escrevendo agora), eu seria mais focada, delimitar mais o problema e fazer um levantamento mais profundo. Estreitar e aprofundar. Ao estreitar e aprofundar, seja um texto acadêmico ou literário, você sempre melhora a qualidade.
Foi muito difícil, para mim, aprender a escrever academicamente. Vindo da literatura, onde a criatividade e a forma da escrita eram as bases do sucesso, entender as regras e objetividade da escrita acadêmica foi um processo doloroso. Continuo aprendendo e espero que fique cada vez mais fácil navegar por esses diferentes mares.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever livros sobre Filosofia para crianças. Para isso, preciso estudar muito primeiro, e ainda não tive tempo. Tem muitos livros que gostaria de ler e que já existem, muitos estão em pilhas sobre a minha mesa, aguardando. Quanto ao livro que eu gostaria de ler que ainda não existe, é um que ajudasse as pessoas a refletirem e perceberem o quanto estão sendo manipuladas, fanáticas ou preconceituosas. Que ajudasse as pessoas a conhecerem a si mesmas. Poderia ser um romance, com prosa poética, e personagens profundos, lidando com suas próprias cegueiras, e que encontrassem na trama gatilhos para repensarem seus próprios comportamentos.