Simone Mota é escritora de literatura infantil, autora de Que cabelo é esse, Bela? e Peixe de abril.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa cedo, independente da hora que vou dormir. Tenho dois filhos, um de 10 (quase) e outro de 14 anos. Eu e meu marido intercalamos o compromisso de levá-los à escola. Então, quando é meu dia, minha rotina começa após deixá-los lá. Procuro me exercitar logo em seguida, porque depois que sento para trabalhar, em geral, só levanto quando toca o alarme do celular lembrando a hora de buscá-los.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu ainda não posso me dar a esse luxo de escolher o melhor horário, mas prefiro a madrugada. Gosto do (quase) silêncio da noite. Mas, atualmente tenho uma rotina de trabalho matinal para conciliar com horário escolar dos meus meninos. Em geral, deixo algumas leituras, redes sociais, WhatsApp e e-mails para o turno da tarde. Entre um “mãe” e outro é mais fácil responder um e-mail que escrever, reescrever ou ler algum livro ou material importante para o trabalho. Não tenho ritual de preparação para escrever. Só tomo sempre café durante o trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente. É como beber água. Dá pra ficar o dia todo sem, mas a sede ficará dando sinais da falta dela o dia inteiro. O que não quer dizer que saem laudas todos os dias. Ao contrário, em geral é um ponto, uma palavra, um parágrafo.
Já tentei estabelecer meta de escrita diária, mas não deu certo. Porque fiquei muitas vezes na angústia da ausência, da folha em branco. Minha meta não se limita mais a sentar e produzir linhas, ideias, sinopses ou parágrafos. Pensar, reparar, ler, reescrever… Tudo isso compõe a minha meta de escrita. Às vezes (ou sempre), uma leitura traz muito mais ganho para sua meta de escrita do que a auto exigência da produção escrita propriamente dita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não tenho um processo único. Cada história acontece de um jeito. Costumo registrar a ideia, ou o desejo de contar uma história, da forma que ela aparece para mim. É realmente muito eclético. Para escrever o livro Peixe de abril precisei fazer pesquisa sobre o dia da mentira em outros países, especialmente sobre como era essa tradição na França. Acho meus processos caóticos e particulares. O que é comum neles é a construção das personagens. Mesmo sem ter essa necessidade, gosto de traçar o perfil das personagens, conhecê-las.
Gosto também de pesquisa. Sou formada em Estatística. Meu movimento de um lugar para o outro é natural. A pesquisa é realizada por necessidade ou curiosidade. O importante é saber o que vale para a sua história do que você pesquisou.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
“A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão”. É assim que vou lidando com essas travas: acendendo estrelas. Tudo isso faz parte da vida do autor. Aliás, da vida de qualquer profissional comprometido com seu ofício. Todo mundo, ainda que negue, quer ser aceito, bem recebido. Ninguém trabalha para dar errado. O medo é substantivo da vida. E talvez procrastinar seja o verbo perfeito para fugir do medo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos nunca estão prontos. Tenho muita dificuldade de colocar ponto final nas histórias. Cada vez que leio, encontro algo para mudar. Reviso muito meus textos até ser capaz de submetê-los à leitura de alguém. Mas eu tenho um amigo, um agente literário não nomeado oficialmente, que é muito generoso e honesto comigo. Ele lê e aponta criticamente, e curiosamente nossa amizade sobrevive.
Lembro que uma vez pedi ao meu marido para ler uma história que escrevi para um concurso literário, e ele me disse que não entendeu nada. Foi duro! Já tinha submetido o texto, e ele era tão claro pra mim… Não ganhei o concurso, e acabei não voltando mais a essa história porque aconteceu um fato inusitado, o arquivo sumiu. Sorte dos leitores.
Meu medo de mostrar para alguém ler está diminuindo. Meus filhos, marido, e alguns amigos sempre leem, e opinam. Às vezes, também converso sobre os textos para ouvi-los sobre o que estou escrevendo. Fico muito tempo com os meus textos antes de submetê-los. Gosto de deixá-los guardados, inclusive de mim, depois que “termino” a história.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo no computador, geralmente. Mas sou apaixonada por papel. Vivo afogada neles. Na semana passada fiquei procurando o primeiro episódio de uma série que estou escrevendo e não encontrava. Já estava resignada, quando lembrei de um rascunho que estava usando nesse processo. Achei, digitei e salvei.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Milton Hatum disse uma frase com a qual me identifico: “Quem viveu intensamente até os vinte anos é só esperar mais uns quinze para começar a escrever”. Gosto de usar essa frase para brincar com a coincidência de ter começado nessa idade.
É a vida que alimenta as ideias. A nossa vida, a vida da família, dos amigos, a vida de quem não conhecemos, a vida dos personagens lidos e assistidos… A vida é cheia de histórias. E a partir do ponto que essas histórias me afetam, escrevo as minhas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo mudou e continua em processo de mudança. Meu processo de escrita caminha lado a lado com aprender e estudar muito sobre isso para trabalhar cada vez melhor. Eu não diria nada à Simone dos primeiros textos se pudesse voltar, porque não seria quem eu sou hoje se aquela Simone fosse outra.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos. Estou sempre rascunhando os projetos que quero fazer. Então, de alguma forma eles já começaram. Gostaria muito de finalizar o projeto Lumière do Samba que iniciei com minha amiga Elodie Lacaze, de ter apoio para fazer um projeto multimídia inspirado em uma história que tenho guardada há uns seis anos, e publicar um romance, são alguns dos projetos em curso. De vez em quando acho que já existem todos os livros que desejo ler, mas não os encontrei ainda. Por outro lado, gosto da ideia de ‘tudo novo de novo’.