Simone Mota é escritora de literatura infantil, autora de “Peixe de abril”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu costumava organizar a minha semana de trabalho de acordo com o horário de aulas dos meus filhos. Deixava os trabalhos que me demandam mais silêncio para o turno da manhã ou fim da noite. Mas a pandemia mudou tudo. Agora na minha casa funcionam duas escolas e dois escritórios de trabalho. E imagino que na casa dos vizinhos também pelo que ouço.
Sobre os projetos eu gosto de ter vários. Gosto de descansar dos meus textos quando estou apegada a eles. Porque isso nos dá a falsa impressão que está tudo maravilhoso. É bom sair deles, respirar e ficar olhando de fora. Ter vários facilita essa prática.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Escrever é o meu trabalho principal. Embora eu também faça outros trabalhos todos são relacionados à cultura literária. Então, como todo trabalho, exige planejamento e muita organização. E como toda arte, a arte escrita acontece e flui em momentos não programados também. Por isso, meu planejamento semanal é todo rabiscado.
No livro Olhos D’água, da Conceição Evaristo, tem um conto chamado A gente combinamos de não morrer que diz no final “Escrever é uma maneira de sangrar”. Difícil saber onde sangramos mais.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu tenho uma rotina de trabalho, mas não tenho uma rotina para escrever um livro. Meu processo de escrita é caótico e diverso. Cada livro demanda uma rotina de escrita diferente. Mas tem duas coisas que sempre faço: pesquiso sobre o que estou escrevendo e deixo a história descansar das minhas ideias.
Eu amo o silêncio. Ainda uso bastante a madrugada para escrever. Mas também aprendi com a realidade que eu vivo a encontrar silêncios na ausência dele. O silêncio absoluto não existe nesse mundo. Eu tenho um local de trabalho na minha casa desde antes da pandemia. Mas nem sempre é lá que escrevo. Meu celular e caderninho andam comigo pela casa para quebrar as imposições da rotina.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Acho que não. Travar é tão natural quanto o medo de travar. Talvez procrastinar seja uma forma de lidar com as travas.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Em cada momento as dificuldades são diferentes. Não sei dizer qual deu mais trabalho. Mas o meu mais recente trabalho publicado – o livro Que cabelo é esse, Bela?, pela Editora do Brasil, me deu bastante trabalho no desenvolvimento da história. Demorei para achar o caminho para contar a história. Tenho muita gratidão ao incentivo que a Anna Claudia Ramos me deu nesse processo. Esse livro vem fazendo uma trajetória muito bonita e interessante, e marca muito o que eu venho fazendo desde então.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os temas nos escolhem. São eles que estão aí espalhados aguardando a autoria. Escrever sobre determinado tema não faz parte das minhas escolhas. Mas acho natural que no processo da escrita eu identifique que a minha história tem uma trilha dentro de determinado tema. Meu interesse está na produção de narrativas negras, especialmente para o público infantojuvenil.
O leitor ideal é aquele que dialoga com a história que eu escrevo. Um leitor que transforma a história em nossa história. Essa parte mercadológica relacionada à capacidade leitora é a editora que vai cuidar com seus profissionais que tem para isso, se for o caso.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
No fundo eu nunca me sinto à vontade para mostrar meus rascunhos para outras pessoas. Mas o trabalho com a narrativa audiovisual tem me ajudado. Porque são trabalhos mais coletivos. E, além disso, a vida me presenteou com duas amigas maravilhosas, que são autoras e roteiristas, e nós trocamos muito sobre nossas histórias.
Eu também converso muito com meu marido, meus filhos e uma de minhas sobrinhas sobre os meus projetos, e respeito muito a opinião deles como leitores. Eles costumam ser os primeiros leitores. Na medida da disponibilidade de cada um, também solicito a leitura de alguns amigos. Quando posso, contrato a leitura de um profissional, um leitor crítico. Acho importante, especialmente para quem está começando ou experimentando um gênero diferente.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Sim. Esse ano completarei 10 anos da publicação do meu primeiro livro.
Todo mercado tem uma dinâmica de trabalho. Um funcionamento típico. E alguns conhecimentos são fundamentais para quem está começando, e eu os descobri estudando. Antes de fazer uma oficina de escrita, eu decidi participar de um worshop sobre o mercado editorial, desde a experiência do autor até a venda de livros para editais. Queria entender o mínimo sobre o que estava escolhendo para minha nova vida profissional.
O caminho que a gente percorre nos faz chegar a cada etapa como somos.
Mas eu gostaria que alguém tivesse me falado que um caminho interessante para iniciar a carreira de escritor é ganhar um prêmio literário reconhecido pelo mercado editorial.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Cada pessoa é única. Bebemos em fontes muito semelhantes, no que se refere às normas da escrita, mas o que somos e vivemos nos leva a escolhas narrativas diferentes. Sou muito observadora. Simone é aquela que ouve. Faço juz a esse significado. Gosto de conversar. Já me disseram que isso aparece nas histórias que escrevo. O que eu busco mesmo é contar cada dia melhor as histórias que os livros que escrevo carregam.
Tudo que eu leio me influencia. Como escritora sou acima de tudo uma leitora. Das autoras de literatura infanto-juvenil a Sylvia Orthof é uma das que me influenciam porque reacende a criança que me habita. Assim como a Conceição Evaristo pela riqueza de suas personagens.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Recomendar um livro é muita responsabilidade. Recentemente recomendei muito o Marrom e amarelo, do Paulo Scott e o Ideias para adiar o fim do mundo, do Ailton Krenak. Amo Ponciá Vicêncio, da Conceição Evaristo. Ana e a margem do rio, do Godofredo de Oliveira Neto é um juvenil maravilhoso. Gostaria que todos lessem Quarto de despejo, da Carolina Maria de Jesus. E dos novos autores tem O sol na cabeça, de Geovani Martins.