Simão de Miranda é professor, escritor e palestrante, autor de 60 livros para professores e crianças.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Concilio minha vida de escritor, com a de professor. Meu dia começa sempre muito cedo, em geral levanto-me às 6h ou 6h30. Quando não estou como professor, em geral as noites, finais de semana, feriados, férias e recessos escolares, grande parte dos dias reservo à produção intelectual-literária. Assim, após os procedimentos de higiene, faço o café e vou ao computador. Passo a vista nas notícias, respondo e-mails, redes sociais e disparo divulgações das minhas ações com autor: loja virtual, palestras, vídeos novos no meu canal (youtube/simaodemiranda), etc. Acesso o check-list das atividades a produzir na semana: uma história em processo de criação, histórias arquivadas que me solicitam revisitas, contatos com meus editores, eventualmente uma ideia nova que tenha me ocorrido no sonho da noite, consultorias editoriais, planejamentos de minhas aulas, etc. Abro sempre múltiplas janelas no editor de textos e vou alternando meu trabalho entre elas. Paro às 10h para um lanche e um café expresso e retomo o ritmo, que vai até às 11h quando paro para fazer o almoço. Como na maioria dos dias estou como professor, estas atividades que citei ocorrem nos entremeios temporais da rotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A melhor hora para trabalhar é aquela disponível. Seja a que surge inesperadamente ou a que estava reservada para a atividade de escrever. Sou um autor compulsivo, mas que sempre trabalho com prazer absoluto. Portanto, qualquer hora do dia é bem-vinda e busco usufrui-la com a máxima dedicação e produtividade. Talvez considere como ritual de preparação para o ato da escrita: sempre que ligo o computador respondo aos meus leitores no email, nas redes, no WhatsApp e no meu canal. Nunca deixo para depois e ninguém fica sem resposta. Feito isto, abro o check-list da semana. Esqueci de dizer que o faço ao modo antigo, à caneta em caderno do tipo espiral! Feito isto, abro e minimizo todos os arquivos relacionados às demandas apresentadas, e aí eu começo, me alternando entre eles, como já disse.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo muito todos os dias, de domingo a domingo, dias úteis e feriados, sempre que minha atividade docente permite. Em quase absoluta das vezes, não estabeleço meta, a não ser em raríssimas exceções, quando os editores me apresentam um prazo não muito confortável para finalização dos originais. Ao longo destes 34 anos como escritor e sessenta livros publicados, inevitavelmente construí e consolidei a necessária disciplina e a habilidade de otimização do tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como escrevo para dois segmentos, literatura para crianças e obras de referência para professores, os processos também são diferentes. Na literatura para crianças (cujas editoras que me publicam atualmente são Franco, Elementar, IMEPH e Mais Amigos), onde há mais inspiração do que transpiração, geralmente percorro dois caminhos: quando a demanda vem das editoras ou quando a ideia nasce comigo. Na primeira situação, já sei que o editor fez o levantamento das lacunas acerca daquele tema no mercado livreiro e/ou no atendimento de demandas nas escolas. Neste caso, já começo na etapa de criação propriamente dita, o estudo ultra-criterioso sobre o tema, a criação das personagens, a definição do padrão linguístico em coerência com a faixa etária e desenvolvimental do publico ao qual se destinará, só aí que começa a aparecer a história. Quando a inciativa de criação é minha, são dois movimentos: se o primeiro que vem é a ideia da história, pesquiso se o tema já está suficientemente contemplado na produção editorial, por meio dos websites das principais editoras. Se sim, descarto a ideia ou busco dar um diferencial de abordagem que possa realmente distingui-la das demais. Outro percurso é consultar documentos curriculares da Educação Básica, sobretudo da Educação Infantil e Anos Iniciais, promovendo as devidas articulações no sentido de favorecer adoções nas escolas. Quanto ao tempo investido na produção da literatura para crianças, às vezes, consome muito tempo (há livros que levaram um ano, um ano e meio de trabalho), às vezes um mês, uma semana, e até um dia, como já me ocorreu!
Na produção voltada a professores (cujas editoras que me publicam são a Vozes, Papirus, Paulinas, Autores Associados e Mais Ativos), sendo acionado ou não pelas editoras, o processo é intensamente mais intelectual. Isso me obriga a estudos densos sobre o tema, dos pontos de vistas teórico, conceitual, epistemológico, pedagógico e didático. Aqui é mais transpiração do que inspiração! São processos sempre demorados, que podem levar anos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Honesta e afortunadamente, nunca vivi situações de bloqueios ou procrastinações, me considero muito disciplinado no uso do tempo. Talvez ao contrário, são muitas as vezes que tenho que colocar limite, seja na extensão ou no preciosismo na produção textual. As tais correspondências às expectativas também não me afetam, penso que uma carreira longa e consistente produção, 34 anos e 60 livros, publicações e palestras no exterior, acabam dando a segurança necessária à minha atividade de escritor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio dezenas e dezenas de vezes e, em cada uma delas, promovo muitas alterações. Sempre fico insatisfeito com o resultado, teima a certeza de que poderiam ficar sempre melhores. Mas chega a deadline e eles têm que ser finalizados, mas a sensação é que sempre ficam abertos. Minhas histórias para crianças, quando a margem de tempo permite, mostro para meus sobrinhos Theo e Esther, que ainda são crianças. Antes, submetia às criticas da minha filha, Júlia, que se tornou adolescente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou super tecnológico, desde os primeiros apontamentos, tudo no computador. Manuscrito mesmo, só meu check-list. Não me perguntem por quê! Tenho uma pasta intitulada Obras, dividida em Publicadas, Em Construção, Prontas para Envio aos Editores, Ideias para Obras Futuras. Sempre com cópia salva em nuvem.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
No campo da literatura para crianças, tenho o hábito de sonhar histórias. Algumas, apenas ideias vagas, outras em fragmentos e até histórias completinhas! Quando o sonho é fértil, já me ocorreu de sonhar tudo isso na mesma noite. Muitas se perdem, quando acordo e não me lembro delas, só fica o registro que houve o sonho, o que me deixa frustrado. Muitas, ao me levantar, já corro para anotá-las. Mas, nem só de sonhos vive o escritor, não é? Há vezes, não há a ideia, eu preciso construí-la, sobretudo quando é para atender a demanda de editores. Nessa hora a transpiração prevalece sobre a inspiração. Para alimentar o potencial criativo, no campo da literatura para crianças, leio muitos livros deste gênero. Desde autores consagrados a novatos. Busco conhecer de forma crítica o que há de novo no mercado editorial para este público exigente. É sempre, para mim, oportunidades imperdíveis de aprendizagem: me esforço em não cometer os seus erros e praticar os seus acertos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Fui refinando minha técnica de escrita, definindo um estilo próprio no campo da linguagem e da forma, o que propõe intimidade com o leitor, seja a criança, seja o professor, o que já há algum tempo é reconhecido por quem me lê. Eu diria àquele sonhador e iniciante escritor Simão de 1987. Foi quando publiquei minha primeira obra, tinha 23 anos, foi um livro de poesias para adulto. Eu não ousava escrever para crianças, na verdade, temia e tremia só de pensar. Considerava um desafio que jamais superaria, sempre considerei uma imensa responsabilidade. Tanto que só publiquei meu primeiro livro para crianças em 2005, isto é, 18 anos depois! Isso mesmo: foi como se eu tivesse esperado me tornar maior de idade para penetrar neste território sagrado. Entre estas duas datas, publiquei contos e crônicas adultas e obras para professores. Pois bem, eu diria a ele:
– Moço, leia livros para crianças, leia muito! O resto a história dirá!
Após meu primeiro livro para crianças, em 2005, vierem outros 24!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São tantos! Quero publicar um livro capa dura, acho chique e não o tenho! Quero ainda produzir um livro pop-up, criativo e inovador; alimento também o desejo de produzir uma história em holograma. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe? Esta é uma pergunta intrigante e mágica! Ao mesmo tempo que penso no quão fantástico seria me encontrar com um livro que não se parecesse com nada que já existe (porque, infelizmente, o mercado livreiro está saturado de repetições, o ineditismo é raro, é quase sempre o mais do mesmo, e meu esforço sempre é fugir de alguma forma do banal com minha escrita), quando eu soubesse que ele não existe, me adiantaria para escrevê-lo. Neste campo da raridade, felizmente há aqueles que eu olho para eles e digo, em um misto de alegria e frustração:
– Puxa vida, como não pensei nisso antes?