Sidney Garambone é escritor jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre achei que a rotina escraviza a criação. Costumo acordar cedo, mas se a noite anterior foi de celebração e vinho, desperto mais tarde, se o trabalho deixar. Atualmente, tenho acordado metade da semana em hotéis, mas o que move meu primeiro contato com o dia é a sede por informação. Por causa da formação jornalística, não admito que comece a conversar com amigos sem saber de algo relevante que tenha acontecido. O meu mundo ideal consiste num belo café da manhã com o jornal ao lado. Gosto do cheiro de café invadindo a cozinha, por isso há algum tempo tenho um moedor elétrico para meus cafés especiais, comprados no Mercado Central de BH ou via internet de algum cafeicultor artesanal. Infelizmente, sempre estou com o celular ao lado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite. Quando a casa já foi dormir. Sentir-me solitário e iluminado é uma inspiração. O ritual existe, mas nem sempre é possível segui-lo. Gosto de ter uma taça de vinho do porto ao lado e um charuto. Como não moro sozinho, muitas vezes preciso abrir mão destas companhias, ou então abrir a janela. Mas nem sempre é suficiente. Algo que me apraz é ter um ou dois livros ao meu lado. Livros que estou lendo. Muitas vezes paro a minha escrita para mergulhar em outras. Costumo levantar também para me esticar, ir à janela, navegar um pouco na internet e trocar mensagens com amigos. Em alguns casos, informo que estou escrevendo a eles. E estabelece-se uma nova forma de conversa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Períodos concentrados. Trabalho melhor com empreitadas. Não tenho metas. A não ser se houver algum prazo solicitado. Tento aproveitar momentos de solidão ou então eu mesmo crio estes momentos, fazendo mini-viagens para cidades menores, como Petrópolis ou Santo Antônio do Pinhal. Reservo algum hotel ou pousada durante a semana e mergulho pesado no livro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu prefiro o método caótico. Não consigo imaginar o texto ou um livro já com início, meio e fim. Não tenho a prática de fazer uma escaleta e ir preenchendo a estrutura. Gosto de ir escrevendo sem disciplina, vomitando as ideias nas teclas. Isso me traz um problemão na hora da revisão, porque acabo repetindo ideias e palavras, mas não me arrependo. A pesquisa acaba sendo um processo paralelo. À medida que vou escrevendo, vou sentindo a necessidade de me aprofundar num tema. Em alguns casos, paro tudo. E começo a pesquisar de forma intensa, para voltar depois ao trabalho principal. Quando consigo, elejo algum amigo ou conhecido que compre a ideia, e a cada capítulo envio para ele, em busca de um retorno imediato do que escrevi.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com sofrimento. Muitas vezes fico períodos longos sem escrever e não consigo disfarçar a frustração. Por vezes, abro o computador, sento para escrever e nada sai. Acabo me perdendo nas armadilhas e seduções da Internet. Para driblar esta ansiedade, procuro me convencer de que a inspiração tirou férias e volta qualquer dia. Assim sofro menos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso no mínimo umas três vezes. Mas chega um momento em que grito BASTA porque senão a obra fica dentro do computador eternamente. Gosto muito de mostrar meus trabalhos para outras pessoas, mas nem sempre são as mesmas. Curiosamente, quando faço novas amizades, muitas delas ligadas à literatura, me sinto compelido a mendigar atenção e carinho aos meus inéditos. Ou seja, nem sempre aquele amigo de décadas será a pessoa perfeita para compartilhar da leitura comigo. Amigos novos não tem amarras nem compromissos sentimentais, por isso são mais autênticos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador. Não tem jeito. Não sou romântico. Quando mais jovem, gostava de deixar um bloquinho pendurado no para-brisas do carro, assim anotava toda e qualquer observação cotidiana que pudesse transformar-se em literatura. Hoje, uso demais os blocos de notas dos celulares. Mas não sou de fazer muitos rascunhos. Prefiro pensar na cabeça e despejar na hora.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Metafísica pura. Leio bastante e procuro alternar clássicos com nova literatura, autores e autoras, brasileiros e estrangeiros. Uso aeroportos e aviões para ler profundamente. Não abro mão de nenhuma forma de arte. Cinema, Teatro, Séries, Livros e Música. Entretanto, infelizmente, tenho ido cada vez menos a shows, pois não me acostumo à mania dos videos e fotos. Incomoda-me profundamente, tira-me a concentração e o que era para ser um show instigante e inspirador vira uma experiência enervante. Percebo também que um filme maravilhoso que mexa demais comigo me motiva a chegar em casa e reabrir gavetas e projetos antigos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Certamente a tecnologia. O trabalho de pesquisa ficou muito mais fácil, abrindo espaço para a criatividade atuar quase 100%. O problema é a distração. Antes, era mais fácil se concentrar na escrita, hoje são muitos vetores capazes de te tirar a atenção. Viver está cada vez mais cansativo. Então, muitas vezes, ao voltar para casa, em vez de sentar e escrever, acabo me permitindo deitar na cama, relaxar e fazer um spa da mente, sem pensar em muita coisa, apenas fruindo um filme ou um joguinho inocente no celular. Quanto à conversa comigo mesmo, eu diria a mim o que continuo dizendo. Senta e escreve, rapaz!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma vontade imensa de escrever um romance operário. Uma malha de relações que envolvesse gente pobre, mas rica de sentimentos. O cenário principal seria o canteiro de obras de um grande prédio em construção. A escola pública, a loja de eletrodomésticos populares, o motoboy e as portarias seriam a moldura. O livro que ainda não li e gostaria é o de um grande romance esportivo sobre o futebol brasileiro. “O Drible”, do Sérgio Rodrigues, foi o primeiro passo. Mas queria um onde o grande jogador fosse o personagem principal.