Sergio Vilas-Boas é jornalista, escritor e pensador cultural.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Quando não tenho compromissos pela manhã, tento manter uma espécie de ritual: acordar por volta das 9h, colocar comida para a (e trocar a água da) nossa gatinha anciã, a Filó, e colocar o café em preparação. Enquanto isso, ligo o laptop, como uma banana (considero banana um alimento fundamental de manhã), tomo um iogurte integral 0% de gordura com granola e mel e começo a “zapear” os sites de notícias do Brasil e da Itália (no momento moro em Florença). De vez em quando entro também no nytimes.com. Em seguida – diria uma meia hora, quarenta e cinco minutos depois – começo a escrever ou a pesquisar assuntos para escrever no meu blog, no qual abordo (sob a aba “Psicoisas”), temas comportamentais do cotidiano de qualquer ser humano, mas por um ponto de vista autobiográfico. Sempre com elegância e fluência. No jornalismo norte-americano esse tipo de texto tem um nome: “personal essay”. Ensaio pessoal. Significa mesclar a experiência pessoal com reflexões sobre um tema que o autor valoriza e gosta.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã. Para mim, o dia de escrita perfeito é aquele em que posso começar a trabalhar no meu texto logo depois do café da manhã, não importa a hora. De manhã, as minhas ideias estão solarmente claras e límpidas. Antes, porém, faço um pouco de alongamento também, porque, passados trinta anos de atividade profissional com a escrita, me apareceu uma doença articulatória no braço direito chamada Epicondilite, popularmente conhecida como Cotovelo de Tenista. Nunca joguei tênis na minha vida. (risos) É uma inflamação no tendão que liga o cotovelo ao pulso. Alongamentos e fisioterapias caseiras me fazem muito bem. Eu também uso uma braçadeira pouco abaixo do cotovelo, que ajuda bastante a reduzir as dores.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para mim, o ato de escrever não se resume ao período em que fico diante do computador procurando as ideias e formulando-as por meio de palavras. Para mim, o ato de escrever engloba todos os momentos da vida, inclusive os momentos “aparentemente mortos”, como quando estou me divertindo com amigos em um bar ou fazendo uma caminhada em algum parque em Florença. A escrita não é só o ato de escrever em si, mas também, e principalmente, a elaboração do pensamento em forma de linguagem escrita. Eu penso/raciocino de forma escrita, não de forma oral, mesmo quando não estou diante do computador, mesmo quando não tenho uma caneta e um pedaço de papel por perto. Metas? Não tenho, no momento. Mas nos meus vinte e cinco anos como jornalista aprendi que toda atividade intelectual precisa ter fim, precisa de um deadline. Às vezes estabeleço meus próprios deadlines. Exemplo: Se tenho que entregar um texto (encomendado ou espontâneo) no dia 30 de maio de 2018, eu me dou como prazo o dia 28 de maio de 2018, ou seja, pelo menos dois dias antes. Isso porque eu adoro reescrever. É na reescrita que descubro ou encontro o texto que eu realmente estava procurando. Então, sempre reservo um tempo para, digamos, burilar o texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não costumo ter dificuldades de começar a escrever. Eu tenho, isto sim, dificuldade de escolher o assunto sobre o qual escreverei. Eu mantenho um arquivo chamado “banco de ideias”. Há sempre dezenas de ideias nele. Demoro muito a conseguir escolher um único tópico ou assunto, porque, em geral, todos são interessantes. Até porque as ideias partiram de mim mesmo. Mas depois que escolho, seja lá por qual critério seja, é um alívio. É como dizer para mim mesmo: “Pronto. Você já tem meio caminho andado”. Daí faço pesquisas online ou nas minhas estantes de livros, zapeio, leio coisas com ou sem uma relação direta com o assunto que escolhi e faço anotações de palavras chaves, ou seja, subtemas nos quais não posso deixar de tocar. E aí a coisa flui maravilhosamente. Mas até eu conseguir escolher o assunto e internalizá-lo vai um bocado de tempo (uns 50% do tempo, eu diria).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Honestamente, nunca me senti travado. A sensação que mais me incomodou, aliás, é o contrário disso: lidar com o excesso. Como jornalista/repórter, sempre fui um pesquisador incansável, que não descarta nenhuma fonte ou documento sem antes analisá-lo cuidadosamente. Então, o meu problema sempre foi o de enfrentar o excesso. Por outro lado, é exatamente esse “excesso” que me permitia garimpar o que de melhor eu seria capaz de produzir dentro do tempo que me fora dado. Quanto aos projetos grandes ou de longo prazo, estes são os que mais me deixam à vontade. Sou do tipo formiguinha operária. Trabalho um pouco a cada dia, tijolo por tijolo, então para mim não é nenhum drama construir um texto longo ao longo de meses ou anos. Como eu disse anteriormente, adoro reescrever. Sendo assim, escrevo e reescrevo um pouco a cada dia sem o menor problema. Sobre o medo de não corresponder às expectativas (as minhas e as alheias), hoje em dia isso não me preocupa mais. Me sinto suficientemente seguro para fazer o meu melhor dentro do tempo que me foi dado (ou dentro do tempo que eu me dei). E isso me basta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso e reescrevo até o último minuto. No blog, que é meu e onde mando eu, faço atualizações permanentemente. Às vezes, um mês depois de publicado eu percebo que determinada palavra deveria ser trocada por outra e imediatamente o faço. Não, eu nunca mostro meus trabalhos para outras pessoas me darem um feedback antes de eu publicar. Não ajo assim porque as poucas experiências que tive nesse sentido não foram boas: as pessoas às quais pedi para ler meus originais não se dedicaram o quanto eu esperava e fizeram comentários vagos, imprecisos, descompromissados. Eu, ao contrário, quando pego o texto de alguém (alguém que me pede uma avaliação) vou fundo. Listo os pontos positivos e negativos, com as respectivas explicações em um por um. Isso porque eu também presto serviços de “consultoria narrativa” (eu chamo assim) para potenciais escritores que têm uma ótima história mas não sabem muito bem como contá-la. No momento, estou trabalhando nessa linha com dois “clientes”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão ou no computador com a mesma desenvoltura. Não deixo escapar uma boa ideia só porque falta energia elétrica ou porque o computador ficou em casa ou porque o smartphone travou. Se necessário, escrevo até em uma pedra… (risos)
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como disse anteriormente, eu mantenho um “banco de ideias”, o qual alimento diariamente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A minha tese de doutorado? Nada a dizer. A minha tese de doutorado saiu exatamente como eu queria. O que mudou no meu processo de escrita é que eu não acredito mais na escrita da mesma maneira como eu acreditava trinta anos atrás. Hoje sou mais realista (e indiferente) em relação a coisas abstratas como fama, reconhecimento, direitos autorais, etc. Hoje escrevo porque me faz bem. A minha vida (o dia a dia, o meu sono, o meu humor, a minha capacidade de contemplar a natureza, etc.) é melhor quando estou envolvido com algum projeto de escrita, seja qual for.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria de fazer: uma narrativa de viagem que misture jornalismo literário, autobiografia, antropologia e psicologia. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe: eu ainda não li um romance realmente bom sobre a temática do “aquecimento global”, por exemplo.