Sérgio Roveri é dramaturgo e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa com a leitura do jornal. Leio a versão impressa da Folha de S. Paulo e depois a versão on-line de outros veículos. É um ritual que consome, pelo menos, uma hora do meu dia, normalmente mais. Leio o jornal enquanto tomo café e, nesta hora, confesso que gosto de silêncio e calma. Não gosto de programar nada para logo cedo. Não funciono muito bem nas primeiras horas da manhã. Quando possível, marco os compromissos para depois das 11h.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O período da tarde é o mais produtivo do meu dia. Não que de manhã eu não escreva, às vezes até escrevo, mas são ocasiões excepcionais. Sinto que meu pico de energia, concentração e, quem sabe, inspiração, ocorre logo depois do almoço e de dois cafés expresso – os únicos que tomo ao longo do dia. Não tomo café puro de manhã e nem depois das quatro da tarde. Então, por volta das 14h30, 15h, acelerado com estes dois cafés, sento diante do computador e começo a trabalhar. Não consigo trabalhar ouvindo música e nem com a televisão ligada. O silêncio, para mim, é fundamental para a concentração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não me vejo como um autor muito disciplinado. A maioria dos manuais de escrita e redação indica que a prática diária é fundamental, ainda que seja apenas meia hora por dia. Mas nunca consegui obedecer este conselho. Posso escrever cinco ou seis horas em um dia e depois passar dois ou três sem escrever uma única linha. Claro que isso ocorre apenas quando estou trabalhando num projeto pessoal ou quando os prazos são elásticos. Se eu tenho um prazo para entregar um texto, não sossego enquanto não termino. Mas se estou trabalhando em alguma coisa que não exija um prazo de conclusão, então eu dito meu próprio ritmo, que tem muito a ver com minha relação com a obra. Se estou completamente envolvido com o tema, só me sinto feliz diante do computador, escrevendo. Se estou, por outro lado, numa fase de pesquisa, anotação, numa fase de busca da matéria-prima, então eu me permito que cada dia dite as suas próprias regras.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu acredito que cada texto indica o seu momento muito particular de começar. Às vezes, eu preciso desenvolver um longo e detalhado processo de pesquisa, para só então dar início ao texto. Há vezes, no entanto, em que logo no início da pesquisa, ou das anotações, eu sinto que já estou diante de um provável início, de um provável caminho. Então, antes que ele se perca, começo a escrever e sigo paralelamente nas duas funções: a de escrever propriamente dita e a de pesquisar. Eu procuro respeitar muito a dinâmica e a autonomia do texto – é ele, sempre, quem escolhe o momento de começar, como uma criança que começa a engatinhar e, em determinado dia, decide ficar em pé e caminhar. Na verdade, eu sinto que o trabalho de pesquisa e anotações serve, acima de tudo, para me abrir a porta deste universo novo que começo a explorar. Quando a porta se abre, é o momento de avançar. Às vezes, ela se abre no início da pesquisa, às vezes precisa de um tempo maior. Mas o momento de efetivamente partir para a escrita costuma ser inconfundível.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu acredito que este medo existe sempre, até na hora de escrever um e-mail. Este medo, de alguma forma, está presente neste exato momento em que respondo a este questionário e me deparo com questões que me obrigam a pensar no meu ofício. Eu penso que as duas armas mais eficazes contra as travas da escrita são a persistência e a disciplina. Eu trabalho em casa, sozinho. A rigor, não existe a figura de um chefe, de um editor, de um superior que me obrigue a ir para a frente do computador. O que me obriga a escrever é minha necessidade de contar aquela história, a minha obsessão em parir aquele texto. Eu sou meu principal crítico, não pego leve comigo e nem sou condescendente. Procuro acreditar que aquilo que eu escrevi é o melhor que eu poderia ter feito naquele momento e naquelas condições, ainda que possa não agradar outras pessoas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos diversas vezes por acreditar, de verdade, que é possível melhorá-los a cada revisão, até o momento em que me vejo obrigado a colocar um ponto final ali. A cada dia em que sento ao computador para continuar um texto, eu nunca prossigo exatamente de onde parei. Costumo voltar cinco, seis, dez páginas antes. No meu caso, este hábito cumpre dois objetivos: o primeiro é o de revisar estes capítulos recentes e, o segundo, é o de me introduzir novamente ao clima da história, é o de permitir que eu, aos poucos, vá abandonando o mundo exterior para mergulhar naquele universo que, até aquele momento, está restrito à tela do computador.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Confesso que ainda sou meio analógico. Acredito que eu utilize no máximo dez ou vinte por cento do que a tecnologia pode me oferecer. Faço todas as minhas anotações a mão, e a lápis, em um caderno brochura do qual não me separo por nada. Quando possível, gosto também de imprimir as páginas com a pesquisa, para que eu possa anotar no meio daquela papelada o que será necessário para mim. Infelizmente, ainda não consegui me despedir do papel. Ter cadernos, lápis, caneta e textos impressos ao lado é essencial para mim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que minhas ideias nasçam da experiência do cotidiano, das notícias, da observação das pessoas na rua e no transporte público, do meu olhar de espanto diante do mundo, da indignação diante de alguns acontecimentos, da alegria diante de outros, da conversa com amigos, das trocas e também dos momentos de solidão. Toda a cultura, tudo aquilo que já foi produzido na forma de livro, música, pintura, cinema, fotografia, dança e uma infinidade de molduras que traduzam a sensibilidade humana servem como matéria-prima fundamental para qualquer escritor. Sinto que somos alimentados diariamente, várias vezes por dia, com uma quantidade de informações muito maior do que nossa capacidade de digeri-la. Mas, no meio de tudo isso, algo se destaca, algo chama a nossa atenção, algo pede uma observação mais detalhada. Talvez seja uma centelha de inspiração, um sinal de que ali pode estar a raiz do nosso próximo trabalho. As ideias, acredito, nasçam de tudo isso, principalmente de nossa abertura para a vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu penso que a concisão seja a principal conquista que surge com a prática e a passagem do tempo. A maturidade tende a nos deixar mais econômicos – não que isso seja uma regra. Mas acredito que na medida em que nosso olhar vai se tornando mais objetivo, precisamos de menos palavras para dizer aquilo que desejamos e sentimos vontade. Esta concisão, no meu entender, não significa apenas escrever menos, mas escrever melhor, de maneira mais apurada, mais afinada, com mais elegância e potência. Eu acredito que cada autor tenha um conjunto de temas que lhe são muito caros e aos quais ele sempre acaba voltando – se é que algum dia conseguiu abandoná-los. Nosso desafio é o de acreditar que estamos lidando com eles agora sob um novo olhar, rejuvenescido e certeiro. Quando visito meus primeiros textos, não os renego, de forma alguma, mas sinto que hoje eu falaria deles de outra forma.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São vários. Eu acredito que o melhor ainda está por vir, que o próximo texto vai me deixar mais feliz que o último e o que virá depois dele será ainda mais pleno. É esta esperança que me move a continuar escrevendo, esta fé de que algo muito bom ainda esteja por nascer. Se eu abandonar esta ideia, e veja que não se trata de uma ideia arrogante, talvez eu não tenha mais ânimo e iniciativa para escrever. Confesso que nunca havia pensando num livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, mas agora vejo que todos os livros que eu não li, e eles são milhares, para mim é como se eles ainda não existissem. Eles passam a existir no momento em que os leio.