Sérgio Rizzo é jornalista, professor, crítico e curador de cinema, doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No caso dos textos para jornais, tenho uma rotina. Em virtude dos horários de fechamento, preciso escrevê-los, em geral, até o meio-dia. Nessas ocasiões, procuro levantar no máximo às 8h, tomo o café da manhã enquanto leio o noticiário e, depois de levar a caneca e o prato que carregava o pãozinho até a cozinha, retorno ao escritório para escrever. Os demais textos são escritos em qualquer horário, de acordo com a necessidade e com a disponibilidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de ler antes de escrever. De preferência, literatura brasileira ou estrangeira, e ao menos uns 30 minutos. Nem sempre consigo fazer isso. E gosto também de escrever sem interrupções ou distrações, logo cedo ou então bem à noite. As tardes costumam ser improdutivas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Prefiro escrever em períodos concentrados, mas as exigências jornalísticas e também os prazos de entrega de outros trabalhos às vezes obrigam a fazer de outro modo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Seja qual for o texto, tomar notas (em folhas de papel e/ou no computador) correspondem a uma parte que considero fundamental para a organização do raciocínio. Quase 40 anos no jornalismo me ensinaram que prazos de fechamento e editores ansiosos à espera do seu trabalho fazem desaparecer qualquer possibilidade de bloqueio. O texto precisa ser escrito, há um prazo para isso, e ele deve ser cumprido. Ponto. O parágrafo inicial, no entanto, costuma ocupar um tempo desproporcional; uma vez que ele é sempre decisivo para estabelecer o tom e o fluxo do texto, ali costuma ser travada a batalha crucial. Ao superá-la, tudo fica mais fácil. De certo modo, até mesmo o final do texto pode ser vislumbrado em seu início. Só é preciso criar o que fica entre uma coisa e outra.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Falei acima sobre a importância da disciplina jornalística na minha formação; comecei a trabalhar em jornal aos 16 anos, e tenho 54 ao fazer este texto para o “Como Eu Escrevo”. Jornalistas aprendem a driblar eventuais travas como um atacante que precisa se livrar dos zagueiros para arriscar um chute a gol, no futebol, ou como um cestinha obrigado a encontrar espaço na marcação adversária para arremessar, no basquete. A prática (ou seja, o treino cotidiano) ajuda a estabelecer mentalmente o foco. Apesar disso (ou seria por causa disso?), enfrentei problemas na redação da dissertação de mestrado e da tese de doutorado, escritas em períodos concentrados mais próximos do prazo de entrega.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio cada texto o maior número de vezes possível, quase sempre fazendo alterações. Gosto das circunstâncias que permitem terminar o texto num dia e voltar a ele, para releitura e revisão, só no dia seguinte. Algumas horas de distância do texto (com uma noite bem dormida no meio, de preferência) nos ajudam a enxergar nele eventuais problemas e também oportunidades de melhoria. Depois do “enter” final no computador, sempre haverá editores antes dos leitores, o que me tranquiliza. Não gosto de publicar texto que ninguém mais venha a ler antes de chegar ao público. É o que acontece nas redes sociais, e ali fico duplamente alerta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nenhum problema com a tecnologia, ou seja, a tela em branco é apenas um espaço a preencher, e não um suplício. Hoje, escrevo todos os textos diretamente no computador. No início de carreira, lembro-me de fazer rascunhos à mão e só então ir à maquina de escrever; sou do tempo da datilografia e guardo até hoje a máquina Olympia que herdei do meu pai. Aliás, sinto que esses anos pré-computador foram importantes para que depois me habituasse a encarar um processador de texto como um grande amigo, disposto apenas a me ajudar com seus recursos para substituição de palavras, troca de frases etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leitura, muita leitura. De ficção e de não-ficção. Uma fila de livros (físicos e no e-reader) sempre à espera, mas que costuma ser desrespeitada em virtude de algum interesse súbito que me leva a algo que não estava ali. A turma organizada na fila não gosta, mas sabe que a sua hora chegará. Cinema, do qual me ocupo profissionalmente desde a adolescência, tem igualmente papel fundamental. Por outro lado, adoro caminhar. Quanto menos conhecer o lugar pelo qual caminho, tanto melhor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
“Fique tranquilo, serão inventados processadores de texto em computadores que estarão integrados a uma grande rede de informação e tudo ficará mais fácil. Por enquanto, vá treinando, todo dia. Escreva, escreva.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A primeira parte é fácil: tenho um monte de projetos de livros. Provavelmente não terei tempo de escrever 10% deles, mas não importa. Boa parte da diversão consiste em imaginá-los. Quanto aos livros que gostaria de ler, eles já existem. São inúmeros. Provavelmente conseguirei ler apenas uma ínfima parte deles, mas isso também não importa. O conforto é saber que existem.