Sergio Geia é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, por volta das cinco e meia. Três vezes por semana (segunda, quarta e sexta) saio para caminhar e correr. Nesses dias, tomo café na padaria (o que acontece numa padaria é sempre matéria-prima para as minhas crônicas). Depois de um banho, sento para escrever. Nos outros três dias (terça, quinta e sábado), substituo a caminhada por levar a minha filha na escola, o café na padaria por um café aqui em casa mesmo, e depois, o exercício da escrita, esse eu não troco por nada. Domingo estou de folga, saio, vou à padaria, ao supermercado, vejo um filme, leio os jornais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor pela manhã, me sinto mais descansado, com a mente oxigenada. Nunca pensei em ritual, mas, pensando agora, sim, eu tenho um. Sinto que tudo funciona melhor depois da atividade física, deve ser aquela coisa de bem-estar, de liberação de endorfina. Trabalho em silêncio. Já tentei inserir algum tipo de música, instrumental, clássica, mas o silêncio é o meu melhor companheiro, é ele quem me estimula a falar. Antes de começar, acendo um incenso para purificar o ambiente (ele purifica a mente também). Depois vou beber um pouco dos grandes mestres, algo rápido, quase sempre crônicas do Caio Fernando Abreu, mas também Rubem Braga, Clarice Lispector, Borges, sinto que eles me inspiram. Depois começo a trabalhar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como publico quatro crônicas por mês, preciso trabalhar todos os dias. Normalmente, como disse, escrevo pela manhã, algo em torno de uma a duas horas. Aos sábados escrevo mais, de manhã e de tarde. Essa é a minha rotina. Minha meta é ter pelo menos oito crônicas terminadas, normalmente atemporais, que posso publicar hoje ou daqui a três meses, tanto faz, por tratarem de assuntos universais e sempre atuais. Ao mesmo tempo, escrevo algumas que precisam de publicação imediata. Trabalhando dessa forma eu dou conta. Quando minha rotina semanal é quebrada por imprevistos, e eles sempre acontecem, tento compensar no sábado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Preciso de uma ideia para escrever. Isso é fundamental. Não consigo sentar para escrever sem ter algo na cabeça. Em meu processo criativo, a crônica deve nascer primeiro na mente. Ela vai sendo gestada aos poucos, serenamente. Chega uma hora que percebo o pezinho lá, a cabecinha se formando, a orelhinha. De repente, ela pronta. Completa. Só esperando alguns dedos e um teclado para nascer. Se bem que mês passado participei de uma oficina de crônicas em São Paulo. Tive que escrever três crônicas por dia durante cinco dias, sobre os mais diversos assuntos escolhidos na hora pela orientadora. Foi um desafio e tanto, mas acho que dei conta, um aprendizado fundamental que veio como um contraponto ao meu processo de criação. As pesquisas andam juntas com o exercício criativo, principalmente em se tratando de crônicas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Confesso que andava sofrendo para escrever, os assuntos não vinham, não estava encontrando o formato que queria. Às vezes, melhor que o tema, é o formato que você coloca nele, o jeito de contar a história, isso faz toda a diferença. Talvez faça parte da vida de qualquer escritor essa dificuldade. Veja Thomas Mann: “O escritor é um homem que mais do que qualquer outro tem dificuldade para escrever.” Quanto ao medo, honestamente, não penso. Quando a gente se propõe a escrever e publicar, a primeira coisa que temos de ter em mente é que a experiência estética é subjetiva. Isso quer dizer que muitos irão gostar, outros odiar, e ainda haverá aquele grupo que literalmente vai ignorar. Já li livros que agradavam sobremaneira a um crítico e veio outro e bateu nele. Por outro lado, digo que um escritor não pode ter ansiedade. O exercício da escrita literária exige criação e revisão. No romance, principalmente, você deve se acostumar com a ideia de versões. O meu, por exemplo, Confidências de um sacerdote, publicado em 2014, somente na quarta versão é que comecei a achar que ele estava começando a ficar pronto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Não consigo precisar quantas, mas até sentir que o texto está pronto eu vou revisando. Também tenho um profissional que trabalha comigo e faz a revisão ortográfica e gramatical. Só mando para ele quando sinto o texto pronto. Mesmo assim, depois de achar o texto pronto, eu o deixo descansando alguns dias. Começo a escrever outras coisas. Depois volto, mudo alguma coisa, me certifico que realmente está bom e aí sim, mando para a revisão. Quando volta, quase sempre eu mexo mais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação é amistosa. Não sou um especialista em tecnologia, mas só escrevo no computador. À mão, apenas algumas anotações, uma frase bacana que surgiu, uma ideia, alguma coisa nesse sentido. Na oficina tínhamos que escrever à mão, era uma rabisqueira só. Não consigo me imaginar escrevendo em algum lugar que não seja o computador. Como escrevo e reescrevo muitas vezes, acho que à mão ficaria impraticável.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Depende muito do gênero que você escreve. Na crônica, por exemplo, procuro enxergar as coisas insignificantes, que não são notadas pela maioria das pessoas. Transformar banalidade em arte, na feliz expressão do Mario Prata. Alguns amigos e leitores dizem que sou um cronista do minimalismo. Qualquer coisa pode ser objeto da minha crônica: uma sandália feminina abandonada na calçada, a compra de um sítio, um dente que dói, cachorro do vizinho que chora a noite inteira, um olhar perdido, lembranças de infância, o universo temático de uma crônica é vasto. No entanto, mais do que um assunto, talvez o mais difícil seja encontrar a maneira certa de contar. Você precisa de repertório. Nesse caso, o melhor é ler, e ler muito. Às vezes a ideia brota, você não sabe como mas ela surge, daí é sentar e trabalhar; às vezes você é quem procura o tema, analisa vários e decide por um. No processo de criação, você vai trabalhando o formato, às vezes você já começa decidido por um, outras, no trabalho de criação do texto você vai construindo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que meu texto foi se tornando mais pronto. E a maturidade do trabalho literário só vem com o tempo. Foi preciso um dia lá trás eu começar a escrever, e o resultado dessa escrita foi um texto, digamos, adolescente. E insistir, buscar novos caminhos, desenvolver múltiplas temáticas, aplicar novos recursos de estilo, alimentar a curiosidade, ler, ler, ler, escrever, escrever, escrever, foi fazendo com que esse texto adolescente se tornasse adulto. Você vai encontrando uma voz (a sua), vai construindo uma identidade. Eu diria que me orgulho de ter começado e não ter desistido. E se pudesse voltar a escrever meus primeiros textos, certamente muita coisa seria melhorada, outras iriam para o lixo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro de contos. Ando me aventurando pelo gênero. Gostaria de ler um livro que só tivesse crônicas escritas em 2018 pelo Caio Fernando Abreu. Esse livro não existe e nunca vai existir.