Sérgio Abranches é sociólogo e escritor, autor de A Era do Imprevisto.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo. Leio os jornais. Na terça, entro ao vivo na CBN às 8h05. Por volta de 9 horas vou para o escritório. No resto da manhã leio e resolvo problemas do dia a dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora específica para escrever, nem ritual. Tenho concentração para escrever em qualquer lugar ou situação, aprendida nas barulhentas redações da juventude, quando fui repórter.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas de volume de escrita diário. Tenho uma disciplina de escrever no mínimo duas horas por dia, todos os dias. Na média escrevo quatro horas por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do que estou escrevendo. Quando é não ficção, ensaios longos, tenho um período de muita leitura e pesquisa de dados, escrevo notas sequenciais e monto o argumento. A partir daí escrevo direto. A transição da pesquisa para a escrita é imediata. A partir do momento em que tenho notas cobrindo os temas centrais, passo à escrita. Escrever é uma questão de disciplina.
Quando escrevo ficção, é diferente. Primeiro, diariamente quando leio jornais e livros, vou colecionando ideias, sentimentos, situações para usar em contos ou romances. Quando uma ideia “pega”, começo a escrever e já sei se será um conto curto, conto longo ou romance. Ando com a ideia de escrever algumas novelas, entre o conto longo e o romance. Essa coisa de a ideia “pegar”, eu chamo de estado narrativo. Vou escrevendo esboços, sketchs, até que um texto começa a fluir mais e me concentro nele. Tem vezes que começo a escrever um texto e vou até o final. Uma coletânea de contos que vou publicar em breve tem dois que foram escritos no avião. Fui dar uma aula no Ceará, escrevi um conto na ida e outro na volta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com disciplina. Tem um conto meu, “O cursor”, publicado na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, que nasceu dessa luta entre o bloqueio e a disciplina. Como disse, escrevo pelo menos duas horas por dia, todo dia. Em um feriadão, ao sentar para escrever, não me veio uma ideia à cabeça. O cursor ficou lá, piscando. No primeiro dia, escrevi textos que ainda estão guardados para eventualmente serem aproveitados. O conto começa assim: “O cursor… |”. Ao longo dos dias, tomou forma e acabou publicado, na Revista Brasileira 76 (2013, pp. 191-199).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reescrevo, reescrevo e reescrevo. O livro A Era do Imprevisto teve 98 versões, antes que eu o enviasse à editora. O novo Presidencialismo de Coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, teve 9 versões. Mas, um primeiro original dele, teve 32 versões e, no final, deletei porque o resultado não me agradou. Comecei do zero e cheguei a um livro que me agrada o suficiente para publicá-lo. Meu romance Que Mistério tem Clarice?, 74. Só paro quando fico suficientemente satisfeito. Sou daqueles que, se não tiver um critério, não paro de reescrever.
Sempre mostro meus originais para algumas pessoas próximas e para minha agente, a Luciana Villas-Boas. No caso da não-ficção, sempre procuro a leitura de alguém que possa lê-lo criticamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é ótima. Escrevo no computador ou no iPad. Escrevo em teclado desde meus tempos de repórter. O que escrevo à mão é quase ilegível. Tenho que digitar logo, enquanto ainda consigo decifrar minhas notas manuscritas. No livro Copenhague, Antes e Depois, enchi dois bloquinhos Moleskine de anotações. Foi uma tortura. Para os ensaios, uso um aplicativo chamado Notecard que me ajuda a organizar um fichário de notas digitais e que parece com o processo tradicional de fichas manuscritas. Mas é muito mais ágil.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Da leitura e da observação. Sou um leitor compulsivo, leio diariamente, muito. Compro livros toda semana praticamente e ganho muitos livros. Voltei do Fliaraxá com dez livros autografados e todos serão lidos. Observo as pessoas, as ruas, onde estiver. Anoto mentalmente cenas, fragmentos de diálogos, expressões corporais e faciais, detalhes, comida, vestimenta, figuras.
Tudo isso se transformará em ficção um dia. Ou em um tema para ensaio.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O que mudou é que transitei dos escritos da juventude, quando acreditava em inspiração, para os escritos da maturidade, quando acredito em disciplina literária. O estado narrativo resulta mais da disciplina do que da inspiração.
Acabo de escrever um livro, cujo primeiro capítulo foi todo inspirado em um capítulo de minha dissertação de mestrado. Fiz apenas atualizações, a tese foi escrita décadas atrás, e correções de estilo. A tese de doutorado, escrevi em inglês. É outro mundo, muito mais limitado do ponto de vista de domínio da linguagem.
O que eu diria é que “reescrevia no passado muito menos do que devia”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que ainda não comecei é o de um novo romance. Ainda estou nos esboços que não pegam.
O livro que gostaria de ler, mas não existe, é um romance que me arrebate como Grande Sertão: Veredas ou Cem anos de solidão.