Sara Lelis é tradutora, professora de espanhol, mestre em Estudos da Tradução e doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia entre 5h e 6h da manhã. Sempre organizo as tarefas no dia anterior para ir direto ao ponto na escrita. Começo a escrever por volta das 6h. No momento, estou mais dedicada à tese doutoral, mas é o mesmo horário em que escrevo artigos e traduzo. Minha rotina matinal resume-se a escrever. Faço pausas que variam entre 5 e 15 minutos a cada 25 minutos de escrita. A pausa maior é somente na hora do almoço. À tarde produzo menos, mas aproveito para ler outras coisas, reler e/ou revisar algum texto e fazer anotações para continuar a escrita no dia seguinte. É a rotina de quatro vezes por semana. Como sou professora, também dependo dos horários das aulas que às vezes são pela manhã. Nesses dias não escrevo e acho a pausa positiva.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Bem cedo, com a mente descansada. É o horário em que me sinto mais inspirada. Não tenho nenhum outro ritual além de deixar tudo organizado no dia anterior. Refiro-me não só ao espaço, mas também às ideias. Tomo nota em tópicos do que pretendo abordar. Se é algo um pouco mais complexo, escrevo um parágrafo para mim mesma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias. Às vezes em períodos concentrados, às vezes em períodos curtos. Nunca desperdiço tempo. Se tenho cinco minutos, escrevo em cinco. A meta é sempre escrever, revisar e/ou desenvolver melhor alguma hipótese ou ideia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo ter dificuldades para começar a escrever, mas quando tenho significa as ideias não estão claras. Sendo assim, volto a refletir esboçando parágrafos e/ou frases soltas para consolidá-las. Muitas vezes são trechos ininteligíveis, mal escritos, mas são o ponto de partida. Creio que a melhor forma de desenvolver um texto é escrevendo. É ilusão achar que um texto nasce pronto. A pesquisa nasce de diversas (re)escritas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente sou zero procrastinadora. Fico ansiosa somente quando sei que estou chegando “lá” e tenho que parar de escrever. Amo minha área de investigação. Em oito anos de pesquisa, aprendi que as ideias sempre chegam. Também aprendi a valorizar meu próprio trabalho e não esperar nada além do que sou capaz de fazer naquele momento. O amadurecimento, para todos, vem com o tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso poucas vezes. Na verdade, não gosto muito, mas é fundamental. Para evitar muitas revisões, procuro afastar-me do texto por pelo menos uma semana. Assim, quando retorno, sou mais crítica com um texto que parece nem ser meu. O olhar é outro, fresco, e tenho outras percepções sobre ele. Passo mais um tempo longe do texto, releio, e julgo que está pronto se atende os objetivos pré-estabelecidos. No caso de artigos acadêmicos, não mostro para ninguém. No caso da monografia, da dissertação e da tese, minha orientadora é minha única leitora e crítica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador, sempre. À mão somente ideias, hipóteses, inspirações e palavras novas para mim. Ainda sinto que escrever a mão me faz pensar melhor, mas a agilidade do computador proporciona uma produção maior e mais rápida. Aposto na dupla.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm das leituras que faço. Leio todos os dias e faço anotações. Esse é um dos hábitos que me ajuda a pensar e desenvolver as ideias a partir do meu objeto de estudo. Outro hábito essencial e mais interessante que o anterior é o da (auto)tradução. Traduzir formula boa parte do meu conhecimento sobre tudo. Quando sinto que não estou desenvolvendo um artigo muito bem, por exemplo, traduzo-o para outra(s) língua(s). É uma boa prática para escrever as considerações finais, diga-se de passagem. Colocar minhas ideias em outra língua é garantia de outras perspectivas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria “não tenha pressa. As ideias precisam de tempo”. Sempre tive e creio que ainda tenho o costume de achar que não vou terminar a tempo mesmo fazendo tudo com muita antecedência. Por isso, escrevia(o) às pressas. No doutorado aprendi a ter mais paciência.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto atual é a tradução na íntegra dos Cantares mexicanos para o português, um manuscrito de 85 folhas confeccionado na Nova Espanha no âmbito da catequização de indígenas. São 91 cantos. Já traduzi 24 deles, mas no momento não estou traduzindo nenhum devido à redação da tese. A segunda pergunta é difícil já que não conheço toda a literatura já escrita. Penso que gostaria de ler um único livro com a mesma narrativa em várias línguas, todas elas escritas pelo mesmo autor-tradutor. Talvez exista e eu não saiba.