Sândrio Cândido é poeta afro-brasileiro, professor, filósofo, estudante de teologia, autor de Epifania (Patuá, 2014).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotinas estabelecidas desde que deixei o seminário. Acho que deveria começar por essa parte, pois muito daquilo que hoje sou e daquilo que escrevo, tem algo a ver com esse processo. Falo da minha experiência como religioso na Igreja católica. Fui durante muitos anos seminarista religioso. Dentro da igreja cultivei a fé, não somente na presença de um Deus, mas também na falta dele. Dentro da Igreja tive tempo e espaço para cultivar também a escrita. Ali aprendi algo essencial: os dias são todos sagrados, o tempo é sagrado, os instantes são sagrados. Na forma como a igreja reza; a oração chamada liturgia das horas, prevalece exatamente essa busca por viver cada instante do tempo. É preciso vivê-lo intensamente, fazendo de cada hora um momento litúrgico. Quando deixei o seminário, comecei a lecionar português para estrangeiros na Colômbia, país que venho aprendendo a amar cada vez mais. O que isso tem a ver com a minha rotina? Tudo! Minha vida atual segue o ritmo das aulas, tanto aquelas de português, como as de teologia. A única rotina matinal que tenho é aquela de desligar o relógio três vezes, já que nunca consigo acordar quando o despertador toca pela primeira vez. Gosto muito das manhãs. Quando eu trabalhava em São Paulo, saía às cinco da manhã, por isso, sentava-me nos primeiros bancos do ônibus, para contemplar o amanhecer. Hoje, gosto de acordar e permanecer olhando os raios de sol atravessar as cortinas de minha casa. Geralmente escuto música pelas manhãs, enquanto preparo aulas, arrumo a casa, faço café, dentre outras coisas. Quase nunca escrevo pelas manhãs, mas sempre leio algo, ainda que seja uma nota de Jornal. Há dias nos quais tenho aula neste horário, pela manhã, mas não gosto, porque acho que acordar cedo é uma violência contra o corpo humano, uma desculpa para a preguiça. As manhãs são o inicio do dia, gosto delas porque transportam às manhãs de Minas, terra e tema muito presente na escrita que sou e faço. Por isso, prefiro vivê-las cada dia, sem repeti-las, porque cada momento é único.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O momento no qual melhor trabalho é pela noite. Gosto de escrever à noite, quando tudo é silêncio, quando as pessoas dormem, quando somente as palavras estão despertas. Acho bonita essa ideia de escrever na solidão noturna, sozinho, sem claridade, sem a luz do sol. Um pouco como Emil Cioran, aquele filosofo insone, que utilizava as noites para caminhar. O ser humano não foi capaz de atravessar as noites com tranquilidade, inventou as lâmpadas, inventou formas de driblar o escuro, inventou tanta coisa que acabou perdendo a beleza da escuridão. Mesmo para as noites escuras da alma, o ser humano inventou formas de acalmá-las. Acho bonita essa ideia de escrever ao lado escuridão, aliás, dentro dela, esperando que amanheça. Isso de permanecer ao lado das palavras, enquanto a noite avança é o meu ritual noturno. Permaneço com as palavras, nem sempre escrevendo, também lendo. Acredito que a literatura seja uma espécie de sacerdócio, então, há uma liturgia na escrita, e os sacerdotes devem ajudar os outros a atravessarem a noite. É preciso primeiro escutar o que as palavras querem dizer, às vezes demoro dias escutando dentro de mim um verso, uma imagem, uma ideia qualquer. Escutando-as, fico a pensar nos livros que estou lendo, na minha vida- a minha escrita é intimista- nas minhas memórias- porque eu escrevo para construir a memória que estou sendo- a memória da minha Minas. De repente eu vejo o poema diante de mim, eu não o escrevo, eu o vejo, eu o sinto, como se fosse o momento da liturgia em que o padre levanta o pão e diz: eis o corpo; no momento que vejo o poema, as palavras, eu sei que há algo ali, mas eu não sei nomeá-lo. Eu escrevo para rezar, porque eu não sei rezar em voz alta, eu não sei rezar repetindo as orações tradicionais, então eu acho que escrever é uma forma de conversar com aquilo que é sagrado: Deus, a minha bisavó já morta, a minha tia também morta, as lembranças com a minha vó, as lembranças da minha família, a vida em seus tantos aspectos. Eu tenho medo de perder a memória, mas acho que se um dia eu chegue a perdê-la, terei os meus poemas, que talvez não contenham tudo, mas contêm ao menos alguns retratos da minha infância, da minha vida e das saudades que me habitam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu nasci no campo, a vida no campo é marcado pelo ritmo da lavoura e ela é uma imagem daquilo que significa para mim escrever. Escrever é como preparar uma colheita: primeiro batemos a palhada (limpa a terra) depois esperamos pela chuva, em seguida plantamos, capinamos (carpirmos ) o mato, esperamos que cresça e dê frutos o que plantamos; por último colhemos e comemos. Isto é um processo demorado. O livro que estou preparando, Morar, já leva seis anos sendo escrito, seis anos e eu ainda volto a limpá-lo. Ao mesmo tempo em que o costuro, também costuro outros livros, talvez eles nunca cheguem a ser livros, mas que me acompanham ao longo do caminhar. Eu escrevo quando tenho necessidade de escrever, quando necessito conversar com tudo isso que não sei dizer com a linguagem comum, quando eu sinto que viver apenas não é bastante, é preciso também dizer por que vivo, por que estou aqui e não em outro lugar. Por isso é que eu não tenho metas, não acredito nelas, sou um vencido por natureza, um derrotado, não sei planejar futuros. Tudo isto está refletido na forma como escrevo. Antes eu acreditava que deveria publicar muitos livros, que deveria escrever todos os dias, que deveria estabelecer metas, depois vi que a literatura para mim é outra coisa, que nem sempre publicar é algo que nos realiza como ser humano. Não estou dizendo que as pessoas que publicam, que as pessoas que possuem metas, não estejam corretas – cada um é cada um- digo apenas que para a minha vida não funciona assim, que sou um “perdido na existência”. Admiro as pessoas que sabem para onde e para aonde vão, no que tange a literatura, eu não sei, aliás, não sei nem mesmo se existe um lugar para onde ir, não sei se a vida tem lugar de chegada, às vezes, acho que temos somente a partida, e os lugares de encontros, os espaços da travessia. A escrita é travessia, é ponte para os encontros, é como uma mesa na qual sentamo-nos todos nós- os escritores e as escritoras- as palavras- e os leitores- e comemos todos juntos, não somente aqueles que ainda vivem, mas aqueles e aquelas que já se foram. Ler é comer, é degustar, é viver nas vidas de outros e outras. Eu escrevo devagar, como quem pronuncia um salmo, com alguém que reza, mesmo sabendo que não será atendido, como quem atravessa um rio com medo da enchente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que é a mesma resposta dada acima, mas vamos lá com outra imagem. Em Minas as mulheres fazem umas coisas que chamam de quitanda, há todo um processo para fazê-las. Primeiro buscam a lenha, preparam o trigo e o polvilho, fazem a massa, depois acendem o fogo, colocam para assar e servem os biscoitos, os pães, etc… Todo este processo é necessário; embora algumas mulheres façam-no de forma diferente, mudando as etapas. Eu faço muitas anotações, aliás, desde que me mudei para a Argentina, todos os meus escritos são anotações, assim os publico, porque desejo que os poemas nunca terminem de ser escritos, porque os poemas são; como já lhes disse; reflexos da vida, costuras de memórias, então, como morrerei sem terminar de viver, também morrerei sem terminar de escrevê-lo. Tenho bastantes notas soltas, não somente em cadernos, mas também nos computadores, no facebook, no celular, nos livros que leio, nos cadernos da universidade, na bíblia, até em bolsas, guardanapos etc… Um dia, quando sinto que essas notas fazem sentido, quando sei que reuni o máximo de retalho possível, então começo a costurar essa roupa inacabável que é a poesia. Escrevo demorado, recolhendo a lenha, acendendo o fogo, assando devagar as palavras, esperando que um dia alguém possa sentir através delas, ao menos um pouco do que hoje sinto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que são períodos de deserto, aceitáveis na vida de quem trabalha com as profundidades, com os silêncios, com aqueles espaços da linguagem que vão além da mesma linguagem. Minha vó dizia que era preciso saber esperar pela chuva, que não podíamos forçar o céu para que ele nos desse água. Também o meu pai, na lida do campo, dizia que nosso era o trabalho da semeadura, mas não nos cabia o trabalho de fazer nascerem os grãos. Há um místico que diz isso de forma bonita, mas não lembro o nome dele agora. Aliás, as místicas e os místicos, de diferentes tradições, foram os responsáveis por me ensinar isso de saber esperar e lidar com os projetos longos. Os místicos trabalham toda a vida em um longo projeto, a salvação, e há tantos momentos de silêncios em suas vidas, há mais momentos de solidão do que de presença, mas às vezes, um só momento de presença salva toda uma vida de ausências. Às vezes um só poema salva toda uma vida sem saber o que escrever. Nós que lidamos com as palavras, nós que vivemos de peneirar sentidos através da linguagem, também passamos pelo mesmo que os místicos e as místicas passam. Como eu disse acima, demoro muitos anos para escrever algo e colocar ponto final naquele trabalho, tenho várias anotações inacabadas, e tenho períodos de silêncios poéticos enormes, momentos nos quais penso que já não sei escrever, momentos no qual o vazio me adestra a alma, momentos em que cavo as cacimbas, mas não encontro algo. Adélia Prado também teve momentos assim, aliás, acho que todos os poetas em algum momento passam por algo parecido. É a noite escura da poesia, quando as palavras faltam, quando não há linguagem que nos visite, quando a linguagem não tem beleza, quando as palavras já não são ponte para o mistério, mas apenas gramáticas dessecáveis. As travas na escrita são normais, são períodos para fazer outras coisas, porque não se pode ser poeta em todos os momentos, porque é preciso deixar de ser poeta para sê-lo com maior profundidade, é preciso ficar longe da poesia, permanecer “ alejado” dela, para voltar a ela, para outra vez adentrá-la. Eu realmente sou um procrastinador oficial, demoro com as coisas, gosto de demorar, tenho medo da pressa que o nosso tempo requere das pessoas. Tenho medo desse tempo em que tudo é para hoje, em que as pessoas querem as coisas rápidas, ligeiras, mas não sabem aproveitá-las. Nossa época é muito corrida em tudo, temos muita pressa, sei lá, já as pessoas não querem viver a totalidade, querem apenas o que é rápido, uma vida fast-food, uma vida que não adentra. Vivemos em uma ligeireza danada. Principalmente nas cidades, não desfrutamos dos pequenos momentos, não degustamos os fiapos de tempo, queremos tudo no momento. Dias atrás, na rua, um moço me xingou porque eu estava indo devagar e cantando, sei lá, se todos caminhamos para a morte, então para que correr tanto? A poesia também tá invadida por isso, pela pressa, aliás, as artes no geral estão invadidas pela pressa. Hoje, escreve-se muito, mas às vezes sem necessidade de escrever, as pessoas não sentem aquilo que Rilke dizia ao jovem poeta, necessidade da escrita. Eu também às vezes caio nisso, de querer correr, mas sei lá, tenho algo dentro de mim mesmo, que não me deixa correr, que me trava os pés, que não me faz ir tão depressa na vida. Acredito muito naquilo que diz Drummond em procura da poesia, nessa coisa de conviver com as palavras, de não forçar a escrita, de não forçar o verbo, de dar tempo ao tempo. Eu acho que é necessário estar atento aos pequenos momentos da vida, vivê-los demorados, sei lá, pensar nas coisas inúteis e pequenas… Eu sou uma pessoa ansiosa para algumas coisas, mas na literatura não, a literatura é o meu espaço de esperar, é a casa onde acolho as saudades e as esperanças, é a minha forma de diminuir o ritmo. Acho que não tenho expectativa com a literatura que faço. Eu escrevo por necessidade, por isso não espero muito dela, também por isso os projetos longos são normais, pois vão de acordo às necessidades que tenho no momento, às vezes preciso visitar Minas e volto aos projetos relacionados a Minas, às vezes preciso curar alguma dor relacionada à morte e volto aos poemas que falo da morte, às vezes preciso rezar e volto aos meus poemas orantes, enfim, eu escrevo para curar o meu ser, para não perder a memória, para aprofundar em mim mesmo, para ser quem sou. Então, isso das expectativas, não tenho muito. Afinal, nem sei se tenho leitores, pois publiquei apenas uma vez em livro e no facebook, onde deixo alguns textos, o que faço são mais anotações pessoais do que literatura. Talvez, nesse sentido, a escrita seja para mim um projeto de não ser, como um espaço para não esperar e simplesmente para “habitar o tempo”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu gosto de compartilhar os meus textos com pessoas próximas. Antes de publicar Epifania, mostrei-o para alguns amigos e amigas. Agora, com Morar, texto no qual venho trabalhando faz alguns anos e que penso está finalizado, estou fazendo o mesmo. Compartilhei- o com algumas pessoas de Minas, do Vale do Jequitinhonha, porque o texto é essencialmente sobre a experiência de deixar o Vale. Tenho amigas e amigos que me leem antes que eu publique os textos definitivos e que me ajudam a construí-los. Geralmente, como deixo muita coisa anotada no facebook, então é uma escrita pública desde o princípio. Eu reviso os textos sempre, acho importante esse trabalho de voltar aos textos, pois sempre há algo que necessita ser mudado. É como uma casa, sempre necessita limpar algum espaço, decorar outro, enfim… Revisar é essencial, mas chegará o momento, no qual o mesmo texto dirá ao escritor: Já, não mais, até aqui, agora sou eu mesmo que mando em mim. Também pensando nas necessidades, revisitar os textos é fazer com eles respondam a outras necessidades, é adicionar-lhe vivências, andanças. O texto nunca é algo pronto, porque a vida mesma jamais será algo terminado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador, quase sempre, pois minha letra é tão feia, que nem eu consigo entendê-la. Também por preguiça, somente quando não tenho o computador e o celular é que escrevo nos cadernos e afins. Aliás, minha geração é conectada, graças à tecnologia conheci muitos poetas impressionantes, a lista seria grande para citá-los todos aqui. Hoje, a tecnologia ajuda a aproximar esses e essas que dedicam suas vidas ao trabalho com a linguagem.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu realmente não sei de onde vêm as minhas ideias. Muitas vezes, ao terminar um poema, depois de relê-lo, choro e me pergunto: Como é que tu conseguiste escrever isso? De onde é que você tirou essas imagens sandrio? Acho que tá aí o mistério, a escrita vem da profundidade, do contato com a vida e dessa estranha necessidade de lavrar o mundo, de colocar água no deserto, de inaugurar a chuva nos meios das frestas, dessa estranha necessidade de dizer o indizível, dessa estranha necessidade de falar. Tecnicamente, cultivo o hábito da leitura. Amo ler, é uma paixão, leio todos os dias, no ônibus, nos intervalos, no café da manhã, enfim… Acho que a leitura abre portas e janelas para quem escreve. Também é importante o contato com as coisas inúteis da vida, ao menos inúteis frente aos valores da nossa sociedade atual. Como naquela música de Madre Deus, acolho as coisas pequenas, elas são as responsáveis por me fornecer os elementos necessários para que eu possa desenvolver a escrita. Entretanto, no fundo, a escrita é uma coisa muito inconsciente, é uma relação ancestral com a palavra, é como uma liturgia e por mais elementos cultivados, pode ser que eu jamais escreva algo, porque falta essa voz que vem de outro lugar. Não se trata de acreditar que o escritor seja uma pessoa iluminada, não, há muito estudo e trabalho, há muita técnica também, mas existe também; penso, alguma coisa que escapa a tudo isso, uma voz que vem de outro lugar, um espaço no qual a técnica jamais chegará. Eu acho que tudo isso é muito confuso, mas sei lá, é a minha experiência, eu não saberia escrever algo que não toque primeiro a mim mesmo, eu não saberia escrever algo que não provocasse em mim qualquer coisa como aquilo que experimentam os místicos ou os apaixonados, como aquele orgasmo que move a existência. Acho que escrever é nunca terminar de dizer, é nunca terminar de partir. Igual aquela mística, a Simone Weil, que dizia que Deus criou o mundo retirando-se, para que o mundo fosse, o escritor também é assim, ele se retira para que a poesia seja. Acho que esse é o habito que cultivo, ir aos poucos deixando de ser, para que a palavra seja no mundo e que possa também ajudar a que outros sejam, que possa fazer companhia aos silêncios alheios. Escrever e ler é trocar silêncios, os leitores são cúmplices de silêncios e solidões, os leitores e os escritores, as leitoras e escritoras, levantam sobre o mundo essa tenda de solidões e silêncios, onde às vezes podemos entrar e olhar, nem sempre encontramos algo, mas às vezes sim encontramos. Por isso, é preciso descalçar os olhos quando lemos, porque é sagrado os poemas alheios, porque são sagradas as mãos que trabalham a linguagem, porque é sagrado viver de poesia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muitas coisas, aliás, mudou tudo. Começando pelas relações que estabeleço com a palavra. Antes a palavra era para mim um veículo, uma espécie de canal. Hoje a palavra é mais que um simples veiculo, a palavra é a casa onde moro, a linguagem é o meu caminho, a linguagem é uma forma de habitar o mundo, a linguagem é a roupa para a minha solidão. Quando eu era criança, as anotações que fazia, eram principalmente frases apaixonadas, coisas bobas, se bem que ainda escrevo coisas bobas. Não havia um trabalho com a linguagem, não havia um projeto de não ser, não havia uma perspectiva estética. Acho que as leituras que fiz, as pessoas que conheci, os lugares que viajei, as faculdades que cursei, foram de certa maneira, construindo dentro de mim, esses espaços de linguagem que exploro para a construção da escrita. Mudou a forma como utilizo a linguagem, acho que ainda sou um amante do lirismo, mas também trabalho a relação com o campo, as imagens de Minas, uma espécie de existencialismo de fazenda, uma espécie de memória imagética do Vale do Jequitinhonha. Também a linguagem com a qual escrevo hoje, creio que é uma linguagem minha, já não é mais a transposição das vozes poéticas que admiro, por fim. Eu diria ao menino que começou escrevendo nos cadernos da escola que continuasse a escrever, que continuasse a brincar com as palavras, porque ele no futuro seria eu. Aquele menino do mato que lia nos ônibus com medo da São Paulo gigante e que lia para não explicar aos outros, o que significava sofrer um ataque de epilepsia, que continuasse a ler, pois ele hoje sou eu. Acho que é importante ter começado a escrever como comecei, copiando dos outros, aliás, ainda estou longe de ser o poeta que desejo ser, mas tenho caminhado e buscado sê-lo. Meus textos de hoje, também sofrem a influência da estrutura do espanhol, pois sou bastante influenciado pela forma como se fala o espanhol, já que na verdade, sempre falei mais mineiro que português.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero escrever um romance, na verdade já o comecei, mas como já disse acima, é um processo demorado escrevê-lo, ainda estou construindo a forma como ele deve ser escrito, sei apenas que o dia em que o termine, será para mim um dos momentos mais agradáveis da minha vida. Também gostaria e ainda não comecei, de escrever algo sobre as muitas formas de amar que existem no ocidente, que existiram, e que alimentam os nossos caminhares, pois minha tese de graduação foi sobre o amor. Também gostaria de escrever qualquer coisa sobre os textos bíblicos, a partir de leituras filosóficas, existencialistas, sei lá, algo do tipo… Os livros que gostaria de ler e que ainda não existem, são aqueles de poetas que admiro nas redes sociais, por exemplo, um livro da Marceli Andressa Becker, da Roberta Tostes Daniel, poetas que me influenciaram e que tanto admiro; com elas tenho uma relação de proximidade literária e afetiva. Eu também gostaria de ler em livro os textos da Luana Muniz, outra poeta que muito me ensinou, principalmente naquilo que tem a ver com as lutas feministas. Eu gostaria de ler em livro o Ailton Volpato, outro poeta maravilhoso, e também quero livros da Angélica Tostes (teóloga) e a Maryuri Grisales (teóloga). Também há aquelas pessoas que já publicaram, mas cujos livros não estão na Colômbia ainda: A Zainne Lima da Silva, a Mariana Basílio, O Fiori Ferrari, a Lubi Prates, a Micheliny Verunschk, A Nydia Bonneti, e tantas outras e outros…. Quero outro livro do Teófilo Tostes Daniel, um dos amigos escritores que tantos encontros me têm proporcionado ao longo da vida, com quem também gostaria de escrever algo a quatro mãos e muitas almas. Em espanhol, quero que um dia sejam publicados os textos da Alejandra Ramírez Bermeo, amiga, pensadora colombiana, uma pessoa a quem muito admiro, e com quem compartilho muitas formas de pensar. Também gostaria de escrever algo sobre Minas, junto com a Amanda Vital, a Adri Aleixo e uma fotografa que admiro muito, a Maria Rodrigues. Eu quero um dia, quando velho, escrever algo, sobre o ato de escrever e sobre ser no mundo uma escrita contínua.