Sandra Santos é poeta, professora, editora, tradutora e revisora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, as manhãs são sempre custosas e demoradas para mim. Estranhamente ou não, gosto muito mais das manhãs dos sábados e domingos. Vejo-as com um brilho diferente, com uma cadência poética e espiritual.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nunca tive nenhuma rotina ou ritual de escrita. Escrevo quando me sinto convocada para esse acto. Alguém dizia que as musas nos sussurram ao ouvido e, nesse momento, sentamo-nos para encarnar essa mensagem. Diria que é sobretudo uma simbiose de inspiração e dedicação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho. Por vezes, quando tenho algo de “urgente” a declarar, posso escrever com maior intensidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A minha escrita é bem dispersa e irregular. Normalmente, aponto versos soltos e, nessa hora ou mais tarde, detenho-me a construir os poemas. Diria que tenho temas-base, que são o amor, a morte, a natureza, a alma humana, entre outros. Nesse sentido, tento criar um universo muito próprio, de forma a que a minha identidade como poeta siga um fio condutor a cada poema.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bastante bem. Aprendi a entender que há que (vi)ver muito para motivar a escrita. No meu caso, o processo de escrita de poesia é bastante libertino. É o poema que me chama e eu, como uma boa amante, entro na teia da sedução dele. Para mim, escrever poesia é algo sagrado, por isso, volto à vida para beber livremente dela e, quando urge em mim a vontade do verso, regresso à página em branco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Normalmente, reviso duas a três vezes, mas sempre com distância temporal entre cada revisão. E não, não mostro a ninguém. Como passo os poemas para o computador, essa transposição permite-me ver o corpo do poema com um olhar muito mais cirúrgico e, a partir daí, esculpi-lo com conta, peso e medida.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevi os meus poemas à mão. Muito raramente, escrevo um ou outro no computador. Ainda assim, privilegio o trabalho artesanal da escrita. Ando sempre com um caderninho e uma caneta na carteira. De qualquer forma, transcrevo para o computador todos os poemas com uma qualidade mínima (que serão, naturalmente, trabalhados), com vista à publicação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Há dois hábitos que são essenciais para o cultivo da minha criatividade, que são: ler e viver. Ora, no primeiro caso, falo não só da leitura de livros, mas também da ida a museus, ao cinema, ao teatro, entre outros – tudo o que implique interpretar e analisar uma obra de arte é algo que me estimula muitíssimo. No segundo caso, é experienciar o que a vida me dá: oportunidades profissionais, viagens, sair com amigos, conhecer novas pessoas e lugares, estar em família, entre outros. Ou seja, estar aberta ao fluxo quotidiano e extraordinário da vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tanto a nível de forma como de conteúdo, houve grandes mudanças. Até encontrar uma identidade poética tive de experimentar vários tons e tonalidades discursivos. Muitas vezes, fiquei demasiado presa aos meus escritores de cabeceira. A partir de certa altura, comecei a incorporar com maior equilíbrio os vestígios dessas leituras na minha própria escrita. Compreendi que somos uma soma de influências e que isso nos enriquece em todos os sentidos. Além disso, se eu tiver confiança em mim própria, isso vai reflectir-se imediatamente na minha escrita. Assim sendo, diria à jovem Sandra que não tema, porque possui o dom da palavra poética.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No Brasil (Editora Jaguatirica) e no México (Ediciones Eternos Malabares), acabo de publicar o meu primeiro livro de poesia, ÉTER. Futuramente, desejo publicar outros. Por enquanto, quero que este livro possa viajar por outras latitudes e, quem sabe, por outros idiomas.
Relativamente a outros projectos, diria que continuar a investir na divulgação da minha língua além-fronteiras é, para mim, uma prioridade. Como sou professora de português como língua estrangeira, almejo contribuir para uma maior valorização do universo da língua e da cultura portuguesas e, em geral, da lusofonia. Portanto, para materializar este desejo, criei a plataforma “Português Afora”.