Sandra Pina é escritora, tradutora e especialista em literatura infantil e juvenil pela UFF.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas manhãs são bem domésticas. Depois de tomar café da manhã, cuido das coisas da casa, nada demais. Porém meu dia só começa mesmo após uma boa xícara de café preto. Antes dela, tenho a sensação de que não acordei ainda. (risos)
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha escrita rende melhor na parte da tarde. Normalmente, é quando estou sozinha em casa e com mais tranquilidade para me concentrar. Gosto muito de escrever a noite também. Acho que esse hábito vem do tempo em que minhas filhas eram pequenas e eu esperava elas dormirem para poder me concentrar no trabalho.
Não tenho grandes “rituais” para escrever. Na verdade, gosto de escrever com uma xícara de café ao lado. Às vezes, paro muito para esticar a coluna e alinhar as ideias, outras, escrevo durante horas, sem perceber a passagem do tempo. Tudo depende de como as ideias estão fluindo naquele momento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não sou uma pessoa exatamente rotineira. Há épocas em que escrevo todos os dias. Às vezes um pouquinho, outras, muitas páginas. Tudo depende do texto que estou desenvolvendo.
É bem comum, no meu caso, começar a escrever uma história e, em determinado ponto, me ver travada, como se a história não quisesse prosseguir. Nesses casos, eu a coloco “de lado” e vou fazer outras coisas, ou até mesmo, começar outra história. Depois de um tempo, eu resolvo retomar aquela que estava guardada. Releio, reescrevo algumas partes, reviso, e sigo em frente com a história.
Dá para ver que não tenho “metas diárias” de escrita. Nunca tive.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é diferente para cada livro, mas alguns passos são comuns. Parto sempre de uma ideia inicial. A partir dela, faço pesquisas exaustivas sobre o assunto. Entrevisto pessoas, pesquiso em livros e na internet, dependendo da situação, vou a lugares que pretendo retratar. Todo esse material vai sendo compilado em um arquivo no meu computador e em um caderno (adoro cadernos!).
O passo seguinte é definir a voz narrativa. Para mim, esse é um dos momentos mais importantes. Sinto necessidade de partir do narrador (um personagem, um protagonista, um narrador onipresente, etc.) para estruturar a história. E então é hora de definir os personagens. Traço um perfil para cada um deles (seus gostos, suas características pessoais, etc.), pois é assim que vou definir seu modo de agir, de se expressar, etc.
O início é sempre complicado. A “maldita” página em branco. Então, começo meio de “qualquer jeito”, pois, mais tarde, normalmente reescrevo o início.
Ao longo do processo, consulto minhas notas, faço novas pesquisas se necessário, reescrevo muitas vezes um mesmo capítulo.
Enfim, esse é um básico, mas, como falei no início, cada caso é um caso. Às vezes o texto flui de maneira contínua. Outras, ele vai sendo construído aos poucos e de forma intermitente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando travo, coloco o texto de lado e vou fazer coisas completamente diferentes, como bordar, por exemplo. Aprendi ao longo do tempo que só consigo “destravar” quando me desligo da história e relaxo.
Meu processo de escrita é meio lento. Não gosto de apressar uma história. Se ela não está pronta para sair, não acho que seja uma boa ideia forçar a barra. Alguns podem chamar isso de procrastinação, mas eu prefiro chamar de amadurecimento. (risos)
É claro que há situações em que não posso me dar ao luxo de deixar o processo fluir tão lentamente. Às vezes uma história em processo já está comprometida com um editor e isso faz com que exista um prazo para a entrega. Prazos me deixam nervosa, mas também me instigam, me desafiam. Gosto de desafios. E gosto demais de projetos longos, onde a construção da história precisa de muita elaboração e muitos cuidados.
Por outro lado, sempre há o medo de o texto não ser tão bem recebido. Sabe, tem vezes que você acha que escreveu uma super história, mas o leitor não pensa o mesmo. Acontece.
Mas uma coisa é certa: se eu não estiver satisfeita com o que eu escrevi, com certeza não vai virar livro. Só publico aquilo que eu gostaria de ler.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho a menor ideia das vezes que reviso um texto! A cada vez que retomo a escrita, eu releio desde o início e mexo em alguma coisa. Na verdade, quando envio uma história para um editor, sempre tenho a sensação de que não está totalmente pronta. Aliás, quando o livro impresso chega, eu nunca releio porque sempre vou achar que determinada frase ou cena poderia ter ficado melhor.
A escrita é um processo muito solitário e todas as cenas, os personagens, as situações são construídas dentro da cabeça do escritor. Por isso, para mim, é fundamental ter uma segunda, terceira, quarta leituras antes de enviar um texto para análise. De modo geral, troco textos inéditos com outros amigos escritores. Eu leio os deles e eles leem os meus. E uns criticam os dos outros. É uma troca muito produtiva, porque é um olhar profissional, de quem passa pelos mesmos processos e ansiedades criativas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sem dúvida, escrever no computador facilita muito a vida. Mas confesso que, às vezes, gosto de começar a escrever a mão. Gosto de fazer anotações no papel. Na verdade, eu digito muito mais rápido do que escrevo à mão, então o papel e lápis me dão mais tempo para refletir sobre o que estou escrevendo. O mais incrível é que quando escrevo à mão e depois vou passar para o computador, normalmente já vou fazendo uma revisão do que escrevi.
Como disse, eu adoro cadernos, assim, quando estou escrevendo uma história mais longa, sempre tenho um caderno ao lado, onde vou fazendo anotações, pequenos desenhos, etc, alternando com a escrita no computador.
O que eu sempre faço à mão é o desenvolvimento dos personagens e a estrutura mestra da história. Penso melhor assim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ideias vêm de todos os lugares. Basta estar atento. Eu, por exemplo, sou extremamente observadora. Observo posturas, cenas no meio da rua, conversas no metrô, etc. Às vezes, uma ideia pode sair de um diálogo entre estranhos, ou de um quadro em uma exposição, ou de uma matéria de jornal. Por isso, eu amo andar pelo bairro, parar para tomar um café sozinha em alguma lanchonete, dar uma volta no centro da cidade, prestar atenção em grupos de alunos voltando da escola… Todas essas situações são berços de ideias. Algumas podem germinar em livro, outras podem resolver “travas” de escrita.
Ando sempre com um caderninho e caneta na bolsa, porque quando vejo ou ouço algo interessante, tenho necessidade de anotar. Pode ser que eu use aquilo logo, pode ser que nunca use, ou que se transforme em um trecho de um livro. Quem sabe?
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi a enxugar o texto. Quero dizer, aprendi a não ter pena de cortar pedaços inteiros para valorizar a história, ou seja, a não ser prolixa. Esse é um exercício. O da reescrita, o de perceber o que está sobrando numa história. Cortar os excessos.
Se eu pudesse voltar aos meus primeiros textos, certamente revisaria e reescreveria muitas vezes mais. Mas isso é um aprendizado que vem com o amadurecimento do processo de escrita. Com a maturidade escritora, fui ficando menos ansiosa na hora de escrever e fui entendendo que cada história tem seu ritmo próprio para ser construída.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos não começados são muitos. Tenho diversas anotações que espero, um dia, consiga transformar em história. Diversas ideias que ainda não estão prontas para germinar. Acho que se um dia não tiver projetos por começar, vou deixar de escrever. Para mim, saber que tenho ideias que ainda não desenvolvi em texto é um motor propulsor de escrita. (risos)
Será que ainda não existe um livro que eu gostaria de ler? Tenho um gosto muito eclético para leitura. Leio de tudo um pouco. E mais de um livro ao mesmo tempo. Tudo depende do momento, do local, da situação. O mais importante é que seja um livro que me prenda, que deixe gostinho de quero mais quando acabar. Que me surpreenda.