Sandra Abrano é criadora da editora Bandeirola.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo e pratico alguma atividade física. Acredito que o trabalho intelectual é ensimesmado, solitário, lunar, então, nada como contrapor com uma corrida leve, pilates, yoga, tai chi, lutas ou qualquer outra que trabalhe também a concentração – recurso fundamental para um escritor. Enquanto pratico algum esporte a cabeça se esvazia de preocupações e planos. Nada. Santo aditivo para um dia produtivo intelectualmente e sem melancolia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Além de escritora, sou editora da Bandeirola.
Pela manhã trabalho na editora, respondo mensagens, faço pesquisa para novos projetos, escrevo nas redes sociais, alimento o blog da editora, o Bandeirola Literária, vou ao correio enviar os livros vendidos e o que mais surgir de atividade pulverizada.
Por volta das 17hs, lusco-fusco, entrada da noite, começa o meu melhor horário para a escrita. Enquanto as pessoas se locomovem pela cidade, eu me isolo. Para começar, às vezes eu leio um tanto até encontrar o ponto de concentração e escrevo não necessariamente prosa narrativa. Podem ser artigos, resenhas, observações soltas, anotações de fatos poéticos – acontecimentos do dia que me marcaram. Reservo 30 minutos a uma hora por dia para leitura – acredito que esse é um exercício literário fundamental para quem escreve. Ao ler, penso na trama, nos personagens, no encadeamento de ideias do autor e escrevo a respeito (são as Observações de Leitura que publico no blog Trecho Predileto). Parece que não há uso imediato para esse tipo de atividade, mas o escritor se constrói aos poucos, a leitura de hoje vai te suprir daqui um tempo ou nunca, não há compromisso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, não necessariamente no projeto que estou interessada. Não tenho meta de escrita diária, mas sigo uma regra: o que escrevo em um dia, reviso no outro. Isso é sagrado. No dia em que produzo um texto ele me parece muito bom. No dia seguinte ficam transparentes os lapsos, as construções tortas, os pensamentos elípticos. Então, é uma regra que eu tenho: a releitura, a reescrita sempre, permanente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A ideia começa pequenina e vai sendo alimentada por leituras e pesquisa. Começo a escrever textos curtos que tem a ver com o tema. Na releitura, os textos começam a tomar corpo, a ganhar consistência. A pesquisa é permanente. Mesmo depois do original pronto aparecem informações, dados, ideias que podem ou não ser incorporadas ao texto. Quando já tenho ideia do que quero, eu dedico um tempo para escrever o projeto. De início, é um projeto genérico e vou complementando aos poucos com descrição física e comportamental dos personagens, por onde eles se locomovem, o que pretendo com a narrativa, recursos de escrita que posso usar em determinados trechos. Enfim, anoto tudo o que pode servir na elaboração dos originais. Depois posso até esquecer dessas anotações, mas elas estão lá, ao alcance.
Não tenho ansiedade em terminar um livro e muito menos em publicá-lo. Não sou uma escritora ágil, faço muitas releituras, reescrevo constantemente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É até engraçado. Faço muita hora para começar a escrever mas, depois, sigo por duas, três horas, sem me dar conta. As travas na escrita aparecem quando não estou no ponto certo de levar adiante o projeto. Aí deixo descansar um pouco, escrevo textos mais curtos. Não sou contista, mas trabalho contos para afinar a escrita, a voz de personagens, a descrição de ambientes e situações, para ousar e quebrar algumas regras ou reafirmar a importância de terminadas convenções, por exemplo, testar o uso de pontuação para provocar ansiedade durante a leitura. Texto frases curtas para conseguir determinado efeito ou longos parágrafos para outro objetivo. E, sem forçar, chega o momento de retomar o projeto “engavetado” e ele flui. Então, não são travas ou medo de não corresponder a expectativas, é perceber a hora de voltar a um texto abandonado momentaneamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Veja: escrevo em um dia, releio no outro. Quando fecho um capítulo e começo outro, releio o anterior e assim sucessivamente. Ao dar por terminado um original, já li tantas vezes as páginas escritas que estou com o olhar viciado. Então, deixo por algum tempo. Retomo novamente. Depois de fazer isso, considero o original pronto para leitura crítica. Tento selecionar, entre os meus pares, diferentes perspectivas de leitura: uma mais profissional da área editorial, outra mais afeita às convenções da língua portuguesa e, também, uma leitura realizada por um leitor experiente. Vejo as observações apontadas, penso em todas e aceito um tanto delas. Faço nova leitura do original depois de incorporar as observações da leitura crítica. Aí se inicia a fase de enviar para concursos literários. Essa fase é bem importante porque dá um feedbackimpiedoso. Em todas as oportunidades dou uma relida nos originais, faço resumos da narrativa, aponto características importantes do texto, começo a trabalhar com um tipo de apresentação do livro. Como eu contaria a “história” do livro para alguém que nunca o leu, quais os personagens principais e quais os secundários. Por que essa história é importante? Dessa forma, elaboro o material encaminhado junto aos originais para avaliação das editoras. Faço isso concomitantemente ao envio para concursos literários. Em “VESTÍGIOS Mortes nem Um Pouco Naturais”, por exemplo, achei que poderia entrar de cabeça na publicação quando o original foi pré-selecionado para o prêmio Sesc de Literatura entre os 960 inscritos na categoria romance.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tem um momento em que as ideias aparecem lentamente, uma frase depois da outra, com espasmos entre elas. Aí escrevo à mão. No momento seguinte não dou conta e corro para o computador para dar continuidade com a rapidez dos pensamentos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não tenho problema em ter novas ideias. Talvez meu problema seja dar conta dos compromissos que assumo. Veja bem, também sou editora e estou sempre pensando em novas séries de livros, pensando em saídas visuais, realizando tarefas para aumentar a comercialização dos livros, bolando um lançamento diferente, enfim, em tudo faço uso da criatividade e da organização e tento me cercar de informações e técnicas que dão condições para concretizar essas ideias. Com a elaboração de uma ficção literária sinto que é o mesmo mecanismo “criatividade e organização”: ideia / saídas para a realização / detalhamento do projeto e escrita com, obviamente, mudanças no projeto inicial a todo momento…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria a mim mesma: arranje uma turma para troca de ideias e textos. Isso é muito importante. Lendo o texto do outro você reflete a respeito do seu texto. Faça mais leituras em voz alta. Troque ideias a respeito de suas leituras com outras pessoas. Se aproxime de quem escreve, troque textos e opinião a respeito da escrita. A escrita é solitária, mas o processo de escrita não precisa ser.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Um romance de aventura e suspense que contasse a história dos primeiros anos da cidade de São Paulo. Personagens reais, história real contada com recursos da ficção. Gostaria de desenvolver esse tema porque tudo o que a gente não conhece, não ama. Conhecer os detalhes, os pequenos dramas, construir a empatia para amar. Eu acho a cidade de São Paulo desamada e gostaria de contribuir para mudar isso. Há vários livros que tem a cidade de São Paulo como personagem e li uma boa parte deles. Mas gostaria, mesmo assim, de me dedicar a isso.
Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nem me fale, uma boa parte dos livros que gostaria de ler está em uma imensa fila me aguardando…