Samira Calais é escritora e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A escrita é a minha busca e descoberta diárias e me entendi como escritora há pouco tempo, apesar de já publicar em blogs há bastante tempo. Trabalho como jornalista em uma empresa de telecomunicações e quando não estou trabalhando estou escrevendo ou lendo. Começo o meu dia com um livro no transporte público e muitas vezes também escrevo nesse meu percurso diário casa-trabalho-casa. Apesar da precariedade do transporte público de São Paulo, ele rende boas inspirações de textos e poesias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como sou jornalista, minha escrita passa muito ainda por tudo que aprendi e pratico na minha carreira de formação. Sou bastante técnica e sempre faço questão de unir a emoção e deleite das palavras com os métodos de escrita. Me sinto bastante à vontade de escrever no fim de semana, sem pressa e sem cobranças internas, mesmo que eu tenha prazos a cumprir. Apesar de estar no coração de São Paulo, meu apartamento é muito silencioso e cercado de verde e é o meu local preferido para colocar no papel ou no computador tudo que se passa na minha cabeça, na minha vivência, na minha luta. Escrever na tranquilidade interna e externa é a minha forma preferida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O meu grande objetivo de vida sem dúvidas é escrever todos os dias um pouco. É a minha meta, minha busca. No momento ainda não consigo colocar em prática, os afazeres do dia a dia acabam atropelando algo que é tão importante para mim. Na prática, o que acontece é que escrevo onde dá e quando dá, apesar da minha preferência por escrever em casa, tranquila. Já finalizei poemas no ônibus indo para a minha terra Minas Gerais, já escrevi em pé no terminal de ônibus olhando grafites em prédios abandonados do Centro de São Paulo, já parei na praça de alimentação de um shopping na Avenida Paulista para escrever um texto que veio praticamente pronto na minha cabeça. Tenho minhas metas, mas a realidade é um pouquinho diferente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo principalmente para mulheres e a minha pesquisa é a minha vivência como mulher negra e a luta das mulheres ao meu redor. Claro que estudo bastante sobre o tema, leio muitos livros de autoras negras, de mulheres poetas, de feministas, faço cursos. Mas na prática o que me move é o que vejo. O que me move é o que sinto da sociedade. O que me move é o que escuto. O que me move são as minhas lutas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Estou num momento produtivo em relação às publicações da minha recém-começada carreira de escritora. Sou uma das autoras dos Cadernos Negros 41, estou na antologia Resistência, que está em fase de pré-venda e será lançada em março, estarei em uma publicação de Lisboa que será lançada também em março. Porém vivo um momento de pouca produtividade na escrita em si e isso tem me deixado bastante angustiada. As fases em que escrevo pouco são geralmente fases mais atribuladas em atividades do dia a dia e com mais tranquilidade emocional. Como escritora sou muito movida por emoções e sentimentos. E estar emocionalmente tranquila, porém produzindo pouco é um paradoxo na minha vida. Me atormenta e inevitavelmente me cobro bastante. Mas como tenho um perfil no Instagram de frases, poemas e ilustrações (@parameninasemulheres), mesmo em fases menos produtivas ainda assim preciso manter a minha rotina de escrita. Tenho também um blog na revista eletrônica Obvious (obviousmag.org/um_dedo_de_prosa/), que escrevo crônicas e reflexões mais extensas sobre a sociedade, com um olhar especial voltado para as mulheres. Além disso, comecei a participar de um grupo incrível de escritoras negras, em que iremos exercitar mensalmente a nossa escrita em oficinas e reuniões.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A minha revisão acontece naturalmente lado a lado com a produção. Claro que depois que finalizo um texto eu releio, corrijo, refino, deixo mais poético. Mas o meu método de escrita já traz embutido esse olhar de revisora. O que ajuda é que eu costumo escrever faseado, principalmente textos extensos. Já para os poemas é um pouco diferente. A revisão fica para o final, que é quando coloco um olhar mais poético e emotivo, entendendo se os versos estão ritmados (e não necessariamente rimados), se a linguagem está transmitindo a emoção que eu gostaria. Após finalizar, algumas vezes eu mostro meus textos para alguns amigos mais próximos e para o meu companheiro. Quando eles têm alguma observação sempre é algo que agrega ou que me faz refletir sobre a intenção do que escrevi. É imprescindível mostrar os textos apenas para pessoas que têm o olhar crítico, mas te incentivam. Dependendo da forma como vem a crítica, pode desanimar e criar um bloqueio criativo, como já aconteceu comigo no passado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na maioria das vezes escrevo no computador e muitas ideias eu começo organizar no bloco de notas do celular. Mas a realidade é que escrevo onde está disponível. Quando a minha mãe estava no hospital escrevi textos e mais textos nos papéis toalha que ficam no quarto. Tenho muito material que veio sentada na poltrona do hospital, com a caneta de alguma enfermeira, escrevendo apoiada no braço da poltrona. O meu mundo ideal é em casa, no computador, com tranquilidade. Mas as vezes precisamos colocar pra fora do jeito que dá, mesmo fora do nosso conforto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler, ler, ler. O melhor jeito de escrever bem e ser criativa é lendo bastante. Sou filha de professora, de uma família de professoras e o hábito da leitura sempre esteve muito presente no nosso dia a dia. Além da minha mãe sempre incentivar os livros em casa, quando pequena, aos domingos o meu pai sempre chegava com um gibi da Turma da Mônica pra mim e o jornal pra ele, que ele continua lendo diariamente até hoje. As palavras sempre me cercaram e não tive como fugir delas. Hoje eu escolho o que vou ler geralmente alinhado com o que gosto de escrever. Com isso fui criando um acervo incrível de autoras negras em casa, muitas inclusive que eu não conhecia. Todas são inspirações para mim e para a minha escrita. Ler essas mulheres é ao mesmo tempo diversão e trabalho.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Há alguns anos me entendi como mulher negra e feminista e isso mudou completamente a minha forma de enxergar o mundo. Esse entendimento fez também com que a minha escrita mudasse, evoluísse, começasse a fazer a diferença. Porém, quando leio textos antigos meus, já me vejo ali. De uma forma diferente, mas já tinha verdade, sentimento e qualidade. Já era inflamado, já era questionador, já era real. Não tinha muita técnica, mas era uma curiosa, que inclusive se arriscava mais. Portanto, eu não diria nada à Samira dos primeiros textos. Nossa evolução é natural e quando mais orgânica ela for, mais verdade a gente vai colocando no que fazemos. E isso não vale só para a escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Fazer a diferença na vida de mulheres é o que desejo com a minha escrita. E isso é algo que estou buscando a cada texto que escrevo, a cada poema que publico, a cada conto que divulgo. Quem sabe logo não vem novidade por aí?